Lisboa - Jornalista, socióloga e activista, Luzia Moniz é um dos nomes sonantes da diaspóra angolana em portugal, onde reside há algum tempo, destacando-se em várias acções de realce com a plataforma para o desenvolvimento da Mulher Africana (pAdEMA). durante largos anos entregou-se de corpo e alma ao jornalismo, através da Agência Angola press (Angop), como correspondente em território luso e também em Maputo, Moçambique. Na política foi um dos rostos do MpLA, o partido no poder, também nas terras de Camões, tendo-se afastado devido a supostas intrigas urdidas no seio desta agremiação política lá mesmo na antiga metrópole. por isso, é sobre política, associativo e jornalismo que opAíS conversa com Luzia Moniz. E, claro, não ficou de fora o associativismo e, sobretudo, as mulheres e a situação dos emigrantes em portugal

*Dani Costa
Fonte: OPAIS

O que faz por estes dias uma socióloga, jornalista e antiga correspondente da ANGOP em Lisboa, Portugal, depois de ter dirigido a delegação neste país, passado pela Divisão África e também por Maputo como correspondente?
Faço parte da Diáspora africana, angolana, sou activista politícocultural, estou à frente da PADEMA – Plataforma para o Desenvolvimento da Mulher Africana e continuo a fazer jornalismo. Estou com a Milonga no Buétnico, um jornal sobre Migração criado por nós.


Quais são as razões que a levaram a desvincular-se da agência? Não sente saudade de casa?
Não foi desvinculação. Foi mais um fim de missão. De etapa. É um capítulo, uma etapa que se fechou na minha vida. E muito bem fechada. Teria algumas dificuldades em me rever no que a ANGOP se tornou, numa estrutura pesada e burocratizada, reflexo do país.


Saudades?
Sim, dos meus “compagnons de route” que grande parte já não estão lá.


Depois de ter exercido as funções de segunda secretária e também secretária para a Informação do MPLA em Portugal, o que se passou para abandonar esta formação política?
Isso é uma longa história. Saí porque me recuso a pactuar com a estupidificação das pessoas pela mediocrização das instituições. O MPLA foi fundado por intelectuais que passaram todos por Portugal. Mas, ironicamente, o MPLA em Portugal não tem intelectuais no seu seio. Como aqui não respirámos o “oxigénio da Paz”, os intelectuais da Diáspora não estão disponíveis para “mise en scene” e simulacros de democracia, nem aceitam a mordaça como método de disciplina política. Bati com a porta quando percebi que era a cabeça de cartaz da perseguição do então embaixador e seu adjunto (o adido de imprensa) e que não tinha espaço para continuar a pensar, a ser livre.


Um embaixador que se dava ao trabalho de fazer as actas do seu CAP em Lisboa. Por outro lado, a ideia – talvez romântica – que tenho de um partido político é a de um espaço onde a política, o debate político está no centro. No MPLA não há isso. Reparem: o presidente do partido decretou que Ilídio Machado foi fundador e seu primeiro presidente e não vejo ninguém no MPLA, nem os historiadores, questionarem isso.


Em Portugal, uns são militantes porque precisam de apoio financeiro para as associações a que pertencem, ou querem preservar os empregos na embaixada e nos consulados, outros porque querem conquistar um lugar nessas instituições do Estado angolano e outros ainda porque querem manter ou chegar ao Comité Central e dai alcançar outros patamares, outros lugares a nível da Administração Central do Estado. Tudo o que não me interessa. Não há ideais, nem convicções, muito menos projectos políticos. Há muita confusão ideológica, cimentada pelo poder. O MPLA transformou-se numa aglomeração nepótica oligárquica. Hoje, sinto que estou mais à esquerda do que o MPLA.


Em 2013, se a memória não me atraiçoa era apontada como sendo uma das conselheiras de Isaías Samakuva, depois de uma visita do ainda líder da UNITA a Portugal. Chegou a ocupar esta função?
Esta foi uma das muitas inventonas do então adido de imprensa. Umas semanas antes de terem montado essa monstruosa falsidade eu publiquei um artigo no Club K, assinado obviamente, porque a cobardia não faz morada em mim, em que denunciava alguns comportamentos incorrectos da Embaixada e do Consulado em Lisboa, a quem tinha solicitado apoio para a realização de uma quinzena cultural africana, com destaque para a literatura angolana, na Escola Americana de Lisboa. Escrevi e responderam-me com um tumular silêncio, ao mesmo tempo que decidiram dar apoio a um projecto de amigos meus cabo-verdianos para a realização de uma actividade de divulgação da morna, alusiva ao Dia de África, numa instituição de ensino superior em Lisboa.


Em resposta ao meu artigo e para justificaram o não apoio a um projecto de promoção da cultura angolana brindaram-me com essa inventona, porque naquelas cabeças mono, de verdadeiros oportunistas, ser da UNITA ou ter ligações aos partidos da Oposição angolana é um crime de lesa-pátria. Não conheço Samakuva. Nunca o vi nem mais gordo, nem mais magro, fora dos écrans. Não seria assessora de Samakuva em circunstância alguma. Porque só aceito fazer política por convicção. Nas minhas convicções políticas, a UNITA não está presente.


A UNITA vive hoje um momento de incerteza, segundo alguns opositores de Isaías Samakuva, por causa da indefi nição em relação a um novo mandato ou não. O que aconselharia ao substituto de Jonas Savimbi neste momento, se fosse consultada? 
Sou das pessoas que acham que em política não pode valer tudo. Não costumo acreditar em “Dons Sebastiões” salvadores da pátria, homens previdenciais e coisas do género. Não aceito que em democracia haja insubstituíveis ou intocáveis. Os políticos devem bater-se por ideais, por projectos, por objectivos, e não por lugares tout court. Se não são capazes de os atingir devem colocar os lugares à disposição. Só assim se cria a cultura da responsabilização política individual. Por isso, diria a Samakuva que tentasse encontrar alguém na UNITA capaz de transformála de partido de protesto a partido de poder. Que conseguisse priorizar os problemas do país, das pessoas, em detrimento das questões da própria formação política.


Que percebesse que protestar contra o assassinato das Julianas Kafriques ou dos Rufi nos é mais importante que reclamar os votos, que compreendesse, como me diz o meu amigo Domingos Simões Pereira, que construir a democracia é mais importante que realizar eleições. E que não se constrói democracia sem liberdade, sem igualdade. Que a essência da democracia não são as eleições, mas sim as liberdades e as igualdades.


“Quanto mais perto do poder está um partido, mais longe na lista de candidatos surge o nome da primeira mulher para o círculo nacional”. É uma afirmação que fez há algum tempo. Mantém-se actual?
Sim, mantém-se. Fiz essa afirmação numa entrevista que dei ao semanário português Expresso, na sequência de uma análise sociológica sobre o lugar das mulheres nas listas dos partidos políticos candidatos às eleições de 2017 que apresentei numa Conferência em Lisboa sobre o processo eleitoral em Angola e a construção da democracia. Ao analisar as listas e os programas dos partidos angolanos concorrentes às eleições de 2017, conclui isso porque na lista do MPLA (partido no poder) a primeira mulher aparecia em quinto lugar, na UNITA (primeiro partido da Oposição) estava em quarto e na CASA-CE (terceira força política da AN) em terceiro. Para além disso, os programas eleitorais destes partidos, em matéria de igualdade de género apresentam soluções de autêntico retrocesso civilizacional, como, por exemplo, ter como referência as igrejas para alcançar tal desiderato.


Nessas listas, as mulheres ocupavam uma grande percentagem de lugares não elegíveis ou eram suplentes. Por exemplo, na lista do MPLA para o Círculo Nacional entre os candidatos a efectivos tinha 33 por cento de mulheres e para suplentes 41, na UNITA a relação era 29/35 e na casa 32/29. Isso explica o retrocesso que temos de representatividade do género que no nosso Parlamento passou dos mais de 38% de mulheres na legislatura anterior para os actuais 27%, não atingindo sequer os mínimos defenidos pela SADC, 30 por cento de mulheres em todos os órgãos de tomada de decisão.


Isto é muito preocupante, num momento em que a agenda 2030 da ONU defi ne a paridade como objectivo a alcançar e que temos outros países africanos que caminham nesse sentido, com destaque para o Rwanda, campeão mundial, com 68 por cento de mulheres no Parlamento, Namíbia com 46, África do Sul e Senegal com 42 por cento, ou ainda Moçambique com 40 por cento e a Guiné Bissau com um Governo paritário. O mesmo número de ministras e ministros. Gostaria de ver Angola nesse pelotão da frente.


Qual tem sido o lugar das mulheres na política em Angola?
Grosso modo ainda é um lugar de subalternidade. Faltam mulheres em pastas estruturantes da governação e da sociedade. Porquê que as três principais figuras políticas do país são homens? Porquê que não temos, nunca tivemos uma mulher à frente de um órgão estruturante do regime como Tribunais, Comissão Nacional Eleitoral ou Procuradoria Geral da República? Porquê que não há preocupação com o equilíbrio de género.


