Luanda - Comemorou-se a 10 DE AGOSTO O DIA AFRICANO DA DESCENTRALIZAÇÃO E DO DESENVOLVIMENTO LOCAL, instituído pela União Africana como o dia em que os povos africanos podem reflectir sobre os aspectos (positivos/negativos) que ocorrem na vida dos povos no quadro do processo de descentralização, governação e desenvolvimento local. Importa referir que esta comemoração africana teve início em 2012, resultante de uma deliberação da XXa Sessão Ordinária do Conselho Executivo e a XVIIIa Sessão Ordinária da Assembleia da União Africana (Cimeira dos Chefes de Estado e de Governos Africanos realizadas em Janeiro de 2012 em Addis - República da Etiópia, orientando os Estados membros a “ajustarem tal comemoração anual” a sua realidade nacional.

Fonte: Club-k.net

Uma hipótese académica assente na análise crítica descritiva

Enquanto acompanhante/estudioso de assuntos africanos sobre de descentralização, governação e desenvolvimento local, permitam-me partilhar algumas reflexões sobre o assunto, isento do rigor, rigor de um artigo científico, mas assente também numa análise descritiva, que tem por base a minha integração ao nível técnico nas Delegações do Estado angolano nos fóruns regionais e não só sobre descentralização, governação e desenvolvimento local e que culminou com o trabalho de pesquisa académica por mim elaborado para a conclusão do Curso de Mestrado em Governação e Gestão Pública, sobre a “concertação e integração na Agenda de Descentralização em África. A estratégia de Angola no contributo as políticas públicas de desenvolvimento local 2003-2015”, pela qual tenho manifestado disponibilidade e partilhado em palestras, conferências, seminários, enfim.


Isto implica conceituar em primeiro lugar a descentralização que, sem prejuízo das várias perspectivas (política, económica, jurídica...) dos diversos autores, alinho em a “descentralização ser o sistema em que a função administrativa está confiada não apenas ao Estado, mas também a outras pessoas colectivas territoriais distintas desse mesmo Estado, designadamente as Autarquias Locais”.


Implica também referir que a União Africana acompanha como muita atenção os assuntos das populações locais dos Estados membros, a tal ponto que politicamente corporizou a Agenda Africana da Descentralização, também designada por alguns autores como Arquitectura formal africana sobre descentralização. Esta denominação não se encerra em si propria, pois engloba a abordagem da Descentralização propriamente dita, mas também da Governação Local e do Desenvolvimento Local.
Segundo dados da União Africana indicativamente, a partir do ano 2000 a maioria dos Estados africanos, adoptou a descentralização como politica social no quadro das reformas de Estado. Alguns Estados em respeito aos seus paradigmas de democracia incluíram o poder local a nível da respectiva Constituição. Este pode ser o marco, significando que decorreram até a data 19 anos de descentralização em África.


A actual realidade africana na dimensão local, de vivência dos cidadãos, da sua qualidade de vida e de um desenvolvimento local sustentável, remete-nos a uma triste conclusão enquanto hipótese acadêmica: A descentralização em África está a revelar-se sinónimo de fracasso político dos Estados/Governos africanos. Estudiosos há que no quadro da relação Poder Central e Poder Local, afirmam em hipótese, de a descentralização representar um recurso político e institucional de que os poderes pos-transicionais se apropriam e reivindicam como prova da sua conversão à ordem democrática, sem que, todavia, seja fundamentalmente posta em causa a sua natureza autoritária: em duas palavras, mudar tudo para que nada mude.


Referimo-nos como triste conclusão, entre outras porque os Estados africanos já em fase de implementação dos respectivos processos de descentralização, iniciado como atrás referido a partir do ano de 2000, não têm conseguido resolver na generalidade a problemática da pobreza das populações locais, a satisfação das suas necessidades básicas, da saúde, educação etc, etc. As localidades africanas na sua maioria caracterizam-se por uma acentuada degradação das estruturas de saneamento, sistemas de energia e de água para não falar do mau estado das vias de acesso com consequências para a mobilidade de circulação de pessoas e bens, entre outras.


Apontam-se como causas desse fracasso político da descentralização em África, entre outras, aos conflitos (político/militares) cíclicos decorrentes particularmente dos pleitos eleitorais, o formato da devolução de atribuições e competências do Poder Central para o nascente Poder Local, bem como a forma como os Estados Africanos abordam o ordenamento do território e a urbanização das respectivas localidades.


