Lisboa - Luís Araújo, coordenador da SOS Habitat, denunciou um plano para o eliminar. Refugiado em Portugal, falou ao CM da sua luta contra os abusos de Eduardo dos Santos.

 

Fonte: CM 

Angola é vista como uma árvore das patacas 

Correio da Manhã – É crítico mordaz do poder em Angola e isso valeu-lhe uma ameaça de morte. Mas não acusa o governo. Porquê?


Luís Araújo – Não posso. Um guarda da SOS contou-me tudo. Foi abordado por um homem que disse ser polícia. Pediu-lhe para o informar dos meus movimentos e explicou-lhe que tinha de ser morto por causa do que faço. Outros foram ameaçados, mas não é conhecido outro caso de um plano concreto de homicídio. Se é o governo? Repare, quem tem razões para me querer calar?


– E fugiu para Portugal...


– Escapei quando notei uma perseguição constante. Mas vou voltar dentro de alguns dias. Espero que respeitem a minha vida. Não sou uma ameaça à vida de ninguém. Sempre protestei de forma pacífica para defender os que são tratados como moscas...


– Angola alega que se limita a demolir bairros ilegais...


– Sim, mas isso tem de obedecer a regras. As pessoas têm de ser notificadas e realojadas, e tem de se lhes dar o direito à posse do que é seu. Mas é mais barato esquecer os tribunais e arrasar tudo. Diminui-se o preço das terras para construir bairros novos, centros comerciais. E para isso pessoas são espancadas, violadas, ficam ao relento... Porque o que está em causa, desde o fim da guerra, é a cobiça de riqueza, de imóveis.


– O governo acusa a SOS de ser um instrumento da oposição e de sublevar as populações.


– Mentiras. Somos apartidários. Lutamos pelos direitos das pessoas. Mas, a título pessoal, os membros da SOS têm direito a simpatias e opiniões. E a política não é uma sarna!


– Quando chegou procurou apoio das autoridades portuguesas?


– Não, já me cansei disso. Sempre que fiz denúncias fui ignorado.



CM – Tem apoio de ONG internacionais mas acusa os governos de pactuar com Eduardo dos Santos.


Luís Araújo – Os governos da UE, sobretudo, que se arvoram em campeões dos direitos humanos, são cúmplices. E têm até uma parceria com Angola, à luz do acordo de Cotonou [2000], que exigia que actuassem em caso de violações dos direitos humanos.

 

– E Portugal?

 

– É o mais cúmplice. Durante a presidência portuguesa da UE escrevi uma carta de denúncia. Nem teve resposta. Portugal volta a olhar para Angola não como uma terra de seres humanos mas como uma árvore das patacas! Quando os angolanos investem cá ninguém quer saber se é dinheiro manchado de sangue.

 

– Um dos grandes investidores de hoje em Angola é a China. Será por isso que a UE faz cedências?

 

– Quem diz que Angola se virou para a China por não exigir direitos humanos está a atirar poeira para os olhos dos outros. É certo que a China não levanta essas questões, mas há muito que a UE também não.

 

PERFIL

 

Luís Araújo nasceu em Luanda (1953) filho de uma portuguesa e de um cabo-verdiano. Foi preso em 1978 e exilou-se em Cabo Verde (1980-91). É coordenador da associação SOS Habitat, fundada em 2003 com o financiamento da ONU.