Luanda - O economista e jornalista João de Almeida diz manter uma opinião muito própria a toda a actualidade política, jurídico e económica provocada pelas mais recentes revelação do consórcio de 120 jornalistas, conhecido como “Luanda Leaks”.

Fonte: Economia & Finanças

“Luanda Leaks” destapa o desfalque financeiro de isabel dos Santos. Até que ponto este saque de dinheiro público prejudicou o desenvolvimento de Angola e influenciou negativamente no ambiente de negócios?

Há dois aspectos fundamentais a reter em relação a isso. Não são os 1,3 mil milhões de dólares que colocam Angola numa situação difícil, muito menos influencia o ambiente de negócios. O acesso de Isabel dos Santos às facilidades de “crédito” concedidos pela Sonangol era uma prática nor- mal no país. Segundo aspecto: o ambiente de negócios é muito mais do que isso. A atracção de investimento, quer nacional, quer estrangeiro, dependem de vários factores e que eu saiba, ela nunca foi um factor negativo no “Doing Business”.

Pode explicar-se melhor?

A empresária, em sentido contrário a tudo o que se diz, fez investimentos no estrangeiro, identificados pela “Luanda Leaks”, mas que nunca foram reflectidos na balança de pagamentos do país. Por via dela, a Sonangol entrou para o mercado bolsista português pela via do Millennium BCP e pela GALP pela via indirecta da Amorim Energia. Isabel dos Santos e a Sonangol detêm participações na Esperaza que, por sua vez, é accionista da Amorim Energia. Eu tenho uma opinião diferente sobre todo este processo, porque acho que há mais-valias que deviam ser protegidas, respeitando, obviamente, as reclamações do Estado de que deve ser ressarcido dos empréstimos.

Como foi tudo isto possível?

Que medidas urgentes devem ser tomadas no sentido de se ter o dinheiro de volta? Foi possível porque havia uma política de Estado de acumulação primitiva de capital em que os anteriores membros do Governo, o MPLA, aprovaram. Esteve assente num determinado contexto e conjuntura. Não conheço os critérios de acesso a esta política de acumulação de riqueza, mas houve muita gente que teve acesso a ela. É inquestionável. Tal como na África do Sul, tal- vez não tivesse havido critérios de acesso a ela e o resultado é o que nós assistimos hoje. Com as devidas excepções, ela não beneficiou a economia.

Para que possamos ter os investidores, é necessário o factor confiança, agindo com realismo sobre estes casos financeiros, os nossos níveis reputacionais sobem?

Este dinheiro foi transferido para paraísos fiscais para uso próprio sem retorno para a economia. Este dinheiro não voltará ao país. Portugal é o elo mais fraco e quem investiu em Portugal está hoje sujeito ao oportunismo de alguns portugueses que hoje já acham que precisam “nacionalizar” estas participações. A favor de quem? Quem serão os beneficiários das participações que Isabel dos Santos tem no Eurobic, na Nós e outras empresas em que os reguladores portugueses já se pre- param para anular a participação da empresária angolana? Certa- mente não será Angola.

Qual seria a posição mais acertada de Angola?

O IGAPE deveria assumir o seu papel, nesta fase, e ficar com a guarda destas participações até que o problema seja resolvido em tribunal. A nossa reputação nos mercados internacionais já era em si beliscada por casos de corrupção, de interferência do poder político na justiça, os direitos de propriedade etc. Com este caso, as suspeições sobre esta interferência aumentaram.

Está a dizer que haveriam outras vias de resolução deste diferendo?

Este conflito que opõe Isabel dos Santos ao Estado angolano poderia ter sido resolvido de outra maneira. A exposição que o caso está a ter nos mercados internacionais envergonham qualquer patriota e o espaço público português está a fazer o melhor aproveitamento possível a seu favor. É óbvio que a “bandeira” de luta contra a corrupção do Presidente João Lourenço aumenta os nossos níveis reputacionais nos merca- dos, mas é preciso mais. Muito mais. De Janeiro a Setembro do ano passado Angola atraiu em IDE pouco mais de 300 milhões
de dólares. Investimento efectivo. É muito pouco.