A forma como os Estados Africanos abordam o ordenamento do território e a urbanização das respectivas localidades, é para mim o factor crítico e condicionante do êxito da descentralização em África, pois remete-nos ao elemento estruturante da visão do Estado sobre o local e que os Governos dos Estados africanos precisam impor-se como desafio: A necessidade de uma Identidade local para as actuais localidades africanas, cujo alinhamento é também consentâneo com uma visão pragmática da União africana “os Estados devem ser construídos a partir das respectivas localidades”.


Compreender a “necessidade de uma Identidade local” implica recuar no tempo e na historia, recordando que a maioria dos actuais países africanos foram colonizados (em quase 5 séculos), cuja relação colonizador e colonizados inicia numa fase de desenvolvimento social local precário, sendo atribuído por conseguinte aos colonizadores a criação das localidades africanas em função das suas vivências e necessidades económicas, pelo que soe dizer-se que as localidades africanas corporizaram-se nos antigos fortes, entrepostos comerciais, fazendas, áreas piscatórias, cruzamentos de estradas, etc, etc.


Se por um lado é compreensível que os Estados africanos saídos das respectivas independências herdassem as localidades criadas pelas vivencias e interesses económicos dos respectivos colonizadores, constitui agora um “paradoxo” como gosta de afirmar o Presidente da República, que passados 20, 30 e tal anos, os Estados africanos não se impõem o desafio de criar a sua “Identidade local”, consentânea com a forma de ser e de estar dos respectivos munícipes. Não existindo uma nova identidade local, assiste-se a uma continuada descaracterização das localidades herdadas, por via da sobreposição de novas infraestruturas físicas, aumento populacional e, em consequência o desordenamento do território e a desarmonia urbanística. Os investimentos públicos (novas escolas, hospitais,...) recentes, não se traduzem em eficientes, muito menos elevam a qualidade de vida local perante a desarticulação estrutural das localidades, que desincentivam o regresso dos cidadãos das grandes cidades para as pequenas localidades (em alguns casos nem mesmo a troco de inserção no funcionalismo público). O resto todos nós sabemos: Falta de qualidade de vida, aumento da delinquência, aumento de doenças (algumas inclusive outrora erradicadas), acentuados conflitos de interesses de ocupação territorial entre o sector agrário, industrial e habitacional, etc,etc.


O que atrás designei “todos nós sabemos” são fenômenos sociais negativos cuja diminuição e ou erradicação, em hipótese académica considera-se dificilmente resolvido por via apenas da devolução de atribuições e competências do Poder Central para o Poder Local (uma perspectiva jurídica em que a maioria dos Estados africanos já em fase de descentralização se encaminha), mas em primeiro lugar pela determinação de uma “Identidade local” que transcenda o estágio de governação local (desconcentrado ou descentralizado), mas garante o desenvolvimento local harmonioso nas várias dimensões – urbanísticas, ordenamento territorial, económicas-produtivas, equipamentos de utilidade pública equiparado nos vários níveis de divisão político-administrativa (cidades, vilas, povoações), etc, etc.


Em guisa de conclusão, refiro que 19 anos depois do arranque do processo de descentralização em África, ao contrário dos processos de descentralização noutras latitudes, os Estados africanos continuam a procura do norte desse processo, perante a avidez das populações locais em sairem em definitivo ou para sempre do marasmo em que se encontram. Cabe a academia apresentar também, os caminhos ideais para a saída airosa, augurando que o poder político instituído nos Estados africanos não menospreze os resultados das pesquisas acadêmicas, pelo contrario inseri-las e ou conforma-las em políticas públicas mais condizentes com a realidade actual das populações locais.


Talvez por isso se dê razão ao Presidente da República , quando na 1.a Reunião do Forúm de Governação Local, apelava (sobre as autarquias), à necessidade de um debate aberto e abrangente (seguindo o pensamento do Estadista Agostinho Neto - ... para que esse processo não seja apenas para uma elite de políticos ...- e, em hipótese acadêmica, augurando que a conjugação das diversas perspectivas sobre descentralização pudessem contribuir para o evitar dos erros de outros Estados africanos), ao qual nos propusemos alinhar partilhando sempre que possível, a visão da União africana sobre descentralização governação e desenvolvimento local e a visão pessoal enquanto proponente da pesquisa sobre o local que a nível mundial se diz, “pensar global e agir local”, a nivel da União africana, “os Estados devem ser construídos a partir das respectivas localidades e, a nível de Angola “ a vida faz-se no município”.

Eduardo Lisboa

Mestre em Governação e Gestão Pública
Primeiro assessor e Técnico do Gabinete de Intercâmbio do Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado