Luanda - Por aqui, a eleição de um cidadão, fora dos padrões políticos e sociais pré-estabelecidos, ainda é um sonho proibido. Há um ano, os Estados Uni­­dos da América (EUA) davam uma lição ao mundo. A 04 de Novembro de 2008, pela primeira vez um afro-descendente foi eleito para liderar a nação mais poderosa da terra. Um feito, vivido com júbilo nos quatro cantos do glo­bo, que o próprio Barack Oba­ma classificou como a realização de um sonho. Ao receber a confirmação da vitória, ele proferiu um discurso, uma espécie de tradução do que, afinal, cons­tituiu a sua eleição para o seu país. «Se alguém ainda du­vida que a América é um lugar onde tudo é possível; pergunta se o sonho dos pioneiros ainda está vivo no nosso tempo e questiona o poder da nossa democracia, esta noite tem uma resposta».


* Tandala Francisco
Fonte: A Capital

Coisa de outro mundo


Líderes de várias nações apressaram-se a reconhecer o feito e a elogiar o candidato en­tão eleito. O Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, ali­­nhou nesse coro. Três dias depois, os Serviços de Apoio do Presidente angolano emitiram um comunicado. Em mensagem para o seu homólogo, o angolano disse que a vitória da­quele era «inédita» e representativa das «transformações que vêm ocorrendo nas últimas quatro décadas na história da humanidade».

 

Se a América, como disse o Presidente Barack Obama, de­monstrou a vitalidade da sua democracia e comprovou a realização dos sonhos dos seus precursores, estará Angola em condições de prestar provas nesse sentido? O próprio Chefe de Estado angolano reconheceu, ao felicitar Obama, a evolução da história da humanidade, um grupo no qual ele, e to­dos os seus concidadãos, claro, se inserem. Agora, a história de Angola estará, hoje, em condições de um feito de dimensão similar? Ou, feita a pergunta de outro modo, haverá a mínima possibilidade de um Barack Obama angolano ter sucesso no seu próprio país?
Um dos aspectos mais simples, entretanto não menos im­portante, da eleição do presidente número 44 dos EUA é, simplesmente, a alternância do poder. Essa seria, na verdade, a primeira barreira no caminho de um pretenso Barack Obama angolano.

 

Angola realizou as primeiras eleições presidenciais em 1992 e que mesmo assim ficaram inconclusivas. José Eduar­do dos Santos manteve a liderança do país que já vinha de 1979, na sequência do falecimento do seu antecessor.

 

Em 2008, foram realizadas as segundas eleições legislativas, com a perspectiva de, neste ano, decorrerem as presidenciais. Estas eleições foram no­vamente adiadas. Para quando, ninguém sabe. Mas foram-no sob pretexto da necessidade, an­teriormente inexistente, de se aprovar primeiro a Cons­ti­tuição.

 

A eleição de Obama foi uma espécie de alívio, para um país fustigado com as políticas erradas dos oito anos de presidência do seu antecessor. Os angolanos, porém, mantêm o mesmo líder há 30 anos, sem que haja no horizonte um si­nal­zinho de mudança. E nem se­­­quer parece haver vontade para tal.

 

A Constituição da Repú­bli­ca de Angola ainda está em gestação. Quando virá ao mundo, ainda não se sabe. Porém, pu­bli­camente, vai-se dizendo que esse documento não é amigo de candidaturas independentes, pa­ra o cargo de Presidente da R­e­pú­blica.

 


Este é um privilégio reservado aos cabeças de lista dos partidos, o que, na realidade an­golana, equivale a que apenas os presidentes dos partidos po­líticos com assento no Par­la­mento possam concorrer. Aqui estaria um segundo entrave pa­ra um Obama angolano.


Pela sua juventude – uma ou­tra qualidade do fenómeno norte-americano – não conquistou ainda o lugar de líder de um qualquer desses partidos, dirigidos pela geração anterior. Pa­ra passar à cabeça de lista, teria de convencer, primeiro, a velha guarda dos partidos, regra geral avessa às ideias no­vas apresentadas pela juventude.

 

Se na UNITA, maior partido na oposição, os actuais dirigentes blindam-se dos estatutos, para inviabilizar a ascensão de um jovem com claro perfil de liderança; no MPLA, partido no poder, uma unanimidade for­jada ao redor da continuidade do actual presidente bloqueia qualquer jovem que se queira armar em Obama. A política de candidato único ain­da impera por aqui.

 

Jovens talentosos, donos de um acentuado carisma, revestidos de verdadeiros sentimentos patrióticos, altruístas e comprometidos com o desenvolvimento do país existem, com certeza, aos magotes. Nos partidos políticos, eles vivem amarrados nu­ma tal de «disciplina partidária», que transforma em vassalo todo aquele que desponta como potencial candidato à presidência do partido e, mesmo, do país.

 

Ao nível da sociedade civil, também, contam-se ou­tros tantos. Todavia bloqueados por uma comunicação social controlada remotamente desde um certo palácio. Quan­do as suas ideias escapam pelo público, sempre forçada pela incipiente comunicação social privada é, em seguida, alvo de uma ampla campanha que acaba, não raras vezes, por manchar o nome dessa figura junto da opinião pública, em nome da manutenção de um certo «status quo».

