Luanda - Concordo com o ministro da Comunicação Social João Melo em relação à real idoneidade de classificação da ONG Repórteres Sem Fronteiras, que avalia a Liberdade de Imprensa num horizonte de 180 países, cuja classificação coloca Angola, para o ano de 2018, na posição 109, subindo 12 lugares, contra a posição 121 alcançada em 2017, quando já tinha subido 4 lugares (125 para 121) em relação aos anos de 2016 e 2017, respectivamente. João Melo, em entrevista ontem à TPA, questiona o facto de Angola ter subido apenas 12 lugares de 2017 para 2018.

Fonte: Club-k.net

No seu entender, soube a pouco. Eu também de facto questiono muito os critérios de classificação desta ONG. Parece-me que há também interesses políticos, da comunidade internacional, por trás. Aí estou de acordo com o ministro, quanto aos critérios. No meu entender, ao contrário do ministro João Melo, soube a muito. Não acho que Angola tenha feito tanto de finais de 2017 (com a entrada de João Lourenço no poder) até finais de 2018, e eu explico-me. Se virmos bem, o grande boom de mudança na nossa imprensa pública registou-se com a entrada do novo presidente da República João Lourenço, no último trimestre de 2017, tendo tido um discurso de "autorização" à crítica na imprensa pública, quando tomou posse, e isto mudou de facto o quadro.

 

No final de 2017, assistimos uma mudança de postura dos órgãos públicos, que já cobriam matérias relacionadas com a gestão do país. Houve de facto um aumento significativo de vozes diferentes e discordantes sobre diversos assuntos nos órgãos públicos de comunicação social. Entretanto, já não houve tanta mudança significativa entre finais de 2017 a finais de 2018, que justificasse uma subida de 12 lugares. Parece-me ser o contrário. Era mais fácil que Angola subisse 12 lugares na mudança de José Eduardo dos Santos para João Lourenço do que de João Lourenço (2017) para o mesmo João Lourenço em 2018. Os OPCS já não mudaram tanto. E nós fizemos vários exercícios de reflexão (registados na nossa página) a mostrar isto.

 

Os únicos "escrutínios" que os OPCS fizeram, em 2018, em relação à governação actual, foram a cobertura de greves de trabalhadores (um facto novo), consequências das chuvas (já se fazia na era JES), crimes diversos (já se fazia na era JES), publicitação de detenções, julgamentos e prisões (já se fazia na era JES, com casos de 15+2, Fernando Garcia Miala, Joaquim Ribeiro, etc., com excepção de ter havido uma publicitação massiva, por parte da PGR, com comunicados na imprensa, de tentativas de combate à corrupção no seio de militantes do MPLA, que no fundo só serviu para se questionar até que ponto tais investigações não foram populistas a julgar pelo desfecho de casos mediáticos como "burla à tailandesa" , "Fundo Soberano versus Jean-Claude Bastos de Morais", etc.). Se virmos bem, com excepção de cobertura de greves de trabalhadores de empresas públicas, mais nada foi novo. Não se pode enquadrar a publicitação de casos de investigação de alegados crimes de peculato e corrupção, que culminaram em publicitação de detenções, julgamento e prisões, como prova de Liberdade de Imprensa. Há aqui problemas de conceitos.

 

A Liberdade de Imprensa é vista quando se publicam matérias que colocam em causa a transparência na gestão da coisa pública, na imprensa pública, que sofre mais pressão do poder político - no caso o Titular do Poder Executivo é no fundo o regulador da imprensa pública e privada, segundo a Lei n. °1/17, de 23 de Janeiro, a Lei de Imprensa, uma vez que é ele que nomeia o ministro da Comunicação Social e os responsáveis dos Conselhos de Administração dos órgãos públicos de CS. Logo, só podíamos subir 12 lugares, com o mesmo presidente da República, se houvesse uma divulgação significativa de conteúdos, na imprensa pública, que colocassem em causa a gestão do actual Executivo. Não foi o que aconteceu. Pelo contrário, a imprensa pública serviu para a publicitação de julgamentos públicos de pessoas singulares e colectivas, colocando em causa os seus direitos de personalidade, bom nome, imagem, honra e reputação.

 

Não se pode confundir "Liberdade de Imprensa" com "anarquia na imprensa". Portanto, discordo do ministro da Comunicação Social quando diz ser inegável ter havido avanços na Liberdade de Imprensa desde a tomada de posse do presidente da República João Lourenço. João Melo não está, seguramente, salvo melhor interpretação, a avaliar variáveis indicadoras de Liberdade de Imprensa, de forma desapaixonada. Liberdade de Imprensa não pode ser confundida com publicitação na imprensa de caça às bruxas e vinganças selectivas contra um ex-presidente da República, seus filhos e amigos. Não é assim que se avalia a Liberdade de Imprensa. Caso contrário, amanhã, depois de João Lourenço sair do poder, se um outro presidente fizer também caça às bruxas e vinganças selectivas contra João Lourenço, filhos e amigos, vamos dizer que estamos sempre a subir no ranking da Liberdade de Imprensa, quando não é verdade. Sendo assim, todos os países do mundo subiriam no ranking de Liberdade de Imprensa sempre que se mudasse de Chefe de Estado que declarasse "guerra" contra o seu antecessor.

 

Não faz sentido. Há claramente problemas de conceitos, acrescido do facto de os órgãos públicos de comunicação social nunca terem conseguido desenvolver Jornalismo de Investigação nem ter retomado matérias, de outros órgãos de CS, que colocaram em causa a seriedade e honestidade do Executivo de João Lourenço em 2018. Houve matérias na imprensa nacional e internacional que colocaram em causa a honestidade de João Lourenço no combate à corrupção. Os OPCS não as retomaram! Ou seja, a imprensa pública continua a fazer só propaganda para favorecer a imagem do Titular do Poder Executivo e do partido que governa o país - o que já acontecia no passado - com coberturas inclinadas e distorcidas, contrariando a objectividade, isenção e imparcialidade na divulgação de conteúdos, pressupostos da verdadeira Liberdade de Imprensa.

Carlos Alberto
03.05.2019