O combate pela igualdade de género não está bem direcionado quando as mulheres que estão nos órgãos políticos estão mais preocupadas em defender, repetir o discurso político dos seus líderes partidários (homens) do que afirmar a necessidade, por exemplo, de estabelecerem quotas como forma de discriminação positiva e de se reparar uma injustiça.

E não me falem em ascensão política das mulheres pelo mérito, porque aos homens ninguém pede mérito. E não vejo mérito nenhum. Onde está o mérito de homens que deixaram dois milhões de crianças fora do sistema de ensino, outorgando-lhes automaticamente o passaporte de acesso à universidade da criminalidade, da exclusão e da miséria? Ou onde está o mérito de homens que transformam um país com imensos recursos num dos piores Estados do mundo para uma criança nascer? Se isso é mérito, por favor, deemme o demérito das Mulheres.


Luísa Damião, sua antiga companheira de tarimba na ANGOP, é hoje a vice-presidente do MPLA. Estaremos mais próximo do dia em que teremos uma mulher na presidência do país, depois de termos Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos e agora João Lourenço?
Conheço bem a Luísa, é uma batalhadora, empenhada e dedicada àquilo que faz. Com a actual Constituição da República não estamos mais próximos de ter uma mulher na presidência do país. Estamos mais longe do que antes de Fevereiro de 2010. Os partidos políticos angolanos estão muito masculinizados. Tal como os conhecemos, não acredito que esses partidos, onde os homens dominam tudo, decidem tudo, até quando e como colocar uma mulher na vice-presidência, indiquem para cabeça lista alguém que não seja um deles. Quando a sociedade, no seu todo, olhar para os Direitos das Mulheres como Direitos Humanos, o panorama muda. Esse é um combate de todos. Desmond Tutu diz que “perante uma injustiça, a neutralidade favorece o opressor”. Por isso, não pode haver neutros neste combate.


As mulheres em Angola têm mais destaque nos partidos da Oposição ou no seio do partido da situação?
São menos invisibilizadas no partido no poder, pela simples razão de pertencerem ao partido que tem grandes vantagens nos media. A comunicação social nacional, sobretudo a pública, dá destaque desproporcional ao partido no poder. Uma mulher de um partido da Oposição tem o dobro ou triplo dos trabalhos para tornar visível, em termos mediaticos nacionais, a sua acção.


Continua a identificar-se como uma Winnie-mandelista? Porquê?
Sou de esquerda, feminista e panafricanista convicta. E Winnie Mandela, feminista, uma das fundadoras da Organização Pan-africana das Mulheres (OPM) era uma intrépida lutadora pelas liberdades, combatente anti-apartheid e contra todas as formas de dominação. Activista dos 19 aos 81 anos. Sou Winnie-mandelista. Sou Deolindista, de Deolinda Rodrigues, uma das maiores referências da Luta do povo angolano contra a dominação. Winnie e Deolinda, duas grandes africanistas.


Trocou Angola por Portugal. As razões foram muito fortes?
Não troquei uma coisa por outra. Nem é possível essa troca. NKwame Nkrumah disse: “Sou africano, não por ter nascido em África, mas, sobretudo, porque a África nasceu dentro de mim”. Revejo-me completamente nesta afi rmação. Estou em Portugal porque as circunstâncias assim o ditaram. Primeiro por razões académicas e depois por familiares.


Já está devidamente inserida na sociedade portuguesa, ou ainda se sente uma estrangeira num país alheio?
Sou estrangeira em Portugal, até agora não tenho outra nacionalidade que não seja a angolana, por opção própria, mas sinto-me confortável, gozo de todos os direitos e liberdades em Portugal. Menos votar ou ser eleita para cargos políticos, naturalmente. Mas há muito mais vida para lá da política partidária. Estar numa organização de e por mulheres da Diáspora africana é uma forma de fazer política. E que política!!!


O que é ser negro em Portugal?
É pertencer a uma parte da população portuguesa invisibilizada, discriminada, num país estrutural e institucionalmente racista, onde essas questões não são tabu e onde cresce exponencialmente a tomada de consciência por parte dos negros em relação aos seus direitos de cidadania e onde esse movimento de africanos e afrodescendentes pelo seu real lugar na sociedade é imparável.


Portugal continua a realçar apenas os aspectos negativos das ex-colónias ou houve uma mudança substancial?
Em Portugal há uma imprensa que, em matéria de relação com novos estados africanos, reflete, grosso modo, os interesses do próprio Estado. A mesma imprensa que endeusou Isabel dos Santos é a mesma que hoje leva João Lourenço ao colo.


Qual é a imagem que se tem de Angola, dos angolanos e dos seus dirigentes? O que pensa a elite portuguesa?
A imagem de Angola no mundo em geral não é positiva. Tenho viajado e contactado políticos, académicos e activistas e o que oiço não é nada animador. E Portugal não foge à regra. O discurso público português depende do maior ou menor interesse, geralmente económicofinanceiro.