 

Dadas as questões enunciadas, e por outras tantas, conclui-se, sem qualquer dificuldade, não haver condições para que, em Angola, um estudante brilhante, um orador incomum, com tonalidades raciais fora do comum, com origem social hu­milde e com um indiscutível ca­­risma consiga, com esses atributos todos aliados a um árduo trabalho, chegar à presidente da República. Esse é, ainda, um sonho difícil de al­cançar, cada vez mais dificultado pela consolidação de uma eli­te que controla o poder político, na perspectiva de uma acumulação de elevados benefícios financeiros.

 

Quando, a 07 de No­vem­bro, o Presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos, ao felicitar o seu homólogo dos EUA recém-eleito, Barack Obama, referiu que a sua vitória traduzia as mudanças que acontecem, há quatro décadas, na história da humanidade, não disse toda a verdade.

 

Não disse, por exemplo, que Angola não acompanhou essas mudanças. Afinal, en­quanto América permitiu-se um avanço de 40 anos, os angolanos mantêm-se tal como estavam há 30 anos. Com uma pintura retocada, é claro. Mas com a mesma falta de esperança de sempre.

 

Para a ascensão de um jovem talento: As cinco maiores barreiras


1 – NEM SEQUER HÁ ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS – Ao decidir candidatar-se, mal saberá, o candidato, quando deverão realizar as eleições, de tão adiadas como elas têm sido.


2 – SER UM CABEÇA DE LISTA – A proposta constitucional que deverá ser adoptada, ao que parece, não admite candidaturas independentes, só de gente superiormente mandatada pelos respectivos partidos.

 

3 – BARREIRAS PARTI­DÁ­RIAS – Nos partidos políticos, seja no MPLA, no poder, como na UNITA, líder da oposição, a afirmação de um jo­vem, como líder, esbarra na interpretação dos estatutos e na unanimidade em torno dos respectivos líderes.


4 – ACESSO À COMU­NI­CAÇÃO SOCIAL – Com os media públicos manipulados à distância, o acesso livre é ve­dado aos concorrentes ao cadeirão máximo. Para quem consegue passar mensagens por in­termédio dos órgãos privados, resta o consolo de não ser alvo de uma campanha de deturpação da respectiva imagem.


5 – PRESSÕES ECONÓ­MI­CAS – Com o sector privado também, de certo modo, controlado pela mesma elite que detém o poder político, quem os ousar enfrentar corre o risco de ser relegado ao ostracismo. Pode perder o emprego, ser rebaixado das funções exercidas, ou sempre pode aceitar a oferta de cargos como recompensa por um silêncio ou por compactuar com posições erradas.

 


Pelo menos na redacção deste semanário: Fernando Macedo é o cara

 

Durante algum tempo, os editores do semanário A Capital propuseram-se o exercício de escolher, por via democrática, claro, entre as figuras de destaque da vida política e, mesmo ao nível da sociedade civil, as que mais se aproximam do perfil de um Barack Obama. Foi, para nós, a manifestação de um so­nho, da esperança de que, num dia qualquer, um cidadão, legalmente capacitado, possa percorrer caminhos, conquistar posições e chegar ao lugar máximo da hierarquia do Estado angolano. Atreveram-se, os editores deste semanário, a acreditar que o fenómeno Ba­rack Obama pode ser, quem sabe, repetido por aqui.

 


E se for, quem seriam, en­tão, os nossos Obamas? A primeira votação resultou numa lista com nove nomes, comprovando a existência, por aqui, de potenciais candidatos. Os critérios basearam-se no perfil do actual presidente norte-americano. Desde a idade, a afabilidade, a oratória, o curso académico e profissional até a aspectos como a eloquência e a for­ma de pensar a pátria. O ca­risma, claro, não ficou de parte.

 

Com esses aspectos levados em conta, obtiveram-se sete no­mes: Bornito de Sousa (actual líder da bancada do MPLA), Justino Pinto de Andrade (professor universitário), Abel Chi­vukuvuku (político), Fernando Ma­cedo (jurista e activista cívico), David Men­des (Advogado, activista cívico), Marcolino Moço (político, professor universitário) e Filomeno Vieira Lo­pes (economista).

 

Num segundo processo de votação, foram seleccionados dois nomes desta lista. Abel Chi­vukuvuku e Fernando Ma­cedo acabaram empatados, le­vando a um terceiro escrutínio, desta vez por voto secreto, que acabou com a escolha do se­gundo como alguém que se en­quadraria bem nas vestes de um Barack Obama angolano. Para Fer­nando Macedo, nessa usamos a mesma ex­pressão a que recorreu o Presidente brasileiro, Lula da Silva, ao homólogo norte-ame­ricano, Barack Oba­ma: «ele é o cara».

 

FERNANDO MACEDO, natural de Kwanza-Norte, é li­cenciado em Relações In­ternacionais pela Universidade do Minho, Portugal, e Mestre em Ciência Política pela Nor­theastern University, Boston, Estados Unidos da América. É docente universitário e lecciona as cadeiras de Ciência Política e Direito Constitucional e Di­reitos Humanos na Faculdade de Direito e Relações In­ter­nacionais da Universidade Lu­síada, e cadeira de Direito Cons­titucional na Faculdade de Letras da Universidade Agos­tinho Neto. Mem­bro Fundador e Presidente da Direcção do Fórum Angola (Portugal) e da Asso­cia­ção Justiça, Paz e De­mocracia, através da qual se notabilizou como defensor dos direitos humanos, estando na base na luta que hoje se em­preende contra o excesso de pri­são preventiva em Angola. A frontalidade das suas intervenções públicas, entre outros as­­pectos, faz dele um nome a ter em con­ta, num futuro próximo.