Luanda - “Aquando da insurreição de 27 de Maio, a minha missão como comissário político do Estado-Maior General das FAPLA era estabelecer a ligação com o político da Missão Cubana em Angola e assessores soviéticos. Levá-los a falar com Zé Van-Dúnem e Nito Alves.

Fonte: JA

O assessor soviético, Viktor, dizia cautelosamente que só o facto de dar a sua opinião podia ser entendido como intromissão nos assuntos internos, enquanto o político cubano, major Vitória, defendia que se devia fuzilar o Zeca Ndongo, por não aceitar a moção de apoio à expulsão de Nito Alves e Zé Van-Dúnem.


Não tenho dúvidas de que as contradições internas no MPLA tinham atingido o cúmulo, mas não se estava perante uma revolução. Noutros termos, estariam as condições políticas objectivas e subjectivas preparadas? É questionável. Deixemos para os investigadores.


Vejamos: no dia 25 de Maio, Nito Alves foi avisar o Presidente Neto que largaria as massas, porque não admitia pactuar com corruptos e agentes da PIDE no Comité Central.


Uma vez fracassada a insurreição, preferimos passar à clandestinidade, numa resistência prolongada e armada. Os meus camaradas, infelizmente, esperavam ser julgados.

 

Eu saí de Luanda por Catete, Pango Aluquém, Quibaxi e Piri, por não acreditar em julgamento.

 

Vivi nas fazendas de café do Sousa Leal, Cajete, Magila, cerca de um ano, por acharmos que mais próximo do quartel do adversário é o melhor sítio para se esconder. Em 1978, fomos para as matas da 1ª Região, Dembos e Nambuangongo, Quitexe, nas margens do Rio Dange ya Menha.


Com armas de fogo, vivíamos na mata como sobreviventes, comendo tubérculos silvestres como gingamba, pesca e de animais que caçávamos. Evitávamos confrontos directos militares, pois éramos apenas dois sobreviventes. Os demais tinham sido presos, outros morreram de fome ou mortos por animais ferozes.


Passámos muita fome, principalmente nos períodos de seca. Chegámos a ficar 60 dias sem comer nada ou comendo dendém e bebendo maruvo e muita água fervida para evitar contaminações.


De resto, tínhamos que saber produzir naquilo que se chamam bolsas, pequenas clareiras na selva densa, onde plantávamos mandioca, milho, bata doce, etc. />Doenças graves como o paludismo eram constantes. Curávamos com ervanária tradicional: mudianhoca, ditumbata, malva, burututo, etc. Suturávamos os ferimentos com agulha e linha normal. Arrancava os meus próprios dentes a sangue-frio. Enfim, encarava o sofrimento com o chamado “optimismo militante” , princípio marxista que nos ensinava que outros tinham sofrido mais do que nós!


Em 1982, durante o Campeonato Mundial de Hóquei, construímos, numa lavra de mandioca, na zona de Camburututo Piri, um subterrâneo onde vivíamos mais confortavelmente.

Em 1984, a UNITA chegou à zona e tínhamos que nos proteger das bombas da aviação das FAPLA num bunker.

Golpe de Estado? Insurreição? Serão outros capítulos a ler nas minhas memórias.

Em Dezembro de 1989, fruto da Política de Clemência e Harmonização Nacional, apresentamo-nos sem mais constrangimentos. Dois meses depois fiz 35 anos.

Tinham decorridos 12 anos e sete meses


Sempre esperei por este momento de reconciliação nacional. Não tem sido fácil conviver com esta dura realidade: a discriminação social. Quando cheguei da mata, nas folhas de inquérito da Segurança de Estado nunca encontrávamos espaços para nós. Podíamos ler se eras da UNITA, FNLA, FLEC. Mas, fraccionista, não. Talvez porque pensavam que estávamos todos mortos ou não tínhamos direitos! A exclusão social, a não promoção de quem esteve envolvido no fraccionismo, foi sempre um facto.
Nesta era onde há um novo paradigma e o nosso Presidente quer, de facto, apelar à reconciliação nacional, devemos fazer um acto de contricção profundo. Os que pensam que podem construir o futuro com as amarras do passado, fantasmas e horrores de ontem estão equivocados. Se não queremos condenar o futuro do país saibamos construir o futuro agora. “Quem não esteve no informe divulgado na altura pelo Bureau Político nunca esteve ligado aos acontecimentos do 27 de Maio”.