Lisboa - O professor de Ciências Políticas na Universidade de Oxford e co-editor da revista académica “African Affairs”, Ricardo Soares de Oliveira, diz não ter dúvidas que “Lisboa foi uma praça-chave” no processo de extracção de recursos de Angola e que bancos, contabilistas, advogados, consultores e políticos portugueses “desempenharam um papel incontornável”.

Fonte: Jornal de Angola

Em entrevista ao diário português Público, Ricardo Soares de Oliveira afirma que a “geografia angolana da fuga de capitais nos anos bons é extremamente cosmopolita: Dubai, Rússia, Hong Kong, Singapura, Suíça, vários paraísos fiscais nas Caraíbas, sem esquecer Londres, Paris, Nova Iorque e outros que gostam sempre de dar lições”.



O académico acredita que as investigações globais, em curso, vão desenterrar muitas provas embaraçosas de cumplicidade portuguesa e aconselha estas a “contribuir activamente para este processo e disponibilizar toda a informação existente sobre bens ilícitos de pessoas politicamente expostas (PEP) em Portugal”.



“Mas o papel verdadeiramente exemplar seria fazê-lo em relação a todas as pessoas sobre as quais existe essa informação e não apenas àquelas que os governos estrangeiros queiram alvejar, seja por que motivo for”, afirma o académico.



Ricardo Soares de Oliveira revela que investigações consideráveis de asset tracking (monitorização de activos) têm sido empreendidas com auxílio de consultores estrangeiros (por parte de Angola) e em alguns países onde existem bens ocultos (por parte da sociedade civil, autoridades fiscais, etc.), pelo que o que não falta é informação sobre bens angolanos no estrangeiro.


Autor do livro “Terra Magnífica e Mendigo: Angola Desde a Guerra Civil (2015)”, Ricardo Soares de Oliveira critica o “comportamento bajulador de parte das nossas elites (portuguesas) para com Isabel dos Santos, apesar da forma por vezes brutal com que ela lidou com competidores (ou até sócios) portugueses”. “É francamente confrangedor e deveria ser uma fonte de embaraço para muita gente”, lamenta, sublinhando que, ainda há semanas, “vários portugueses ilustres vieram atacar Ana Gomes, que recebeu mais apoio da sociedade civil angolana do que dos interesses do costume em Portugal”.



O académico é, também, autor de Petróleo e Política no Golfo da Guiné (2007), co-editor da China Returns to Africa: A Rising Power and a Continent Embrace (com Chris Alden e Daniel Large, 2008) e The New Protectorates: International Tutelage e o Making of Liberal States (com James Mayall, 2011).

Impacto do arresto das empresas de Isabel dos Santos

Para o académico Ricardo Soares de Oliveira, o impacto económico do arresto determinado na segunda-feira, pelo Tribunal de Luanda, poderá ser negativo para várias empresas de grande importância em Angola. Mas, sublinha, a mensagem política poderá ser positiva, se as provas disponi- bilizadas forem sólidas e se este arresto fizer parte de um compromisso inequívoco com o Estado de direito.



Na segunda-feira, o Tribunal Provincial de Luanda decretou o arresto preventivo das contas bancárias pessoais de Isabel dos Santos, do marido, Sindika Dokolo, e de Mário Filipe Moreira Leite da Silva, no BFA, Banco BIC, BAI e Banco Económico, além das participações sociais que os três detêm, enquanto beneficiários efectivos, no Banco BIC, Unitel, SA, BFA e ZAP Media.


A medida, segundo a Procuradoria-Geral da República, surgiu em função de uma acção intentada pelo Serviço Nacional de Recuperação de Activos, ao Tribunal Provincial de Luanda, contra as três personalidades. A sentença foi decretada pela Primeira Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda.


Para garantir o normal funcionamento das empresas, cujas participações sociais foram arrestadas, a pedido da Procuradoria-Geral da República, o Tribunal indicou como fiel depositário os próprios Conselhos de Administração e o Banco Nacional de Angola.



De acordo com o comunicado da Procuradoria-Geral da República, “a presente providência cautelar não afecta os postos de trabalho das empresas supra referidas, nem os compromissos por elas assumidos, pois visa apenas acautelar o cumprimento de uma obrigação”.


“O sinal político anti-corrupção até pode ser bem recebido pelo FMI e pelas capitais ocidentais onde João Lourenço quer ser bem recebido. Mas, economicamente, estes eventos não podem ser positivos para as empresas afectadas”, afirmou o académico.


