Luanda - Na definição doutrinária, a política é uma Ciência ou uma Arte. Sendo, por um lado, um conjunto de princípios e de objectivos que servem de guia para a tomada de decisões importantes e cruciais, e que fornecem a base da planificação de um conjunto de actividades em determinado domínio da vida pública ou privada. Por outro lado, a política é a habilidade para lidar com qualquer assunto de forma a se obter o que se deseja, no ponto de vista tático ou estratégico.

Fonte: Club-k.net


No fundo, a política apoia-se na «Ciência Social» que se ocupa da vida humana na sociedade, em todas as vertentes, baseando-se na história, na sociologia, na antropologia, na etnologia, e na psicologia. Os aspetos do domínio económico, financeiro, geográfico e cultural têm o impacto enorme sobre a vida humana, e em certa medida, condicionam a sua sobrevivência na Terra. Sem dúvida, a terra e o acesso à riqueza são elementos essenciais que determinam a qualidade da vida do homem, e por isso têm sido as fontes principais de disputas e de conflitos entre as pessoas, as Nações e os Estados Soberanos.


Acima disso, há uma série de factores que sustentam a política, como instrumentos do poder político. Neste domínio destacam-se, o poder judicial; a defesa e segurança; a função pública; as instituições financeiras e monetárias; os órgãos da comunicação social; o sector empresarial; as organizações da sociedade civil; os sindicatos, as igrejas; e a comunidade internacional. Este último tem a autoridade suprema que se manifesta através do multilateralismo, vinculado por Direito Internacional sob os auspícios das Nações Unidas e das outras Organizações Multilaterais. Por isso, a política é o «factor-chave» do Estado, o elemento dinamizador da vida pública e o garante do Poder e da Soberania. A política, neste âmbito, é dotada do poder constituinte de elaborar, votar ou alterar a Constituição, passando por Órgãos de Soberania do Estado.


Na presença dos poderes legislativos e executivos, o poder político não só dá o provimento aos órgãos da justiça, mas sim, exerce influência enorme sobre o seu perfil, a sua jurisdição e a sua jurisprudência. Aliás, o poder judicial (embora autónomo) é uma componente integral do poder político e serve os interesses da classe dominante ou da classe governante. Só se houver instituições democráticas fortes com equilíbrio no Parlamento, se torna possível inverter os termos. Caso contrário, não há hipótese de existir a independência dos órgãos da justiça, em todas as vertentes do direito.


Neste âmbito, o poder judicial é vulnerável e é maleável ao poder político, que o transforma num instrumento poderoso para assegurar a autoridade política. Por isso, a teoria da independência dos órgãos da justiça é relativa. Só se existir o equilíbrio no Parlamento para que seja possível travar o abuso do poder através dos órgãos da justiça, que têm a capacidade de manipular os conteúdos das leis e inverter a jurisprudência. Por isso, nos regimes menos democráticos (como em Angola) a fonte da autoridade pública não reside no sufrágio universal, mas sim, nos órgãos públicos que controlam as Instituições do Estado, que têm a responsabilidade de preparar, organizar, administrar e conduzir os processos eleitorais. O poder judicial, neste caso, presta a legitimidade jurídica e torna-os legais.


Na verdade, a política é o jogo dos interesses de grupos, organizados em partidos políticos, articulados por um conjunto de princípios reais, que distanciam-se da metafísica, isto é, da teoria do absoluto. Todavia, o ser humano não é estático. Ele é dinâmico, evolui, transforma-se e adapta-se ao meio ambiente. A medida em que ocorrem as transformações nas sociedades e no mundo, a consciência do homem modifica-se consoante a realidade concreta do meio social em que se vive. Agora, o grau da transformação da consciência humana depende de vários factores, que actuam sobre o cérebro do homem, que é a sede das funções psíquicas e nervosas, e da actividade intelectual, que torna o homem racional, produtivo e inovador.


Para que a política seja realista e eficaz na sua função directiva, conceptual, construtiva e estabilizadora deve ajustar-se sempre às transformações internas e externas que ocorrem na sociedade e no mundo. Por isso, a política assenta-se no realismo, na intuição e na prudência de analisar corretamente os fenómenos, de discerni-los, conjuga-los, transformá-los e inová-los. Surge, neste contexto, o dogmatismo que é o produto da Doutrina metafisica, da dita teoria do absoluto. O dogmatismo, como doutrina, é o contraste do Pragmatismo, que assenta na lógica segundo o qual, a função essencial da inteligência não é fazer-nos conhecer as coisas, mas permitir a nossa acção sobre elas, obtendo resultados concretos e úteis.


Em função disso, o mérito, não baseia-se somente na sensatez, mas sim, na capacidade de produzir e obter resultados palpáveis. Só que, o mérito, como tal, não é o factor-determinante na conquista do poder político. Porque existe muitos factores endógenos e exógenos (atrás referidos) que fazem com que os mais aptos sejam impedidos de satisfazer a vontade do povo que tem a confiança nas suas qualidades. Ou seja, nos países menos democráticos, os processos eleitorais não são transparentes para garantir a vitória dos merecedores, daqueles que foram de facto escolhidos pelos eleitores nas urnas devido as suas qualidades e os seus programas.


Por este facto, sempre é aconselhável agir com cautela e com realismo quando estiver no sistema menos democrático onde as coisas não são feitas de acordo com a lei. Induzir-se na retórica ou na utopia legitima o sistema semi-democratico que assenta na teoria de fazer uso das eleições (adulteradas) gerais apenas para legitimar o poder político. A questão que se coloca é de que, a demagogia e o populismo fazem parte da arte política. Visam incutir nas mentes dos eleitores as promessas que muitas vezes não são realizáveis. Logo, o político populista e demagogo facilmente pode cair no ridículo e no absurdo quando as coisas saírem ao contrário daquilo que foi propalado.

 

Nesta questão específica convinha dizer que, nos países democráticos, onde o voto é digno, integro e respeitado, o populismo e a demagogia, como arte politica, funcionam e têm ganho terreno no Ocidente. Porque, o povo é atraído pela eloquência e pela retórica populista, que depois no fim mudam o curso dos acontecimentos. O exemplo concreto foi do Adolfo Hitler, o grande orador populista, que mergulhou o mundo na Guerra Mundial II. O Presidente Donald Trump, pelo seu
carácter satírico, é um populista burguês, que está empenhado em desmantelar as instituições democráticas dos Estados Unidos da América, que assentam na separação efectiva dos poderes e no sistema de contrapeso.


Enfim, a minha reflexão vai no sentido de que, a política, como ciência social, lida diretamente com a pessoa humana, em todas as dimensões da vida. Pois, ela se manifesta em diversas vertentes, ora positiva ora negativa. Nos sistemas normais, dos Estados Democráticos de Direitos, a política abre o espaço amplo para todos, em que se competem em pé de igualdade, dando oportunidades à toda gente para se realizar. Nesses sistemas, a política é veiculada pelos cidadãos, que participam activamente na vida pública e na tomada de decisões. O poder político não é arbitrário, obedece à vontade dos eleitores, que elegem os governantes e os legisladores. A governação é feita por mérito, na base da meritocracia, legitimada por eleitores, em processos eleitorais transparentes, justas, credíveis e verificáveis.


Só que esta realidade é o inverso dos que passa nos sistemas menos democráticos, de carácter autoritário, de matriz mono partidária, que usa a democracia como instrumento apropriado para inverter a ordem democrática, e garantir a manutenção do poder politico. Neste regime, o povo é manipulado e instrumentalizado, incutido nele os preconceitos do partido-estado, da existência de um só partido com capacidade de governar. Como tal, o povo submete-se ao conformismo, enquanto as elites rendem-se ao tráfico de influências e ao suborno, servindo os interesses da classe dominante. Por isso, a situação atual que se vive em Angola constitui um grande desafio, tendo características positivas e negativas. De principio, é difícil acreditar na boa vontade dos atuais governantes, pertencentes ao mesmo partido político que prevalece no poder desde 1975, com o mesmo perfil político e ideológico. Sem mudança da mentalidade absolutista de não aceitar o princípio fundamental da «alternância» político-partidária, como a «essência» da democracia plural.


Não obstante, os anais da história da humanidade revelam que, as mudanças políticas podem ocorrer dentro ou fora do organismo. Por exemplo, o colapso do Império Soviético foi protagonizado por Mikhail Gorbatchev, Secretário-Geral do Partido Comunista Soviético, pressionado pelos factores externos e internos da Guerra Fria. Outro exemplo evidente foi da China cuja abertura ao Ocidente e a implementação das Reformas Económicas (1978-1992) foram protagonizadas pelo Deng Xiaoping, Dirigente destacado do Partido Comunista Chinês, influenciado por factores internos e factores externos da Guerra Fria. Convém saber que, na altura a China se encontrava no estado muito atrasado, com os níveis elevadíssimos da pobreza, e devastada pela Grande Revolução Cultural, que ceifou a vida inocente de mais de dez milhões de chineses.


Ora bem, na época da Guerra Fria a democracia estava no auge, sustentada pela supremacia militar, económica e tecnológica dos Estados Unidos da América. O Bloco do Leste, sob Chefia da União Soviética, estava em declínio, com o desmembramento da Europa do Leste, precedido da queda do Muro de Berlim. Por este motivo, toda gente buscava acomodar-se com os valores democráticos do capitalismo ocidental, assente na economia do mercado. No fundo, havia interesses vitais de garantir a segurança, e por outro, de ter acesso aos investimentos e às tecnologias avançadas dos países industrializados do Ocidente. Mas, a realidade de hoje é outra, em que, a China tornou-se o Gigante, cuja economia é expansiva e busca vender o seu Modelo Político (de partido único) aos países em desenvolvimento. Sabendo bem, neste respeito, o volume da divida angolana com a China e sem capacidade de sustentá-la e amortiza-la.


Ai estará a minha reticência se de facto haverá a vontade política, por parte da Cidade Alta, de fazer reformas políticas, sociais, económicas e culturais profundas. Por outro lado, é preciso saber que a realidade de Angola é muito diferente da Rússia e da China. Desde início, da luta anticolonial, Angola sempre foi caracterizada pela pluralidade política, assente na diversidade cultural, racial e religiosa. Em 1975 tentou-se inverter as coisas com a introdução do sistema do partido único; que esteve na origem do conflito violento e prolongado que durou cerca de três décadas, até 2002, quando institucionalizou o multipartidarismo e a economia do mercado. A política actual da abertura da sociedade angolana está a reviver, dinamizar e despertar as mentes das pessoas, com a perspetiva de aprofundar e consolidar o Estado Democrático de Direito. O sistema do partido único, precedido por capitalismo selvagem, foi um desastre para Angola e só um louco pode atrever em restaura-lo. Além disso, a recessão social e económica do país é profunda, degradante e insustentável, agravada por rivalidades antagónicas no seio do MPLA, que responsabilizam-se mutualmente pelo desaire e pela dilapidação excessiva dos Cofres públicos.


Só olhar aos dados estatísticos atuais da pobreza em Angola pode-se perceber a profundeza da crise, por exemplo: A divida pública ronda em 92% do PIB; a taxa de desemprego de 30%; a taxa de desemprego jovem de 56%; a taxa de pobreza de 42%; a taxa de pobreza absoluta de 20%. Desde 2009, de acordo com o economista de renome, Alves Rocha: “A recessão social atingiu fortemente o rendimento médio per capita, cujo comportamento tem vindo a degradar desde 2009, ou seja cada angolano está mais pobre a cada ano.” Fim de citação. Porém, o mais grave em tudo isso, é que, a capacidade de manobra, para estancar a crise social e económica, que devasta o país, é Zero. Note-se que, o mercado informal (paralelo) em Angola representa mais de 83% da actividade comercial do país, que serve de fonte principal do emprego e da sobrevivência da maioria parte dos angolanos. Sem o mercado informal a pobreza extrema em Angola teria aproximada os níveis daquilo que tinham-se registado na Etópia ou no Biafra.


Logo, qualquer tentativa de retroceder os carris da história terá o reflexo muito negativo sobre a estabilidade interna de Angola, capaz de afugentar os investidores nacionais e estrangeiros. Como dizia Barack Obama: “Uma Nação não pode prosperar quando só favorece os prósperos.” Fim de citação. Pois, a acumulação primitiva de capitais baseava na lógica de enriquecimento ilícito de um pequeno número de indivíduos das famílias privilegiadas do MPLA. Infelizmente, esta política de segregação social e política mante-se até hoje.


No meu entender, existe a memória coletiva, que nos aconselha que, somente na pluralidade política, na diversidade, na inclusão, na unidade e na boa governação, seremos capazes de transformar Angola num Gigante e na Casa de todos, no ambiente estendido da paz, da felicidade, da estabilidade, da fraternidade, da unidade, da prosperidade e do progresso. Mas tudo isso passa necessariamente pela despartidarização e democratização das instituições do Estado. Acredito que, a Cidade Alta, imbuída do realismo politico, não voltará a cometer os mesmos erros gravíssimos de 1975, de querer reinar sozinho e afastar os outros.


Luanda, 13 de Outubro de 2019