Luanda - Integra do discurso do político e jornalista Felix Miranda no festival do cinema recentemente realizado em Luanda pelo especialista Carlos Araujo.

Fonte: Felix Miranda

“O Vasto Mundo do Cinema
e a Nossa Realidade em Angola!” 


Caros cientistas, futuros profissionais do cinema por de trás ou afrente das câmaras. Augusta plateia. Aqui vai o meu extensivo abraço.
 

É tamanha a honra de poder exprimir-me aqui para o futuro e sobre o futuro com exemplos práticos que retratam o passado que substanciou o presente cujos traços determinarão sobremaneira o nosso amanhã em todas as vertentes.

 


Estou em crer que o propósito deste festival é o de reflectirmos em conjunto sobre as proposições e os desafios que são colocados pela Carel Filmes, a pioneira destes Rendez-vous em torno da promoção de novos valores no campo da cinematografia ou se preferirem, no campo da evolução técnica ou científica, para uma abordagem e desenvoltura da cultura angolana muito mais profícuas nos aspectos antropológicos e sócio-políticos. Temos um terreno muito vasto por se desbravar; uma Angola inexplorada na sua essência cultural; um quotidiano social que só ele em si, em cada minuto que passa, é um manancial de cenas que cada uma delas e cada personagem anónimo que a protagoniza, daria para um sem fim de argumentos teatrais ou cinematográficos de excelência. Não esperem por isso que alguém venha fazer por nós, como acontece agora, em que impávidos nos deixamos invadir por séries de filmes e novelas que em muitos casos adulteram o nosso pudor e flagelam os princípios elementares da educação familiar.

 

Gostaria porém de repetir o que vasta vez já se disse e que sirva de recado: « Um povo invadindo progressivamente uma nação com seus produtos, chega à dominá-la também completamente como se a tivesse conquistado pelas armas. A dependência económica cria logo a dependência politica.» Se repararem bem, na conjuntura, a invasão cultural aprisionou as nossas consciências e subjuga assim a nossa forma de ser e estar. Nos esquecemos dos nossos heróis do passado remoto, ilustrados na legião de Njinga Mbandi, Ekui-kui, Mandumen, Mutuyakevela e outros que de forma indomável resistiram com paus perante os canhões.

 

Teimosamente nos lembramos apenas de um, o Doutor Agostinho Neto, fazendo-o passar como um homem que tivesse lutado só e sozinho ao longo da história recente. Onde estão os outros e outros feitos sublimes?


Hoje, salvo raras excepções, os angolanos mais facilmente se identificam com o Brasil, Portugal ou México do que consigo próprios. Não só ficamos alienados, mas pior do que isso, não sabemos quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Ou seja, não somos donos do nosso destino porque tão logo, seremos forçados mesmo em Angola a aprender o Mandarim, para sermos aceites pelos nossos “hoje também” queridos irmãos chineses, tal como o fizemos com os irmãos cubanos. Vamos ter que agradecer toda esta gente, todo o tempo.
 
 
Prezados cineastas, amadores ou profissionais!
 


Aceitei o convite para partilhar deste momento muito especial com todos vocês pura e simplesmente porque sinto na plenitude do meu ser que a juventude angolana é formidável e sem igual no contexto da Africa e quiçá do mundo, conservando sua peculiaridade que ornamenta seus traços físicos e de memória, moldados na beleza ímpar e indescritível da mulher angolana visualizada na ergonomia de seu estar majestoso e na argúcia dos homens que a cobiçam a imagem da possante Palanca Negra de Malange.

 

Isto também é arte. Aliás, é na interacção da cultura com a ciência e tecnologia que a nossa mulher se impõe com subtileza e mestria naturalmente proporcionadas pela originalidade de cada uma que as torna uma só “a mulher angolana”. É assim a cultura, é assim também o cinema em movimento, tudo é magia.
 


Não venho para falar de história, mas como amante do progresso, tenho com o olhar do Chacal e de forma particularmente cirúrgica, seguido e elogiado as peugadas e os esforços incomensuráveis que finalmente galardoam aqueles que lavram paciente e incessantemente nos campos da cultura, desenvolvendo a arte técnica de contar histórias e de forma erudita e engenhosa, conquistarmos o nosso lugar no comboio do progresso dos homens e concomitantemente das sociedades à escala do universo, não obstante para o particular de Angola hoje vermo-nos penalizados com a falta de apoio essencial por parte das instituições afins, para a prossecução dos projectos que são gizados com vista a divulgação dos valores intrínsecos que fazem a grandeza da nação Angola e do Angolano um povo muito especial e enigmático.
 


Estimado auditório
 


Estamos a falar de Cinema. Não, estamos a falar da cultura em desenvolvimento, da realidade social contada a partir dos laboratórios, máquinas, computadores e telas, não mais e somente na voz activa dos velhos e sekúlos, donos dos kimbos, das aldeias recônditas, das embalas dos autóctones, das mulembeiras e embondeiros, ou seja, os donos da palavra e da razão que traçaram os marcos de um passado que não deixou de ser triste nos seus mais variados aspectos.
 
 
 
Caros presentes!
 

Este 3° Festival do Cinema Vídeo Amador, que visa premiar a imaginação, a criatividade e o saber fazer originais, acontece num momento muito particular da história de Angola, em que se sobressai a maturidade e se eleva o grau de consciência do angolano no quadro da cidadania. Pessoalmente considero esta etapa crucial na construção da nação, como a mais importante desde 1482 e a mais eminente na evolução do angolano como cidadão, e desde que no longínquo 1575 o colono português marcou o início da civilização de Angola com a fundação da cidade de Luanda. Hoje muito mais do que a 500 anos, o angolano começa a perceber melhor quem é e como é que ele próprio pode se desenvencilhar na vida, envolvendo os instrumentos cíveis e materiais ao seu alcance, para dizer “Sim” quando satisfeito e “Não” todo o sempre que se sentir literalmente injustiçado. Subentendido, quero lembrar:
“Na vida e em todas as circunstâncias, antes que tudo, é imperativo primeiro conquistar uma razão para se ter razão de dizer não”. É o que Carlos Araújo fez, o que se pode também enquadrar naquilo que denominamos como: a cultura do desenvolvimento numa sociedade onde a priori deveria imperar a lei das leis e predominaria a regência das instituições e não a lei do homem na primeira pessoa do singular com o simbolismo “Homem-forte”.


Isto não é só remarcado pela ausência do saber científico, é também pela inexistência de uma cultura de vida no meio de uma sociedade moderna e de evolução constante, dita: civilização, purificada e guiada de forma automática por regras e leis, que delimitam direitos e deveres, com o respeito mutuo, onde o cidadão é o verdadeiro soberano, ou seja, um todo num só.


Não se pode viver na sociedade do presente com o mesmo espírito e comportamentos do passado.” Já não regressaremos à idade da pedra, nunca mais seremos os verdadeiros indígenas; isto está mais do que claro. Por isso, somos forçados a nos adaptarmos aos tempos modernos. Esta reflexão catapulta-nos para um universo da sociedade de valores.


 
Também eu compreendi a mensagem, da necessidade de nos libertarmos do ódio que nutrimos uns dos outros, mas mais do que isso, da necessidade de deixarmos de ser africanos, amantes da mediocridade e da mesquinhez, africanos que se contentam com o muito pouco, que adoram o sofrimento a imagem daquele homem das estepes que pasta os bois com os pés nus pisando o capim aguçado, cuja dor que provoca ele já não a sente.
 
 
 
 
Este projecto desenvolvido pela Carel Filmes é prova disso mesmo, em que se observa no sentido mais prático e lato a força do querer do angolano que com meios muito exíguos, removendo e suplantando obstáculos de vária ordem, vai ao de lá de seus limites.


Quando Carlos Araújo o promotor e patrão da Carel Filmes lançou-me o convite, apercebi-me das inúmeras dificuldades com que se debatia para a organização deste grande evento. Na calçada da nossa conversa, perguntei-lhe, porquê que, mesmo sem os apoios que devia, teimava em prosseguir a aventura? – Ele respondeu-me: “Amo a arte, sou angolano e é um dos contributos para fazer valer e mostrar ao mundo as mutações positivas do angolano ao longo dos tempos, sua inteligência, capacidade e determinação”.     Contudo, que fique bem claro: em momento algum, em circunstâncias algumas, todo o agente, toda a instituição que milita pelo Estado e para o Estado que somos nós, está a fazer favores à quem quer que seja. Isto serve para o cinema, para a arte, para a escultura ou qualquer outro espectáculo.
 


É isto mesmo: “A vida é uma sucessão de sucessos e insucessos que se sucedem sucessivamente sem cessar”. O mais importante é nunca desistir, o essencial na vida é persistir sempre.


De acordo com Carlos Araújo, a Carel Filmes visa evoluir para uma verdadeira indústria de fabricação de filmes, conservando o rigor culto dos valores morais e éticos que caracterizam a cultura angolano-africana, tal como se pode compreender nos critérios exigidos pelo regulamento deste 3° Festival. Para isso, é preciso entrarmos num campo de pesquisa mais sério, falarmos de escolas ou academias de formação de actores e artistas profissionalizados e se perspectivar uma espécie de Hollyood, atirada para o futuro. A província do Kwando kubango, pode ser um terreno a explorar para o assentamento de uma aldeia de produção de filmes.

 

Como os nossos exemplos devem ser tirados daqueles que triunfaram e se engrandeceram no mundo, neste particular, gostaria de lembrar que, independentemente de outros feitos grandiosos, os EUA, valem e se fazem conhecer em hegemonia pelo mundo a dentro, graças a sua indústria de Hollyood. É sem dúvida graças a Hollyood que hoje até as crianças acabadas de nascer conhecem o sonho do Tio Sam e a ideologia Yankee. Mas, para isso, é preciso, se não mesmo indispensável que tenhamos à testa das instituições encarregues, dirigentes que tenham uma verdadeira visão do progresso e reconheçam o valor do cinema, sem pretensão alguma.
 
 
 
Eu por exemplo, reconheço isso, porque cresci assimilado, muito cedo nos anos setenta, ia aos cinemas lá no Cine Benguela, Monumental ou Kalunga, as matinés ou filmes para maiores de 12 anos, onde já na altura conheci os grandes monstros e senhores do cinema como Clint Eastwood, Leevancliff, Montgomery, Youl Brynner em os “7 Magnificos”, Sidney Poitier em “Adivinha quem vem jantar”, Charles Bronson em “O Apache”, Terence Will, Bud Spencer, Roger Moore, Brigitte Bardot, pude ver as façanhas da conquista do Oeste, as rotas dos escravos desde o século XV, os grandes filmes do AMESTAD e Kunta Kinté, O Ultimo Comboio para Katanga, também Tarzan ou cantiflas de Mário Moreno e outros. Conheci também Ronald Reagan que de um simples artista Cow- Boy do Oeste, passou à ser um dos melhores e mais mediáticos presidentes dos EUA, ou então Arnold Schwarzenegger que, de Robot Cop elevou-se para o cargo de um dos mais bem sucedidos governadores da Califórnia.  E  porque não vocês também?
 


Jovens Angolanos, minhas senhoras, meus senhores!
Amantes da cultura, do cinema e da ciência.

 


Através dos vossos filmes, mesmo amadores, projectem Angola de amanhã. Não reduzam as vossas imaginações nas cenas obscenas, nas músicas do folclore incipiente embora ritmado, nem em cenários cuja moral se confina ao musseke, ao kimbombo e as macaquices que pintam o ridículo do homem africano. Ousem muito mais, exijam muito mais de vossas capacidades para engrandecer Angola. Se não tiverdes mercado aqui, e se estiveres seguros que vosso produto é de qualidade, saltem as fronteiras, batam as portas de outros com insistência, defendam as vossas teses e comercializem as vossas realizações.
 


Os bons filmes são aqueles que provocam reacções, aqueles que incitam à transformações sociais. Por exemplo, temos uma missão a cumprir no nosso tempo: impedir que o nosso país se torne numa lixeira do mundo, ao mesmo tempo que contribui para a protecção ambiental. E isto também passa por vocês. Portanto, muito nos honraria e nos orgulharia se na grelha das curta ou longa metragens dos filmes em competição, constasse um trabalho sobre ecologia e a prospecção das cidades e vilas do futuro, com as energias renováveis, como almejamos que será Angola.
 
 
 
Mas, “Sejam vocês mesmos intérpretes de vosso sofrimento e actores principais da sua erradicação. Não considerem cobardes quem depois de vocês, se não vocês mesmos na solução de vossos problemas e para a satisfação de vossos próprios desejos”. O mesmo que dizer: “Sejam vocês mesmos, mas não sejam sempre os mesmos”. Sejam sim escravos das vossas ambições e fiéis aos vossos princípios como homens e cidadãos íntegros e livres. Mantenham a vossa dignidade como homens, conservem a vossa personalidade como autóctones e não como itinerantes nesta Angola que é muito mais vossa. Quero dizer: não estejam cegos, surdos e mudos a esta realidade que traduz hoje o virar da página mais dolorosa desta Angola que desde há mais de 500 anos nunca parou de gemer.

 

Convido-vos igualmente a renunciar aos preconceitos africanistas regressivos. Porquê? - Porque, todos os outros povos já foram ou são colonizadores. O africano é o único povo do mundo que não consegue colonizar nenhum outro, mas deixa-se facilmente colonizar, subjugar e humilhar por todos eles. Assim foi ao longo da história, assim é no presente e nada indica que não será no futuro. O africano é o único povo que no campo científico, se fez, nada fez para seu benefício próprio. É por isso que dissemos que a filosofia africanista, sobretudo no seu aproveitamento político, para além de ser retrógrada, é falsa e tirânica.


