Luanda - “Na Senda dos Elefantes” é o título de um filme norte-americano de 1954 que conquistou relativo sucesso internacional. Num canal de televisão que faz passar grandes êxitos do cinema mundial de todos os tempos, tive oportunidade de o rever, um dia destes.

Fonte: JA

O principal protagonista masculino, o falecido actor inglês Peter Finch, estava no auge da carreira, apesar de ser ainda um desconhecido em Holywood. O feminino, a também britânica e igualmente falecida Elisabeth Taylor, apresentava-se no esplendor da sua intrigante beleza, aos 22 anos de idade. A personagem que representou, viria a desencadear tremenda paixão no coração do administrador de uma imensa propriedade, papel que esteve a cargo do americano Dana Andrews, de igual modo e naturalmente, já ido desta vida.

 

As cenas finais do filme são espectaculares. A irritação de uma manada de elefantes loucos e enfurecidos pela falta de água na magnífica plantação de chá sedeada no antigo Ceilão, levou à destruição de tudo o que lhes aparecia pela frente, incluindo grande parte da fabulosa mansão patronal, na sua passagem descontrolada e assustadora. Para além das magníficas interpretações dos artistas, as cenas vistas em ritmo emocionante, mostram e perpetuam o quanto, já naquela época, tanto a imagem como o som, eram tratados na sétima arte. Muita qualidade e fantástica fotografia a cores, de que resultaria vasta matéria para críticos e estudiosos, e gáudio para os bons cinéfilos da época.


Revisitar esta relíquia do cinema mundial, coincidiu com notícias que recentemente circularam entre nós, e segundo as quais, em duas províncias de Angola, tinham surgido elefantes enfurecidos a devastar terra e plantações. Inevitavelmente, lembrei-me do filme realizado por William Dieterle, um cidadão alemão que caíu em desgraça por constar da lista negra do MaCarthismo, corrente de pensamento anticomunista dos anos cinquenta do século passado nos Estados Unidos da América. Uma espécie de movimento que perseguia gente conotada com políticas de esquerda, provocando flagrantes violações a direitos constitucionais. Lembrei-me dos elefantes, das paisagens da terra que é agora Sri Lanka, do verde da selva asiática, da água abundante, da luxuosa mansão, da numerosa criadagem liderada pelo soturno Appuhamy, do administrador Dick Carver e da sua paixão pela patroa, da epidemia de cólera que atacou os trabalhadores, das bebedeiras de fim de semana dos ingleses, e da teimosia do patrão John Wiley, a personagem interpretada por Finch, sempre em evidência ao longo da trama. O jovem patrão milionário, cujas atitudes ancoravam na força e no poder do dinheiro, não ouvia conselhos de ninguém, nem mesmo do esquisito, fiel e infeliz Appuhamy, o mordomo que acabou morto, vítima dos excessos e da braveza dos elefantes. Foi fácil ligar estes pormenores cinematográficos a paisagens e ao ambiente angolano, a factos que ocorrem entre nós, e a personagens com quem lidamos no nosso dia-a-dia. Está claro que descartei a loucura dos elefantes, embora tenha admitido que algumas atitudes de homens nossos observadas hoje, se assemelham às dos paquidermes, no que respeita aos aspectos loucos e maléficos das suas acções inconscientes. Envolvido por um emaranhado de sentimentos, recordei, inclusivamente, trechos de textos lidos, e reflecti sobre a teimosia de certas pessoas, e, concomitantemente, sobre a falta de atenção que se dá às ideias dos outros.


Diz quem estuda e escreve sobre a matéria, que “escutar os outros com atenção, significa manter-nos atentos ao que as pessoas comentam, sem estar apenas a esperar que parem de falar para que possamos dar a nossa opinião”. Não é difícil perceber-se o outro, colocar-se no seu lugar, procurando entender de verdade o que o parceiro diz e está sentindo ou porque pensa de determinada maneira sobre uma certa questão. Na verdade, se a maioria das pessoas percebesse o quanto poderia aprender e lucrar se prestasse atenção ao que os outros dizem, talvez houvesse uma mudança de atitude de muita gente em todo o mundo, inclusive daquelas que têm a responsabilidade de conduzir e decidir sobre a vida de milhões de seres humanos. Se houvesse na nossa terra o hábito de se ouvir os outros, de acolher conselhos de sábios e mais velhos – nem todos os mais velhos são sábios, por vezes nem espertos conseguem ser –, este imenso país seria provavelmente um enorme território coberto de plantações agrícolas como as do Ceilão, quiçá, bem melhores que aquelas. De certeza, cultivariam as mais diversas espécies de várias origens. As maravilhas de matas, florestas e cascatas, iguais àquelas que pude admirar em “A Senda dos Elefantes”, estariam mais próximas dos olhos dos cidadãos. Seria, sem dúvida, terra onde se aproveitariam melhor os frutos e as hortícolas, e se cultivariam raridades da nossa flora. Quem sabe se a população não estaria a alimentar-se mais saudavelmente. Com mais frescos, a carne e o peixe incluídos, abolindo muitos dos enlatados que somos obrigados a importar para comer. Talvez não tivéssemos fábricas de automóveis velozes nem de aviões com que se sonham, mas teríamos provavelmente motos e bicicletas que já tivemos. Os comboios e os metropolitanos silvariam por toda Angola, os transportes no geral seriam melhores. E viajaríamos facilmente em excursões; conheceríamos o país e as nossas gentes e saberíamos mais do mundo desconhecido.

 

Os matérias de construção e as ferramentas seriam de fabrico local e, decerto, ajudar-nos-iam a concretizar algumas das nossas mil ideias sobre como fazer coisas. As crianças nasceriam com saúde, os velhos não morreriam tão cedo e tão pobres, a fome e as doenças seriam erradicadas, e a educação, por certo, seria melhorada; as pessoas seriam mais trabalhadoras, sérias e humanas, as famílias mais unidas, os doutores mais mestres não tenho dúvidas. Para isso, bastaria apenas que tivéssemos sido capazes de escutar, de deixar falar os outros, de compartilhar pensamentos. Teríamos sido capazes de manter as estradas, estas teriam duplicado na extensão e estender-se-iam por várias redes e, sabe-se lá, manter-se-iam largos anos após o recebimento no seu casco, da primeira camada de asfalto do pós- independência; as nossas competências e a nossa tolerância seriam outras e a cultura, provavelmente, espalhar-se-ia com outra liberdade pelos mais recônditos sítios do país, seria rebuscada e mostrada ao mundo, na sua plenitude.


Se ao invés de outros vícios que se enraizaram em nós, quantos deles funestos, tivéssemos cultivado o “vício” de escutar os outros sem infringir códigos profissionais ou de hierarquia, se fossem desligados das nossas práticas os costumeiros sinais de emergência que nos ligam a máquinas de pensamento estranhos, e atirássemos para canto as disputas pessoais, se o excesso de virtude comparecesse menos na "glamorização" do físico em detrimento do intelectual, se as sensibilidades primárias e animalescas fossem substituídas por outras de valores elevados, talvez tivéssemos diferente discernimento para avaliar e separar o bom do mau e o bem do mal. Talvez não sofréssemos de paludismo e da febre do dinheiro, talvez deixasse de existir dentro de nós, para nossa felicidade, o maligno espírito dos pequenos homens invejosos que há muito nos persegue e consome a alma.