Luanda - Nós, os Cidadãos signatários deste Manifesto, queremos um combate à corrupção e à impunidade sério, justo, transparente, imparcial e sem prevaricadores protegidos pelo regime que diz querer combater essa mesma corrupção e impunidade demostrando, no entanto, uma grande incoerência e uma fragilidade no modo de agir.

Fonte: Club-k.net

A corrupção foi instalada pelo MPLA, sob o conceito de acumulação primitiva de capital, como uma suposta forma de promover o desenvolvimento de Angola, ao empoderar ao estatuto de empresários alguns poucos cidadãos selecionados por critérios injustos. O patrocinador e executor dessa decisão foi o ex-presidente José Eduardo dos Santos. A prática do enriquecimento de uma elite detentora do poder político foi promovida por um regime político autoritário. O modelo de Deng Xiaoping, baseado num regime autoritário, que combate a corrupção e promove o crescimento económico, não serve para Angola!

 

Contrariamente ao discurso reiterado do presidente João Lourenço onde apela ao combate à corrupção e à impunidade, a corrupção não está a ser combatida de maneira séria e justa. Acontece apenas uma liberalização muito tímida do regime autoritário vigente, que é diferente de democratização.

 

O presidente João Lourenço é um dos beneficiários da política pública de acumulação primitiva de capital do ex-presidente José Eduardo dos Santos. Em relação ao grupo de beneficiários do saque do erário público, o presidente João Lourenço não é diferente e não tem nenhuma autoridade moral. Todavia, esta autoridade moral poderá advir da sua assunção pública de que também beneficiou desse processo criminoso; da consciência do mal causado à sociedade angolana; da acção coerente, séria e justa, no combate à corrupção e à impunidade que passe a concretizar, no quadro das suas responsabilidades na qualidade de titular do poder executivo e líder da maioria parlamentar. O presidente João Lourenço nega que beneficiou da política de acumulação primitiva de capital. Não se vislumbra, pelo menos até ao momento, coerência na sua política de combate à corrupção e à impunidade. Ademais, e mais grave, existem sinais preocupantes de o poder judiciário andar a reboque do poder político, em gritante violação do princípio da separação de poderes.

 

O primeiro sinal negativo aconteceu com a substituição inconstitucional e ilegal dos presidentes do Tribunal Supremo e Tribunal Constitucional, que se revezaram, por via da banalização de concursos públicos. Quanto à nomeação do actual Procurador-Geral da República de Angola, importa saber, com base numa investigação jornalística ou judiciária, se este agente público não será também um dos beneficiários da política criminosa da acumulação primitiva de capital. Os concursos de ingresso e promoção nas magistraturas judiciais e do Ministério Público revelam a continuação de maus e velhos hábitos de controlo político. Restam poucas dúvidas de que a medida acertada será a nomeação de magistrados judiciais e do Ministério Público para o topo da hierarquia dos órgãos judiciários que não tenham sido beneficiários da política criminosa da acumulação primitiva de capital e não tenham ligações com os saqueadores do erário público que ponham em causa a autonomia e seriedade da actuação dessas instâncias judiciárias. Afigura-se urgente a admissão de mais magistrados judiciais e do Ministério Público angolanos isentos e o recurso a experimentados magistrados do Ministério Público de outros países no combate à corrupção, ao abrigo dos acordos de cooperação judiciária que Angola estabeleceu com certos países ou que venham a ser estabelecidos para o efeito.

 

Várias vozes fizeram-se ouvir chamando a atenção para o facto de os órgãos judiciários estarem a violar o princípio da legalidade (um princípio constitucional e legal) que obriga a que as pessoas, à excepção do quadro legal dos crimes amnistiados ou de outras normas que o contemplem, sejam responsabilizadas criminal e/ou civilmente pela apropriação e descaminho ilícitos de activos do Estado. Essa prática ilegal da Procuradoria-Geral da República permitirá que essas mesmas pessoas escapem à responsabilização perante os tribunais e mantenham parte dos activos subtraídos ao Estado ou gerados pelo uso dos activos do Estado. Esta gravíssima violação da legalidade constitui em si uma forma de branqueamento de capitais. Note-se, por exemplo, o que se passou com a empresa Trafigura, cuja formação tem origem criminosa mas que contudo ganhou um concurso público. Facilmente se constatará que, sem os activos provenientes do Estado e o favorecimento ilícito na contratação de bens e serviços a prestar ao próprio Estado, aquela e muitas outras empresas não se teriam tornado lucrativas. Como foram formadas e se desenvolveram a Trafigura, a Unitel, a TV Zimbo, o Kero, o Candando, a Biocom e tantas outras empresas privadas?

