Luanda - Os problemas jurídicos de Isabel dos Santos estão a avolumar-se ao mesmo tempo que começa a vir a dia o papel de seu pai nos seus negócios e nos de outros filhos de Eduardo dos Santos. Mas não é só em Angola que, uma vez fora do poder, começam ajustes de conta entre os novos dirigentes e os seus antecessores. Veja-se os casos do Botsuana e da Mauritânia.

Fonte: Lusa

Os problemas enfrentados por Isabel dos Santos e as críticas que vão surgindo à atuação de seu pai, José Eduardo dos Santos, durante as mais de três décadas que esteve na presidência de Angola, não são caso único em África de uma personalidade que esteve no poder estar a ser posta em causa pelo seu imediato sucessor.

 

Os planos preparados enquanto no poder acabam por não se materializar na prática, como Eduardo dos Santos e a sua família, mas também os ex-presidentes do Botsuana e da Mauritânia vieram a descobrir ao longo de 2019.

 

No caso da Mauritânia, o ex-presidente Mohamed Ould Abdel Aziz tem sido visado pelo sucessor, que ele próprio escolheu, por críticas sobre a forma como dirigiu o país desde 2008.

 

Aziz, de quem se chegou a escrever estar disposto a mudar a Constituição para se candidatar a um terceiro mandato, acabou por preferir o seu ministro da Defesa, Mohamed Ould Ghazouni, considerado um indefetível do ex-presidente.

Caído em desgraça

Se era dado como adquirido que Ghazouini seria eleito, ou não tivesse o apoio do partido no poder e de Aziz, o que já não era dado como adquirido é que este - que anunciara a intenção de manter um papel ativo na política e no partido - seria afastado sem cerimónias de qualquer protagonismo e, inclusive, acusado de comportamentos indevidos.


O mais recente sintoma de que Aziz caíra em desgraça materializou-se no final de 2019, quando o congresso do partido no poder, a UPR, elegeu sem oposição como novo líder o presidente em exercício, afastou figuras próximas de Aziz e este nem sequer esteve presente na reunião do partido que fundou.

Oposição adere a partido do governo

Comentários proferidos pelos congressistas durante os trabalhos e em ocasiões posteriores tornavam evidentes que o ex-presidente não tem futuro na política do seu país. Em resultado das decisões tomadas no congresso, elementos ligados à oposição a Aziz, e que foram perseguidos no passado, foram admitidos no partido governamental. Além de figuras individuais, quatro partidos oposicionistas aderiram agora à maioria.

 

Igualmente relevante foi a substituição dos comandantes da guarda presidencial nomeados por Aziz. Sendo este tipo de força uma espécie de guarda pretoriana em muitos regimes africanos e, em muitos casos, as únicas unidades verdadeiramente operacionais, a mudança de chefias enuncia todo um programa de ação.

 

A reação do ex-presidente mostra que este se sente um "animal ferido" e traído pelo seu lugar-tenente. Aziz anunciou a intenção de criar um novo partido mas, como sublinharam as agências internacionais, nenhum órgão de comunicação ligado ao poder compareceu a uma conferência de imprensa que aquele realizou na capital da Mauritânia, Nouakchott.


Críticas e acusações

No mesmo registo dos factos na Mauritânia se passou a transição de poder no Botsuana. Tudo parecia correr bem após o presidente cessante, Ian Khama, ter seguido a regra de não procurar a reeleição, de acordo com a regra vigente no partido governamental, o BDP, e assim o seu sucessor e anterior vice-presidente, Eric Masisi, foi facilmente eleito nas presidenciais de 2019.

Os problemas tiveram início poucos meses após a tomada de posse de Masisi, que rapidamente começou a responsabilizar o anterior presidente e o seu governo pelos problemas enfrentados pelo Botsuana.

De forma quase inevitável, como sucede quando os líderes africanos deixam o poder, Khama foi acusado de ter desviado milhões de dólares em dinheiros públicos e de ter favorecido elementos do seu círculo próximo na concretização de negócios envolvendo o Estado.

A agência de combate à corrupção do país, no passado mês de dezembro, acusou Khama de apropriação indevida de dinheiros públicos, tendo-se aberto um processo judicial a que o presidente respondeu com uma ação em que se acusa aquela entidade de difamação do seu nome.


O conflito entre Khama e o governo intensificou-se com o ex-presidente a apoiar candidatos da oposição nas recentes legislativas, não se coibindo de criticar o sucessor, que passou a classificar de "autocrático" e "intolerante", produzindo o "declínio da democracia" no Botsuana.

Corrupção e favoritismo

Se parece remota a eventualidade de Eduardo dos Santos vir algum dia a apoiar candidatos da UNITA, o principal partido da oposição em Angola, o que tem sucedido com o homem no poder mais de 37 anos em Luanda e com familiares próximos apresenta semelhanças com a situação do ex-presidente do Botsuana e seus próximos.

Dois anos após ter sido substituído por João Lourenço, a governação de Eduardo dos Santos é alvo de acusações de corrupção generalizada e de fenómenos de nepotismo, envolvendo, nomeadamente, alguns dos seus filhos, como Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos.

Até agora, as acusações mais graves que foram dirigidas a Eduardo dos Santos é que este teria conhecimento da transferência dos 500 milhões de dólares do Fundo Soberano para o exterior, pelo qual Filomeno dos Santos e outros, a serem julgados em Luanda, e teria instruído empresas públicas a entrar em negócios para viabilizar investimentos de Isabel dos Santos. Situação esta que está sob investigação da Procuradoria-Geral da República angolana.

Noutro plano, o sucessor de Eduardo dos Santos acusou-o de ter "deixado vazios os cofres do Estado" ao deixar o poder. O ex-presidente ripostou, garantindo que "em setembro de 2017 havia 15 mil milhões de dólares nos cofres do Banco Nacional de Angola".

Sobre a gravidade da corrupção em Angola, João Lourenço afirmou, durante a sua visita a Portugal no final de 2018, que a situação era equivalente a mexer "num ninho de vespas" e a "brincar com o fogo", mas que este seria mantido "sob controlo".

O caso de Filomeno dos Santos e a investigação à gestão de Isabel dos Santos à frente da Sonangol, provam que o atual presidente angolano está disposto a manter a sua palavra. Nos últimos dias de 2019, as contras de Isabel dos Santos foram congeladas em Angola.