Luanda - Sobre a renúncia da nacionalidade portuguesa por parte de Adalberto da Costa Júnior, para concorrer ao cargo de Presidente da UNITA só posso dizer que foi vítima da aplicação de um dispositivo normativo dos estatutos do seu partido que inadvertidamente põe em causa a dupla nacionalidade.

Fonte: Club-k.net


Acontece que, o dispositivo estatutário é inválido por força da invalidade da norma que interdita a dupla nacionalidade prescrevendo que " A qualidade de dirigente máximo de um partido político é exclusiva dos cidadãos angolanos de nacionalidade originária e que não possuam outra nacionalidade além da angolana" do art.º 25º n.º 3 da Lei dos Partidos Políticos decorrente da sua inconstitucionalidade quando confrontado com os art.º 110º n.º2 e 129º n.º 1 alínea d) da CRA quando interditam apenas a nacionalidade adquirida (e nunca a dupla nacionalidade) no acesso ao cargo de Presidente da República.


A relação entre a Lei dos Partidos políticos e a CRA em matéria de impedimento sobre a nacionalidade resulta da teleologia do impedimento do Presidente do partido que aponta para o impedimento do Presidente da República uma vez que se presume que aquele é o candidato a este cargo de Estado vindo disto a interpretação extensiva feita pelo legislador ordinário das normas constitucionais.


Sabendo já que a nacionalidade originária é aquela que é atribuída a qualquer pessoa que tenha pai ou mãe nascidos em Angola, tenha ela nascido em Angola ou no estrangeiro (art.º 9º n.º 1 - Lei 2/16 - de 15 de Abril - Lei da Nacionalidade, LN) e que a nacionalidade adquirida é aquela que é atribuída a qualquer pessoa que tenha nascido em Angola sem pai ou mãe angolanos, que tenha casado com cidadão angolano, entre outras formas de atribuição (art.º 11º e SS - LN), resulta que a preocupação da CRA é impedir que os cidadãos angolanos com nacionalidade adquirida venham a ser um dia Presidente da República afastando a legitimidade daqueles que têm laços de sangue com ascendentes angolanos.


Por isso é que a interpretação da norma "São inelegíveis a cargo de Presidente da República os cidadãos que sejam titulares de alguma nacionalidade adquirida" (art.º 110º, nº2, alínea a) - CRA, leva a interdição de um qualquer cidadão, que embora tenha apenas a nacionalidade angolana, esta seja adquirida. Como é o caso, por exemplo, de pessoas nascidas em Angola de pais estrangeiros. E não interdita por exemplo, os cidadãos angolanos com dupla nacionalidade desde que ambas sejam originárias por resultarem dos laços de sangue com pai de uma nacionalidade (angolano) e mãe de outra nacionalidade (portuguesa).


Logo, quando a Lei dos Partidos políticos impede a dupla nacionalidade contra a letra e o espírito da CRA surge uma inconstitucionalidade que obriga a invalidar o impedimento legal daquele diploma por determinação do art.º 6º n.º3 da CRA quando sanciona que "As leis, os tratados e os demais actos do Estado, dos órgãos do poder local e os entes públicos em geral só são válidos se forem conformes à Constituição".


Assim, se a Lei dos Partidos Políticos é invalida, na parte em que proíbe a dupla nacionalidade, cai por terra a sua força normativa sobre os estatutos da UNITA e restariam as disposições da CRA (art.º 110º n.º2 e 129º), as únicas que interditam uma outra nacionalidade a um candidato ao cargo público.


A aplicação directa da CRA aos Estatutos da UNITA resultaria na aplicação de uma norma imprópria por se tratar de uma interdição ao cargo de Presidente da República e não a um presidente de um partido político. A analogia da norma estatutária feita por interpretação extensiva da CRA em matéria de interdição da nacionalidade adquirida resultaria numa ilegalidade por falta do respectivo comando na Lei dos partidos políticos. Por fim, a norma do Estatuto da UNITA que propala o impedimento da dupla nacionalidade careceria de fundamento legal e constitucional e a respectiva norma torna-se-ia inválida e, por isso, inaplicável a situação da dupla nacionalidade de Adalberto da Costa Júnior.


Concluindo, o Adalberto da Costa Júnior obedeceu a uma norma inválida e, por isso ineficaz, do estatuto da UNITA quando entendeu renunciar a sua nacionalidade portuguesa. Portanto, não estava obrigado a fazê-lo, embora essa obrigação venha a ocorrer caso se torne no Presidente da UNITA e em consequência venha a candidatar-se como cabeça-de-lista do seu partido as eleições legislativas (supostamente gerais).


OBS: Para detalhar o que não foi possível descrever no debate da TVZimbo pela pressão do tempo e pela inoportunidade do uso de linguagem técnica para ajudar a esclarecer o caso.