Lisboa - Parte da fortuna de Isabel dos Santos foi usada em negócios com uma empresa de Andrea e Pierre Casiraghi, filhos da princesa Carolina, do Mónaco. Segundo os documentos do “Luanda Leaks”, o mais recente projeto do consórcio internacional de jornalismo de investigação ICIJ, Isabel dos Santos e o seu marido, Sindika Dokolo, desembolsaram 55 milhões de dólares (cerca de 50 milhões de euros ao câmbio atual) para comprar um luxuoso apartamento no Mónaco. Quem o construiu? A Fine Properties Monte-Carlo, empresa que junta a família Casiraghi ao grupo italiano Pizzarotti.

Fonte: Expresso

No rés do chão do edifício Petite Afrique podemos encontrar a primeira loja Dolce & Gabbana do Principado do Mónaco. O edifício, com dez andares, foi um dos mais importantes projetos imobiliários de Andrea e Pierre Casiraghi. Custou cerca de 450 milhões de euros. Tem piscina e vista sobre o Mediterrâneo, situa-se na zona de Monte Carlo. O sexto andar ficou para Isabel dos Santos e Sindika Dokolo, que o adquiriram discretamente: não em nome pessoal, mas através da empresa maltesa Athol Limited.

O edifício tem segurança privada durante todo o dia. “Aqui a palavra-chave é confidencialidade”, conta, segundo a Radio France Internationale (RFI), um vigilante do “Petite Afrique”, antes de recusar a entrada de curiosos no edifício.

O contrato de venda do apartamento descreve um amplo apartamento com hall, sala de jantar, com terraço virado a Sul, biblioteca, dois quartos principais e outros dois quartos de serviço para empregados, e direito a quatro lugares de estacionamento. O contrato, noticiado esta terça-feira pela RFI (um dos 36 meios que são parceiros do ICIJ, tal como o Expresso) faz parte do acervo de 715 mil documentos que integram o Luanda Leaks.

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Isabel dos Santos e Sindika Dokolo criaram a sociedade instrumental para o investimento no Mónaco a 8 de novembro de 2012, em Malta. A empresa que comprou o apartamento chama-se Athol Limited. Entre os responsáveis da empresa figuram o advogado português Jorge Brito Pereira e o advogado maltês Noel Scicluna, antigo embaixador de Malta na Dinamarca, país do qual Sindika Dokolo tem cidadania.


A Athol começou por ter como acionista único Sindika Dokolo. “É um investimento imobiliário. Não vivemos no Mónaco. Não tem nada de ilegal, nem vejo o que haja a comentar”, declarou Sindika Dokolo à RFI e ao ICIJ.

Mas em 2014 Dokolo vendeu a sua posição à mulher. Isabel dos Santos ficou com 1999 ações da Athol e Jorge Brito Pereira com uma ação apenas. Uma solução similar à que o casal usou em vários negócios imobiliários pelo mundo fora, de Angola a Londres, passando pelo Dubai e Lisboa.

Sindika Dokolo justificou estas estruturas empresariais com a necessidade de proteger os seus bens. “A minha família sempre privilegiou a montagem de holdings empresariais para se proteger ao máximo da expropriação por parte do poder político”, explicou o marido de Isabel dos Santos, citado pela RFI.

Foi Jorge Brito Pereira, advogado de máxima confiança de Isabel dos Santos, que assinou o contrato de compra do imóvel, em dezembro de 2015. E num negócio desta dimensão (mais de 50 milhões de dólares) as comissões foram avultadas.

A burocracia foi entregue a Nathalie Aureglia-Carusio, rendendo-lhe honorários de 3,2 milhões de euros por parte da Athol Limited. No negócio participaram também a Banca Popolare di Sondrio (PBS, da Suíça) e o BPI (do qual Isabel dos Santos era acionista), bem como vários prestadores de serviços, entre os quais a sociedade de advogados portuguesa PLMJ (da qual Brito Pereira fez parte até 2016). A auditora PwC ficou responsável pelas contas da Athol.

Noël Buttigieg Scicluna, um dos administradores da Athol Limited, quando questionado pelo ICIJ, reconheceu dirigir várias empresas de Isabel dos Santos. “Não há nenhuma estrutura complexa e absolutamente nenhuma tentativa de dissimular que a propriedade [do imóvel] é da senhora dos Santos”, respondeu.


O edifício onde está o luxuoso apartamento de Isabel dos Santos chama-se Petite Afrique mas não é por ter a empresária angolana como moradora. Deve o seu nome às plantas tropicais que aí foram colocadas, no projeto desenhado pelo arquiteto brasileiro Isay Weinfeld.

Foi na véspera do seu casamento, em 1983, que Stefano Casiraghi fundou a empresa de construção Engeco. Com a sua morte, em 1990, são os filhos, Pierre e Andrea, que herdam o património. Eram então menores e foi o tio, Marco Casiraghi, que tomou conta do negócio. A Engeco transformar-se-ia mais tarde em Fine Properties Monte-Carlo (FPMC).

Pierre e Andrea Casiraghi vêm frequentando o círculo de Isabel dos Santos e Sindika Dokolo. Andrea, por exemplo, tem participado nas festas anuais da marca de joalharia De Grisogono, comprada por Dokolo em 2012. O advogado da FPMC reagiu com indignação às perguntas do ICIJ, afirmando que “os senhores Pierre e Andrea Casiraghi não têm qualquer ligação com a senhora Isabel dos Santos e/ou o senhor Sindika Dokolo”.

Antes das primeiras revelações do Luanda Leaks, o Expresso revelou a abertura de uma investigação das autoridades do Mónaco. A informação foi confirmada por um funcionário do serviço de investigação criminal de Angola, que indicou estar em “estreita colaboração” com a Interpol, nomeadamente por suspeitas de branqueamento de capitais.

O gabinete da Interpol no Mónaco abordou as autoridades angolanas no final de 2019 para saber se estaria em curso alguma investigação ou algum processo contra Isabel dos Santos, José Eduardo dos Santos e Sindika Dokolo. Antes da publicação dessa notícia, Isabel dos Santos não respondeu às perguntas então colocadas pelo Expresso.