Luanda -  Há um “ruído” que está a perturbar a discussão aberta e descomplexada, sem reservas mentais, da primeira Constituição da história do nosso país, assim como da eleição do próximo Presidente da República. Trata-se da ideia de que as soluções avançadas pelo partido no poder são uma espécie de fato feito à medida do actual chefe de Estado, José Eduardo dos Santos. Esse “ruído” afecta igualmente alguns membros e simpatizantes do MPLA.

 

Fonte: JA

Esse período deve continuar
a ser liderado pelo Presidente JES

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Desde logo, pensar que a proposta de escolha do próximo Presidente da República no quadro da lista partidária mais votada nas eleições gerais se destina a validar o mandado do actual chefe de Estado é um contrasenso em si mesmo. Se for aprovado, o modelo valerá para o futuro Presidente e não para o actual. O actual mandato do Presidente Eduardo dos Santos tem pleno respaldo na lei constitucional em vigor e, tal como escreveu no Novo Jornal da última sexta-feira o jornalista Gustavo Costa, propostas como a da UNITA para que o mesmo cesse a 11 de Novembro deste ano não são para ser levadas a sério. Aliás, a mesma apenas confirma que esse partido não tem qualquer sentido de Estado e que não está preparado para governar.


De igual modo, achar que José Eduardo dos Santos tem medo de não alcançar 82 por cento, como o MPLA, é um equívoco, baseado na presunção de que ele pretende continuar a exercer esse cargo depois do fim da actual transição, contrariando o compromisso que assumiu no distante 2001. Pessoalmente, não partilho dessa presunção. Na altura, eu fui talvez o primeiro comentarista a escrever que as palavras do Presidente deveriam ser levadas a sério, o que reafirmo hoje, oito anos passados.

 

Evidentemente, outra coisa é o período que ainda falta para encerrar a transição. Como também tenho dito em várias ocasiões e circunstâncias, esse período deve continuar a ser liderado pelo Presidente José Eduardo dos Santos. Sem esquecer a maioria obtida pelo MPLA nas urnas em 2008, a sociedade precisa de começar a discutir isso, não apenas em termos de prazo, mas também de agenda.

 

Em suma, e com todo o respeito, acreditar que um político refinado, maduro e experiente como José Eduardo dos Santos tomará eventualmente decisões políticas estratégicas, como uma proposta constitucional, com base em questiúnculas apenas desmerece os autores de tais análises.

 


As soluções avançadas pelo Presidente em relação ao sistema eleitoral a adoptar pela futura Constituição do país, consagradas, com os ajustamentos que se impunham, no anteprojecto presidencialista-parlamentarista defendido pelo MPLA e a Nova Democracia, estão baseadas em fundamentos objectivos e visam contribuir para formatar a longo prazo a arquitectura da 3ª República, quando certamente ele já não estará no activo, tal como muitos outros actores actuais. Na semana passada, reproduzi alguns desses fundamentos, dos quais comungo inteiramente.

 

O modelo lançado a debate pelo Presidente José Eduardo dos Santos constitui, sem dúvida, uma novidade. O seu impacto tornou-se ainda maior devido às habituais deficiências de comunicação do MPLA. Por isso, quando o chefe de Estado suscitou abertamente a discussão do assunto e algumas vozes do partido no poder tiveram de vir a público explicar a posição deste último, alguns críticos apressaram-se não apenas a questionar a legitimidade de Eduardo dos Santos para apresentar a proposta, mas também a acusar as figuras que começaram pela primeira vez a defendê-la de se limitarem a ir a reboque do Presidente. A expressão é a mais suave que encontrei para caracterizar o tom de algumas dessas acusações.

 

Ora, vamos e venhamos. Então o Presidente da República e líder do partido maioritário não tem legitimidade para apresentar as soluções constitucionais que entende serem as mais correctas e adequadas? E, uma vez debatidas internamente – como o foram e continuam a ser -, essas soluções não têm mesmo de ser defendidas pelos milhões de membros, dirigentes e não só, do partido em questão? Qual o problema de, em democracia, os cidadãos seguirem o líder? O que é essencial – e definidor do carácter democrático do sistema – é que o façam de maneira voluntária, consciente e racional.


A verdade é que mais uma vez, neste caso, José Eduardo dos Santos agiu como um verdadeiro líder. Líder não é aquele que se limita a dizer o que a opinião publicada ou mesmo o povo querem ouvir. É célebre a frase de Churchill, em plena 2ª Guerra Mundial, quando os ingleses estavam prontos a qualquer coisa para evitar a guerra com Hitler: -“Apenas posso oferecer-vos sangue, suor e lágrimas”.

 

Termino com a definição de Cláudio de Moura e Castro, na edição de 30 de Setembro deste ano da revista brasileira Veja: - “A história classifica como estadistas aqueles que perceberam as reais necessidades do país, assumiram o risco da impopularidade no curto prazo, mas souberam vender as suas ideias com sucesso”.