Lisboa - David Pilling, jornalista do Financial Times, publicou uma peça exaustiva sobre Angola neste jornal, no passado dia 9 de Julho de 2019. O seu título é “África: pode João Lourenço curar Angola do seu capitalismo de compadrio?” Como sub-título afirmava “A promessa do Presidente para remover a corrupção do Estado rico em petróleo está a ser escrutinada”.

* Paulo Alves
Fonte: Club-k.net

O artigo está bem escrito, escorreito e com abundante informação. Faz uma síntese do que tem sido a vida angolana dos últimos decénios: morgues em que as pessoas lavam os cadáveres dos seus familiares, arranha-céus para uma elite rarefeita, corrupção e roubalheira generalizada. Um crescimento económico e uma riqueza que apenas beneficiaram uma muito pequena elite, ligada ao Presidente José Eduardo dos Santos, família e compadres (já sabemos os principais: Vicente, Kopelipa e Dino).


Depois desta síntese, o jornalista britânico, detalha a política anti-corrupção que está a ser levada a cabo por João Lourenço, nomeando os principais aspectos: a prisão de José Filomeno dos Santos e a exoneração de Isabel dos Santos. Realça, também, as debilidades económicas que o país continua a ter e o papel de auxílio a João Lourenço que o FMI (Fundo Monetário Internacional) desempenha presentemente.


A questão essencial que David Pilling levanta e não responde, embora aponte vários caminhos e coloque algumas personalidades a traçar alguns deles, é acerca da motivação e eficácia da política anti-corrupção de João Lourenço.


Antes de vermos as várias hipóteses que o artigo coloca em relação à política do Presidente da República, é bom assinalar a importância que a publicação no Financial Times, de um artigo desta dimensão, tem. O Financial Times é o jornal lido pelos principais decisores políticos e económicos de todo o mundo. Pode determinar fortunas e ruínas. Não é por acaso que foi o jornal escolhido muito recentemente por Vladimir Putin para anunciar o fim do liberalismo. Quer isto dizer que cada palavra ali escrita tem influência na imagem que se vai ter de Angola.


Simultaneamente, a publicação do artigo é um sinal do interesse que as elites mundiais, sobretudo anglófonas, voltaram a ter em Angola. Angola é uma potência emergente em África, especialmente, quando a Nigéria parece sofrer de tantos problemas: terrorismo, corrupção, má-governação, etc.


A Grã-Bretanha do Brexit precisa de Angola. O príncipe Harry vai visitar o país no Outono. Angola já é o terceiro maior exportador da África Sub-Sahariana para a Índia, quando em 2005, quase não tinha relações económicas com o sub-continente. Isto quer dizer que o Financial Times é importante para Angola, mas também Angola é cada vez mais importante para os leitores do Financial Times.


E este é talvez o aspecto mais importante do artigo: a importância renovada de Angola e o facto de o mundo ter voltado a olhar para o país.


Sobre as opiniões dadas ao jornalista britânico, o curioso é que aquele que mais destaque mereceu foi Rafael Marques, que cada vez mais surge como a voz da Angola contemporânea, livre e progressista, resumindo as aspirações do povo. As opiniões de Rafael são conhecidas. Um apoio às políticas enunciadas pelo Presidente da República, mas uma ênfase no imperativo de tais anúncios corresponderem a medidas efectivas e à necessidade de haver uma estratégia e uma equipa para aplicar a política. Tal não está a acontecer, parecendo que se vive demasiado do improviso e com o apoio dos antigos colaboradores de Dos Santos, o que, a continuar assim, terminará mal, apesar das boas intenções.


O ministro dos Transportes Viegas de Abreu também opinou, surgindo como arauto do combate á corrupção. Este é o ministro que criou o imbróglio ainda mal explicado da Boeing para o Presidente da República. Era interessante ver qual seria o seu discurso se a entrevista tivesse sido feita em 2016…


Também, é ouvido o conhecido Professor de Oxford, Ricardo Soares de Oliveira, que surpreende pelo cepticismo, afirmando que João Lourenço está a perseguir mais uma vingança (vendetta) do que uma limpeza sistemática, embora admita que possa mudar de visão no futuro.


Na verdade, ninguém sabe o destino de João Lourenço e da sua luta contra a corrupção. As intenções enunciadas são positivas. A equipa que o rodeia tem demasiados elementos nefastos e incompetentes, a implementação tem sido feita aos ziguezagues com muitos erros, como o “acordo que não foi acordo” com Jean-Claude Bastos de Morais, e o FMI pode conceder uma almofada, mas não vai resolver nada.


E se o primeiro grande significado da notícia do Financial Times era a colocação no mapa mundial de Angola, o segundo grande significado é precisamente a incógnita que ainda é João Lourenço. Para onde corre João Lourenço?