As visitas de Marcelo Rebelo de Sousa a Angola e de João Lourenço a Portugal possibilitaram mesmo o início de um novo ciclo nas relações entre os dois países?
As visitas de Estado e seus rituais fazem parte do folclore político. O importante nisso é substância, o que está por detrás das cortinas, das negociações, dos projectos. Há uma certa euforia à volta disso. Normalmente, a euforia é efémera. Não acredito em relações sustentáveis apenas porque A visitou B e vice-versa. Acho que é necessário muito mais do que isso. Sobretudo o estabelecimento de relações de igual para igual, com vantagens recíprocas. Parece que ainda estamos longe.


Dirige há algum tempo a Plataforma de Desenvolvimento da Mulher Africana (PADEMA). Quais são as acções e os efeitos visíveis do trabalho que têm desenvolvido?

A PADEMA tem a sua acção centrada no empoderamento da Mulher da Diáspora africana, os seus valores culturais e identitários, a igualdade de género e de oportunidades. As nossas acções dentro e fora de Portugal são imensas, sempre com o objectivo de dar voz às Mulheres da Diáspora africana, retirá-las da invisibilidade a que estão votadas, da periferia, e trazê-las para o palco central da sociedade moderna. Por isso mesmo, a PADEMA é membro fundador da Rede Parlamentar do Conselho da Europa para as Políticas das Diásporas e da Rede da Sociedade Civil para a Década Internacional da ONU para os Afrodescendentes.


Denunciamos internamente, na Europa e no Mundo a discriminação interseccional de que ainda são vítimas as Mulheres da Diáspora Africana, mostramos as nossas culturas e o nosso património histórico- cultural, bem como o papel das mulheres africanas e afrodescendentes no mundo, entre imensas coisas que todos os dias fazemos dentro e fora de Portugal. Criamos, por exemplo, uma exposição itinerante biográfica e documental sobre três heroínas africanas da luta de libertação contra o colonialismo português: Deolinda Rodrigues, de Angola, Titina Silá, da Guiné Bissau, e Josina Machel, de Moçambique, com o objectivo de dizer ao Mundo que a nossa luta também foi feita no feminino.


Inaugurada em Lisboa, essa exposição já esteve no Rio de Janeiro e proximamente estará em patente na Guiné Bissau. Como a solidariedade como elemento estruturante das culturas africanas está também em nós, juntamos muito recentemente, em Lisboa, sete embaixadores de África, Europa, Ásia e Oceania para pintar uma tela em solidariedade com as vítimas moçambicanas de ciclones, por exemplo Há uma nova vaga de jovens angolanos a emigrar para outros países.

Qual a incidência em Portugal e o que tem escutado destes novos emigrantes sobre Angola e as razões do abandono do país?
Diferentemente do final da década de 1980 e década de 90, os novos teemigrantes angolanos, que hoje não fogem da guerra, são constituídos por jovens mulheres e homens com preparação académica. São sobretudo emigrantes por razões económicas, em busca de melhores condições de vida para si e famílias. Alguns regressam a Portugal onde já estiveram nos anos 90. Os poderes públicos nacionais deviam analisar seriamente esse problema e encontrar formas de segurar os quadros nacionais e de atrair os da Diáspora.


Sabendo-se que mais de 50 por cento dos emigrantes em Portugal são pobres, o que se pode dizer dos angolanos, sobretudo dos que nos últimos tempos voltaram a eleger este país como o melhor sítio para viverem?
A análise desse tipo de dados é sempre comparando com a realidade local. Ou seja, pobre de Portugal com o cidadão luso da classe média. Quem emigra por razões económicas tem como base de referência a situação do país de origem.


Por isso, emigra preferindo ser pobre para os padrões do país de acolhimento, o que não significa necessariamente a mesma coisa para o país de origem, sabendo que terá escola gratuita e de qualidade para os filhos, acesso aos serviços nacionais de saúde e outros apoios que os sistemas de segurança social na Europa comunitária em geral oferecem em caso de pobreza, sobretudo às famílias com crianças.


A pobreza entre os imigrantes é uma realidade grave não escamoteada em Portugal que associações de imigrantes têm denunciado junto das autoridades, das quais exigem medidas para solucionar o problema. Muitos angolanos, depois de algum tempo no exterior, manifestam sempre o desejo de regressar ao país que os viu nascer. Pensa da mesma forma? Naturalmente. Apesar disso, acredito que a Diáspora tem um papel central na construção de um país moderno. Saí de Angola, mas Angola não saiu de mim.