Lisboa - Rui Pinto será mesmo a fonte dos documentos do Luanda Leaks sobre os negócios de Isabel dos Santos, disse ao DN William Bourdon, o advogado francês que está com o hacker português desde o caso Football Leaks, de que também foi o denunciante. "É ele a única fonte. O Rui Pinto é o Edward Snowden da corrupção internacional", diz Bourdon ao DN. "Tem a mesma escala de importância."

Fonte: DN

Os documentos do Luanda Leaks terão sido entregues por Rui Pinto a William Bourdon e à Plataforma para Proteção de Whistleblowers em Africa (PPLAAF) de que o advogado francês é diretor (além de ter defendido Julian Assange e Hervé Falciani, no Swiss Leaks, Bourdon pertence a várias plataformas internacionais de defesa de whistleblowers). Esta plataforma foi constituída em 2017 para defender em África denunciantes de casos de corrupção.

 

Segundo o comunicado lançado na segunda-feira, os documentos entregues por Rui Pinto no final de 2018 foram depois partilhados com o consórcio de jornalistas internacionais ICIJ para tratamento mediático e o resultado desta investigação de 120 jornalistas de 36 meios de comunicação social em 20 países (da qual o Expresso faz parte) tem sido publicado nos últimos dias, com várias consequências reais, como a investigação interna da firma de consultadoria PWC, a saída de Isabel dos Santos do EuroBic e da Efacec - já anunciada - e o abandono dos seus advogados. E, claro, a morte do gestor de conta do EuroBic, ainda não totalmente esclarecida.


Não é completamente claro como Rui Pinto chegou aos documentos agora conhecidos, que incluem dados tão específicos como faturas das obras nas casas de Lisboa e de Londres de Isabel dos Santos, e outros, mais institucionais, como as transferências realizadas para offshores a partir da petrolífera angolana Sonangol. Mas há uma coincidência inegável: o advogado da empresárias angolana, Jorge Brito Pereira, era sócio da PLMJ desde 1998 e estava na sociedade quando o hacker terá entrado nos seus computadores para apurar dados sobre o Benfica.

 

Terá sido por aí que começou o fio da meada desta investigação - que depois ganhou contornos mais complexos, ainda não explicados. Na altura da intromissão na PLMJ apenas foram divulgados (e depois proibidos pela Justiça) documentos relativos à Operação Marquês, ao caso EDP e ao processo e-Toupeira. Ao todo terão sido acedidos dois terabytes de informação.

 

Alguns dos documentos terão sido recolhidos nos computadores das próprias empresas de Isabel dos Santos - logo no início da investigação, Sindika Dokolo, o marido de Isabel dos Santos, também visado na investigação, já tinha acusado Rui Pinto, confirmando que as empresas do casal tinham sido alvo de um ataque informático no final do ano passado. "Nós sabíamos que várias das nossas empresas tinham sido alvo de um hacker português, estes documentos foram guardados e estão, hoje, a ser instrumentalizados para controlar por completo os nossos bens no estrangeiro», disse Sindika Dokolo à rádio France Internacional, RFI.

Processo ajuda à defesa de Rui Pinto?

A decisão de tornar público o papel de Rui Pinto em toda esta investigação é uma estratégia dos advogados - William Bourdon está acompanhado de Francisco Teixeira da Mota no processo em Portugal - e visa também fortalecer a sua posição como "denunciante", estatuto que, até agora, não lhe tem sido muito útil no processo que decorre em Portugal no âmbito dos Football Leaks, de que também é autor.

O hacker está acusado de 75 crimes de acesso ilegítimo e 70 de violação de correspondência, um de extorsão na forma tentada, outro de sabotagem informática, tudo isto pelos documentos que divulgou, segundo a acusação, por ter acedido aos computadores do Sporting, da Federação Portuguesa de Futebol, da Procuradoria Geral da República, da PLMJ e da empresa de direitos desportivos Doyen Sports.


Mais uma vez, a PLAAF acentua que Rui Pinto pretendeu "expor atividades que são ilegais ou contrárias ao interesse público". Diz o comunicado divulgado na segunda-feira de manhã que "Pinto tinha participado na revelação dos Football Leaks, com dezenas de milhões de documentos de contratos, transferências, comissões e evasões fiscais no mundo do futebol. Estas revelações e a cooperação de Rui Pinto com muitas autoridades europeias levaram a investigações judiciais em vários países".


O comunicado faz questão de dizer que "muitos meios de comunicação internacional consideram-no um denunciante", numa resposta direta à justiça portuguesa. Aliás, no processo que decorre em Portugal, o Ministério Público (MP) não o poupou na acusação, pedindo ao tribunal que mantenha o hacker em prisão preventiva até ao seu julgamento - algo que, segundo os críticos da decisão, vai contra as regras internacionais de proteção de denunciantes, nomeadamente diretivas recentemente aprovadas no Parlamento Europeu.

Isto porque, segundo o MP, apesar de publicamente a sua defesa ter garantido que Rui Pinto estava disponível para colaborar com a investigação, nunca terá chegado a concretizá-lo. Ainda nesta semana, depois da manchete do Público em que se dizia que alguns dos documentos encontrados no ICIJ eram coincidentes com o processo do caso do futebol português, a Direção da PJ negou que tivesse esse conhecimento, acentuando mais uma vez que Rui Pinto se recusava a dar acesso aos dados encriptados. Esta "falta de arrependimento", assinalou ao DN uma fonte judicial que acompanha o inquérito, "só veio agravar a situação penal do arguido", que foi acusado de 147 crimes e vai responder por 90.

Processo sem motivação política

No comunicado, a PLAAF faz ainda questão de dizer que o "Luanda Leaks não tem qualquer motivação política", além desta, genérica, afastando a relação com o processo que já decorre em Angola contra Isabel dos Santos - recorde-se que, desde 30 de dezembro, os bens e as contas de Isabel dos Santos foram arrestados judicialmente e a empresária foi constituída arguida.

 

"A PPLAAF espera que os Luanda Leaks levem a investigações mundiais e promovam a luta contra a impunidade em crimes económicos", diz William Bourdon no comunicado. Por isso, segundo o advogado francês, "a PPLAAF tem o prazer de verificar que mais uma vez é um whistleblower que revela ao mundo ações que vão contra o interesse público internacional. Como no caso dos Football Leaks, estas revelações deviam permitir que novas investigações sejam lançadas e ajudar-nos a combater a impunidade, em Angola e no mundo."