Que país economicamente temos e o que se deve fazer para “sacudir o capote” e caminhar rumo à estabilidade?

O Presidente encontrou uma economia depauperada. Está a fazer o seu melhor. Precisa ser mais assertivo na política fiscal, cambial e sobretudo nas medidas de recuperação económica. A qualidade da despesa é sofrível. O PAC prevê aumentar os níveis de produção agrícola para baixar os custos com a importação, mas o OGE para 2020 prevê despesas com a agricultura de apenas 1 por cento da despesa. Não é possível. O crescimento para 2020 está projectado para 1,8 por cento. Algumas organizações internacionais fizeram um downgrade para 1,3 e 1,5 (Banco Mundial e FMI), mas o crescimento populacional está acima dos 3,0 por cento. Neste aspecto o governo do Presidente João Lourenço está a contar com a colaboração de empresários e técnicos, mas ele precisa de pessoas corajosas na equipa económica. A Ministra Vera Daves é uma das pessoas corajosas. No Conselho Consultivo do Ministério das Finanças ela foi corajosa ao dizer aquelas coisas.

Estes factos ligados ao Luanda Leaks, não parecem novos? já haviam fortes indícios?

Não são factos novos. Já foram denunciados por vários especia- listas nacionais e estrangeiros. Mas eram uma minoria. É preciso que no debate institucional e no espaço público e publicado tenhamos pessoas com autoridade moral e capacidade de influência para moderar o discurso odioso que tomou conta do país. Este discurso faz- -me lembrar a famosa obra Com- portamento de Robert Sapolsky. Não pode e não devem ser as instituições do governo a promo- ver o discurso do ódio contra um cidadão seu. Para provar que houve um acto de obtenção indevida de recursos, o Estado não precisa destruir a reputação da pessoa. Se o Estado se acha lesado então deve recor- rer à justiça para recuperar o que acha ser seu.

A nomeação de IS a PCA da Sonangol elevou os níveis de suspeição?

A Isabel dos Santos esteve na Sonangol pouco mais de 8 meses. Não teve tempo para fazer parte do circo maior. Ela disse à RTP que foi para a petrolífera para organizar a empresa que enfer- mava de problemas graves de gestão e que estaria, provavelmente, numa situação de bancarrota. O anterior PCA, o engenheiro José Maria de Lemos (??) já havia afirmado que com aquele modelo de negócios a empresa estava fadada ao fracasso. E foi o que estava a acontecer.

Quem são os verdadeiros culpados por estas situações a nível da nossa economia?

As possíveis saídas, agora? Culpados? Não sou adepto da “teoria da culpa”. O que interessa hoje é procurarmos ultrapassar os pro- blemas e, juntos, trabalharmos para que o país consiga finalmente encontrar os caminhos do desen- volvimento. O país é dos que está em risco de sobrendividamento. É grave. O Presidente assumiu o IDE é fundamental. E é. Traz conhecimento e, sobretudo, cria emprego que é fundamental para o aumento do consumo e para a estabilidade social. Como disse o Presidente, os investidores devem acreditar na seriedade do actual Executivo e na capacidade de regeneração da economia angolana. É preciso agora melhorar o ambiente de negócio, reduzir a dívida pública (atrasados) que hoje por conta da desva- lorização atingiu os 110 por cento do PIB. Ainda é controlável, mas devemos aumentar o crescimento.

Precisamos caminhar, pois temos outras prioridades...

Angola precisa reencontrar o caminho do desenvolvimento, mas tem de evitar estar nos palcos internacionais pelos péssimos motivos. E este processo Luanda Leaks é a antítese dos discursos do crescimento e da estabilidade. Só por conta da “Luanda Leaks”, a Sonangol estava a perder no início da semana 1,60 por cento da sua participação na GALP. Dá que pensar de certeza!