“Isto poderá ser preocupante num contexto angolano já imensamente frágil. Dito isto, tendo em mente a percepção de que Isabel dos Santos beneficiou da presidência do seu pai, muito poucos observadores estrangeiros vão ver isto como um atentado ao funcionamento clássico da economia ou às regras da livre concorrência”, acrescentou.

Banco de Portugal atento

O arresto preventivo de participações e contas de Isabel dos Santos em Angola não passou despercebido ao Banco de Portugal. Questionado pelo Público sobre os efeitos desta iniciativa da Justiça angolana no EuroBic, banco detido em 42,5 por cento por Isabel dos Santos e supervisionado pelo Banco de Portugal, o supervisor da banca portuguesa esclareceu, através de fonte oficial, que “o Banco de Portugal considera todos os factos novos que possam ser relevantes para efeitos de avaliação/reavaliação da adequação de quaisquer pessoas que exerçam funções de administração/fiscalização ou sejam accionistas de instituições por si supervisionadas”.



Nesse contexto, sem nunca identificar o caso de Isabel dos Santos em concreto, mas respondendo à pergunta sobre o arresto preventivo dos bens da empresária pelas autoridades em Angola, a fonte do Público acrescentou que “o Banco de Portugal interage e troca informação, nos limites do quadro normativo aplicável, com todas as entidades e autoridades, nacionais e internacionais, de forma a poder consubstanciar factos que possam ser relevantes no contexto desse juízo”.

Ex-Presidente está fragilizado

O académico, que já trabalhou na área de governança e indústrias ex- tractivas para o Banco Mundial, Comissão Europeia, Catholic Relief Services, Ministério da Defesa francês, entre outros, afirma que, politicamente, José Eduardo dos Santos “é uma sombra do que já foi e não há movimento dentro do partido em apoio dele”. Mais cedo ou mais tarde, afirma, as investigações vão-se virar contra ele pessoalmente.



“Se João Lourenço encetasse uma acção anti-corrupção de carácter sis- témico, talvez isso desse azo a uma agregação de apoio à volta do ex-Presidente”, diz, sublinhando que “José Eduardo dos Santos deixou enriquecer toda a gente na elite e raramente perseguiu membros seniores do MPLA desta maneira, mesmo quando as pessoas eram politicamente marginalizadas”.



“João Lourenço não só não tem empurrado a ofensiva muito para lá da família Dos Santos, como, provavelmente, não o pode fazer”, diz o académico, para acrescentar: enquanto tudo isto tiver como foco esta família vilificada e hoje cada vez mais só, em Angola e no estrangeiro, João Lourenço não terá problemas de fracções dentro do MPLA. Se ele decidisse fazer uma limpeza realmente estrutural, a situação dentro do partido inverter-se-ia de forma abrupta”, afirma Ricardo Soares de Oliveira, que é professor de Política Internacional da África no Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Oxford.

Mais envolvidos

Ricardo Soares de Oliveira afirma que, “em termos práticos, rapidamente, a acção anti-corrupção terá de ir atrás de aliados do Presidente, porque eles o merecem, mas também para demonstrar que há um verdadeiro compromisso com a luta contra a corrupção, incluindo quando existem custos políticos e não apenas ganhos”.



De contrário, sublinha o académico português, a ideia de que existe em Angola um novo paradigma terá pouca credibilidade, porque de outros pontos de vista a continuidade é profunda: o mesmo partido, as mesmas pessoas, as mesmas famílias.


“Nunca passaria pela cabeça de investidores estrangeiros que acompanham isto com atenção confundir estas querelas políticas com um verdadeiro processo anti-corrupção. É esta a fasquia que Angola tem de ultrapassar”, diz Ricardo Soares de Oliveira, ao mesmo tempo que dá o exemplo da Nigéria: “sempre que há um Governo novo, vai-se atrás dos que lá estavam antes por corrupção (devido ao carácter do jogo político e económico na Nigéria, quase sempre com boas razões para o fazer)”.

Depois de admitir que a situação actual significa “uma radicalização da ofensiva contra o ex-Presidente, a sua família e alguns dos seus próximos”, o académico português lembra que a maioria dos poderosos da era de José Eduardo dos Santos migraram para a presidência de João Lourenço e por ora ninguém os incomoda.


“Este foco no círculo do ex-Presidente é inteiramente compreensível no contexto de uma política contra a corrupção em Angola: faz sentido focar-se antes de mais naqueles que foram dominantes no ancien regime (antigo regime), e cuja presença na economia se tornara avassaladora”, afirma, na entrevista ao diário português Público, sublinhando que é um desenvolvimento impensável em Angola há apenas três anos.