 

Tudo indica que o Ministério Público, órgão da Procuradoria-Geral da República, finge não saber que há crimes de corrupção que não foram amnistiados e que as amnistias têm um limite temporal expresso; que os crimes amnistiados não excluem processos civis para a recuperação dos activos do Estado; que há crimes, como o branqueamento de capitais, que se os activos continuarem a ser investidos ou reproduzidos, não se extinguem; que há empresas que só começaram a sê-lo por força dos activos ilicitamente recebidos do Estado e que tudo o que tiver sido gerado por esses mesmos activos deve ser devolvido ao Estado, por ser de lei e de justiça. O Ministério Público finge não saber que todos os agentes do Estado que sejam suspeitos ou sob pedido de abertura de inquérito devem de facto ser investigados e estar sob as mesmas medidas previstas por lei se tiverem praticado os mesmos tipos de crimes.

 

O presidente João Lourenço mantém no executivo e no parlamento um grupo de pessoas sobre as quais não existem dúvidas de serem beneficiárias da corrupção detendo importantes activos, que são públicos e notórios, e que nalguns casos até já foram denunciadas junto da Procuradoria-Geral da República. Acresce o facto de existirem deputados em situação de incompatibilidade, por acumularem funções públicas ou privadas proibidas pela Constituição. Sabe-se que grande parte dos membros de sucessivos conselhos de administração da Sonangol se tornaram ricos e são proprietários de empresas e têm vários tipos de activos. Sabemos também que a Sonangol foi transformada em Banco sem qualquer alteração do seu pacto social e que emprestou (ou deu) avultadas somas de dinheiro a certas e determinadas pessoas. Os devedores do BPC, vários agentes públicos, empresários, e pessoas escolhidas a dedo, continuam intocáveis depois de se terem beneficiado de milhares de milhões de dólares, sem até ao momento terem pago os supostos empréstimos de que beneficiaram, por via do favorecimento ilícito.

 

A apropriação impune de activos do Estado precisa de um regime político autoritário para ser mantida como forma de acumulação primitiva. E por esta razão foi que o ex-presidente José Eduardo dos Santos aprimorou e refinou o regime autoritário, com a Constituição de 2010. O presidente João Lourenço sabe que a Constituição em vigor é autoritária, porque concentra muito poder no órgão Presidente da República, de que ele agora é o titular, sem que a Assembleia Nacional possa fiscalizar a acção do executivo. A afirmação do presidente João Lourenço segundo a qual a Constituição não tinha porque ser mudada e o desafio feito a quem não estivesse satisfeito para que mobilizasse apoios dentro do parlamento para a sua revisão deixou claro que da parte do Titular do Poder Executivo não haveria nenhum esforço nesse sentido e no mínimo suscita uma lídima dúvida sobre as suas credenciais democráticas. Ademais, o Tribunal Constitucional anulou a função essencial de qualquer parlamento democrático, a de fiscalização das acções do executivo. A comunicação social do Estado, controlada político-administrativamente pelo executivo e contrariamente a sua obrigação legal, não trata do problema da corrupção como deve ser e nem tem sido capaz até ao presente momento de fazer uma peça que fosse de jornalismo de investigação no que à corrupção diz respeito. Em consequência dos factos aduzidos, impõe-se uma revisão da Constituição para a compaginar com a Democracia e o Estado de Direito.