 
Portanto, sem contrariar o cânone da angolanidade, busquem a evolução científica salvaguardando o essencial positivo como angolanos. Contudo, desembaracem-se dos dogmas negativistas que denigrem o homem africano. Na sua grande maioria, o africano tem uma forma de pensar muito tacanha, o africano é conformista, por isso bajulador, adora aquele que o escraviza, respeita aquele que o maltrata, mas também é muito ambicioso e invejoso. Quando se sobressai, faz da miséria dos outros sua felicidade. O africano acredita muito nos deuses humanos, contenta-se com muito pouco, por isso cada esmola que recebe pensa sempre que é um favor do senhor que tem em frente, não um direito seu. Levem avante vossos projectos porque são nobres, façam o uso devido de vossas potencialidades físicas e anímicas e deixem de utilizar a interjeição “graças”.

 

Como disse atrás, nós só devemos favores a Angola pois tudo o que circula nela é dádiva de Deus para os angolanos e não pertença de homem algum, nem do passado, tão pouco do presente. Logo, os apoios para realizações de dimensão nacional e colectiva devem ser uma obrigação das instituições estatais, claro, com a observância dos ditames aprovados pelos diplomas vigentes. Mesmo como angolanos, é preciso acabar com o espírito de subserviência que amordaça as massas africanas que fazem do sofrimento apenas uma segunda natureza depois da subsistência, que parece perpétua. Encontrem argumentos para encetarem esta revolução, aquilo que também podemos considerar a revolução das mentalidades.
 
 

Mulheres e Homens do Futuro


 
Abracem a ciência, virem-se totalmente para o futuro, busquem exemplos de outros povos que não os africanistas; libertem-se do obscurantismo, amem-se e ajudem-se uns aos outros. Só assim Deus vos vai ajudar.

 

Verdade seja dita! Infelizmente a Africa tem muito poucos conselhos à nos dar no que toca a estabilidade política, ao desenvolvimento científico e ao progresso socio-económico. Se pretendemos de facto progredir, temos de ter a coragem intelectual suficiente para apontar o dedo acusador.


Eu insisto e assino: livrem-se do estatuto africanista, aliem-se ao de povos livres e progressistas como outros que fizeram da ficção científica e da “Guerra das Estrelas”, uma realidade e do surrealismo as sociedades admiráveis que formam a constelação do Ocidente, que todos nós lutamos em conhecer e lá viver. É preciso construir aqui em Angola uma sociedade onde as pessoas venham a valer pelo seu talento e sejam remuneradas em função de seus esforços e produtividade. As sociedades civilizadas avançaram e se consolidam assim, independentemente de tudo e não dependentes de favores por humilhação na conquista de seus direitos como cidadãos. Somos livres, então deixem-nos desfrutar desta suposta liberdade como outros povos que afastaram as questiúnculas políticas para os infernos do passado. Se cada um de nós dispensasse um minuto a analisar em profundeza a ciência de governação no nosso país, não só teria se assustado, como teria se empenhado muito mais. O presente apela a cuidados especiais.

 

 

Para terminar, também vale aqui citar o presidente americano Barack Obama que na pele de africano e dirigindo-se aos líderes e povos africanos dizia: “ Cada nação dá vida a democracia de uma forma específica e de acordo com as suas tradições. Mas a história oferece-nos um veredicto claro: os governos que respeitam a vontade do seu povo, que governam pelo consentimento e não pela coerção, são mais prósperos, mais estáveis e mais bem sucedidos do que os governos que não o fazem.
        


Trata-se de algo que vai para além da simples realização de eleições – tem a ver com o que se passa no período entre eleições. A repressão pode manifestar-se de diversas formas e em demasiadas nações, mesmo aquelas que realizam eleições, são afligidas por problemas que condenam os seus povos à pobreza. Nenhum país cria riqueza se os seus líderes exploram a economia para se enriquecerem a si próprios ou se a sua polícia é passível de ser comprada… Ninguém deseja viver numa sociedade em que o Estado de direito é preterido a favor da brutalidade e do suborno. Isso não é democracia, isso é tirania, mesmo se de vez em quando se realiza uma ou outra eleição. Chegou o momento de pôr cobro a este tipo de governação. No século XXI a chave do sucesso são as instituições competentes, fiáveis e transparentes – parlamentos fortes e forças policiais honestas; juízes e jornalistas independentes; uma imprensa independente; um energético sector privado; uma sociedade civil. São estes factores que dão vida a democracia porque são eles que têm importância na vida diária das pessoas”. Acabei de citar.
 


Caros concidadãos!
 


É esta a verdadeira visão do futuro, é o mínimo que se exige de todos nós, de todos vocês. Virem-se para o futuro, mas não se esqueçam do passado. Analisem o presente com os instrumentos da ciência e para um futuro melhor, mais radiante, mais justo e mais harmonioso.
 
Boa sorte para os concorrentes. Para os demais presentes, que tiremos daqui elações positivas para o futuro.


         Com o agradecimento pelo empenho de todos,

Tenho dito e obrigado