Lisboa - Os Estados Unidos encorajaram e apoiaram a revolta contra Nicolas Maduro, aparentemente sem acautelarem o que seria necessário para derrubar o presidente venezuelano. Não é a primeira vez que Washington faz disparate e era bem escusado.

Fonte: SIC

A história está repleta de iniciativas americanas para derrubar, ou substituir governos estrangeiros inconvenientes. As raízes das crónicas más relações dos Estados Unidos com o Irão encontram-se no golpe de 1953 que derrubou o governo e o substitui por décadas de autoritarismo de Reza Pahlavi – numa operação conjunta da CIA e do MI6.

 

Mas nem sempre os Estados Unidos derrubaram governos com operações de capa e espada. E nem sempre os golpes e encenações têm sucesso. Saldam-se, não raro, por cruéis traições de expectativas, se não de promessas.

 

Uma alternativa ao golpe é o financiamento de acções armadas por terceiros, como a invasão de Cuba, em 1961, que soçobrou ingloriamente na Baía dos Porcos. E Fidel Castro permaneceu no poder.

 

Em 1956, uma revolta popular na Hungria, a que Washington respondeu com apatia, foi esmagada pelo regime comunista, sem que os sublevados recebessem a ansiada assistência ocidental.

 

Em 1991, uma revolta curda e xiita no Iraque foi esmagada pelo regime de Saddam Hussein, perante a indiferença dos Estados Unidos, que a tinham exortado.

 

Este ano, na Venezuela, uma administração incompetente cometeu erros preveníeis, bastando que tivessem sito atendidas as lições do passado, nomeadamente o fracassado golpe de 2002 contra Hugo Chavez, apoiado pela administração de George W. Bush.

 

O primeiro erro era inevitável. Donald Trump crê-se mais inteligente do que todas as outras criaturas e onde Bush fracassou ele venceria. Não há discussão possível.

 

O segundo foi acreditar que as sanções derrubam governos. As sanções não derrubam governos – como atestam inúteis décadas de punição económica de Cuba.

 

O terceiro foi o apoio declarado ao auto-proclamado presidente Juan Guaidó, sem haver, em Washington, a menor ideia de como seria possível levá-lo à chefia do Estado, sem uma invasão estrangeira, em todo o caso impossível. Ou seja, na impossibilidade de derrubar Nicolas Maduro com sanções e pressão económica, política e diplomática, não havia plano B.

 

O maior erro foi, talvez, a gestão da insurreição de 30 de Abril. Apesar de muito estar por esclarecer, tudo parece indicar que Juan Guaidó avançou sem sustentação firme e não logrou apoios miliares suficientes para levar o seu movimento a bom termo.

 

Os Estados Unidos, como reconheceram o secretário de estado, Michael Pompeo e o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, sabiam que 30 de Abril era o Dia D da oposição Venezuelana e envolveram-se na rebelião. Os Estados Unidos acreditaram que meses de miséria Madurista seriam o rastilho da revolta.

 

Pompeo e Bolton disseram que Maduro esteve prestes a exilar-se em Cuba e mudou de ideias sob pressão da Rússia, e que o Ministro da Defesa, o chefe da Guarda Presidencial e o presidente do Supremo Tribunal, prometeram, e não cumpriram, apoiar Guaidó, por terem medo dos cubanos. Pompeo recusou-se insistentemente a responder se os revoltosos – e os Estados Unidos – foram enganados.

 

Depois de tudo o que se passou, e de Bolton ter afirmado que há 25 mil cubanos na Venezuela, para além de centenas de mercenários russos, os Estados Unidos estão numa posição ingrata onde lhes resta ameaçar acção militar contra a Venezuela – para que não há o menor apoio público ou político – e agravar as sanções contra Cuba.

 

A crise venezuelana continua banhada de incerteza, sem um fim claro à vista. E os acontecimentos desta semana podem ter infligido graves danos à causa de Guaidó, que é uma causa de decência humana e muito meritória. Mas tem o azar de ter em Washington um aliado péssimo, destrutivo e incompetente.