 

O presidente João Lourenço e o Procurador-Geral da República Hélder Pitta Grós têm feito discursos que parecem ter como escopo a justificação do abrandamento do combate à corrupção, se é que, em bom rigor, esse combate se tornou em algum momento efectivo. O senhor Presidente da República disse a propósito do repatriamento de capitais que esse processo iria levar muitos anos e parece mais centrado no pequeno grupo que mais saqueou o erário público quando na realidade o grupo de saqueadores do erário público é numeroso e todos devem ter igual tratamento. E o Procurador-Geral da República deixou implícita a ideia que perante 600 processos atinentes à corrupção entretanto abertos, a Procuradoria-Geral da República de Angola não teria meios, quer dizer recursos humanos e materiais, para concluí-los, dito de outro modo, combater a corrupção de maneira efectiva. Parece razoável demandar que a prioridade deve ser dada aos casos em que estejam envolvidos agentes públicos que ocuparam ou ocupam cargos mais elevados começando do topo para a base.

 

Membros da sociedade civil angolana têm reiterado a posição segundo a qual o combate à corrupção e à impunidade deve ocorrer com o mais elevado padrão de respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos arguidos e ao mesmo tempo com elevado padrão de rigor, competência e perícia dos órgãos judiciários.

 

Foram de facto tomadas algumas medidas que podem ser inscritas no combate à corrupção. Todavia, estatisticamente irrelevantes comparativamente aos inúmeros casos de agentes públicos no topo que ostentam riqueza cuja origem não conseguem nem conseguirão justificar e que não estão a ser responsabilizados judicialmente.

 

Segundo informação prestada pela PGR e que é de domínio público, não houveram casos de repatriamento de capitais ao abrigo da Lei sobre Repatriamento de Recursos Financeiros Domiciliados no Exterior do País, na qual estava previsto o sigilo bancário. Assim, os cidadãos que estiverem sujeitos à aplicação da Lei sobre o Repatriamento Coercivo e Perda Alargada de Bens deverão ser responsabilizados judicialmente (criminal e/ou civilmente) sofrendo o normal procedimento, se não estiverem abrangidos pela amnistia, e ao mesmo tempo as autoridades competentes deverão fazer a divulgação das medidas aplicadas e garantir a efectiva recuperação dos activos do Estado.

 

Encorajamos o senhor presidente João Lourenço a reflectir sobre o processo de combate à corrupção e à impunidade em curso. Desde logo, a ter a coragem de assumir publicamente que é um dos beneficiários da política de acumulação primitiva de capital e a apresentar publicamente a sua declaração de bens, embora não esteja legalmente obrigado a fazê-lo, sem que tal facto o induza a esmorecer ou a diminuir-se perante os seus adversários na luta contra a corrupção. Que o relevante é que tenha um arrependimento sincero e que ponha Angola acima dos interesses pessoais e partidários. Que corrija rapidamente os erros, entretanto, cometidos no processo em curso. Que viabilize a revisão da Constituição e que se proponha de facto liderar o processo de democratização de Angola do qual o combate à corrupção e à impunidade são apenas dois elementos constitutivos. Urge a institucionalização séria das autarquias locais, tendo como parâmetro o interesse nacional.

 

Angola é a nossa Nação e queremos vê-la forte e próspera, dando seus frutos a seus filhos facultando-lhes as mesmas oportunidades. Ver nosso País transformar-se num bom lugar para se constituir família e educar nossos filhos com sistemas de saúde e de educação invejáveis é possível dada a quantidade de riqueza que possuímos. Angola é um País onde é possível que todos sejamos felizes. Basta fazer acontecer.

Assinam,
Alberto Katchimano
Albino Elavoko Capingala
António Feliciano Pongoti
Arante Kivuvo
Italiano Lopes Avisto Mbota
Benedito Dalí
Carlos Sousa
Edson Vieira Dias Neto Fernando Macedo
Helena Victória Pereira Hermógenes Tenete
Jacinto Pio Wakussanga
João Malavindele
José Mbundo Lelo Chiciaia Laura Macedo
Leonardo Ngola
Livulo Katchikumi Prata Martinho Prio
Mateus Cavalo
Muata Sebastião
Rui Manuel Galhardo da Silva
Sabalo Salvador
Silvano Kapanguela