Luanda - “Setecentos e noventa dias após a demissão de Isabel dos Santos em 15 de Novembro de 2017, republico, com as devidas adaptações, em pleno furacão “Luanda Leaks”, a crónica que, a 20 de Outubro de 2016, publiquei neste jornal intitulada “Os 100 dias da Engª Isabel dos Santos”.

Fonte: NJ

Gostaria de não ter tido razão no que escrevi. Mas, Cassandra, estava por perto, e escreveu-se na pedra o nosso canhestro vaticínio como uma maldição para desgraça da D. Isabel, do Sr. José e do resto do país”…

 

Os dias de graça, que constituíram os primeiros 100 dias da Engª Isabel dos Santos a frente da Sonangol, entram agora para um período sem graça. A sua entrada de rompante agora como “pivot” do “Luanda Leaks” tanto pode dizer muito, como pode vir a dizer nada. Tanto pode ser um ponto de viragem, como pode vir a ser um ponto de enterro.

 

Aqueles dias tanto poderiam servir para desmantelar as “orgias” financeiras, que no passado fizeram da Sonangol um Estado dentro doutro Estado, como poderiam vir a redundar, como redundaram, em bricolagens sem quaisquer créditos dentro e fora do país…

 

Aqueles dias confirmaram que era inadiável desalojar interesses instalados. Cortar vícios crónicos que conferiam alguns altos funcionários da Sonangol o estatuto de (son)angolanos de primeira, ficando a manada com a medalha de (son)“angolares” de segunda…

 

Ninguém tem dúvidas de que era preciso estancar o desvario para que a Sonangol deixasse de ser vista pelas companhias estrangeiras operadoras e prestadoras de serviço como uma prostituta.

 

Apoiei, por isso, a intenção de se apurar a titularidade dalguns activos da Sonangol em Angola, no estrangeiro ou em águas profundas parqueados em certos paraísos fiscais, sob indébita apropriação dos nossos queridos representantes na cleptocracia internacional…

 

Ninguém tem dúvidas de que era preciso concentrar a sua actividade exclusivamente no seu cor bussiness: pesquisa, produção e distribuição de combustível. Ninguém tem dúvidas de que perante os nossos habituais arrufos de arrogância, afinal, nunca havíamos percebido aquilo para que, em Maio de 2006, Paul Collier, académico britânico, nos alertava ao olhar para o paradoxo da abundância na nossa pálida paisagem.

 

Paradoxo que está naquilo que são hoje a Malásia e a Singapura, por um lado e, por outro lado, naquilo que são a Nigéria e Angola.

 

E a verdade é que esse paradoxo, volvidos quase quarenta anos, destapou a crise de confiança do antigo Presidente em relação as instituições ao revelar, num universo de milhões de angolanos, que só confiava na filha para dirigir a Sonangol…

 

Esse paradoxo da abundância, sem camuflar responsabilidades, ameaçava transformar, como estão transformadas, potenciais soluções em graves problemas.

 

Os dois últimos antecessores da Engª Isabel dos Santos, primeiro o Engº Manuel Vicente e depois do Drº Francisco Lemos, tiveram os seus momentos de bonança. E, logo a seguir, também momentos de desgraça.

 

O último tentou corrigir alguns “tiros” do primeiro mas, centralizador, se estancou o derrame, acabou por asfixiar os sobreviventes e por embrulhar a Sonangol numa trapalhada burocrática incompatível com a dinâmica da indústria petrolífera. Não deveria ter ido por aí…

 

À liderança de Manuel Vicente ninguém pode ter dúvidas de que se deve o mérito de, à pala da alta do preço do barril do petróleo, numa década, ter proporcionado a expansão e a internacionalização da Sonangol.

 

Mas, também ninguém pode ter dúvidas de que houve derrapagens e essas derrapagens não podem igualmente deixar de lhe ser assacadas. O engenheiro electrotécnico que veio da antiga Sonef cometeu erros?

 

Sem dúvidas que sim! Foi demasiado expansionista e esse expansionismo pessoal expos a sua imagem a uma fragilidade verdadeiramente confrangedora, tornando- hoje politicamente vulnerável. Não deveria ter ido por aí…

 

Foi demasiado ingénuo e essa ingenuidade, expressa na cega e ilimitada confiança depositada nalguns dos seus “homens de caserna”, redundou na perda de controlo do gigantismo da Sonangol, tornando-o hoje eticamente indefensável. Não deveria ter ido por aí…

 

Mas, é providencial não esquecermos que algumas das grandes decisões de alto risco assumidas pelas sucessivas lideranças da Sonangol, e que no passado mereceram o elogio dos que hoje as criticam, tiveram sempre o “agreement” do poder político.

 

Muito do que fizeram, fizeram-no com a cumplicidade do detentor desse poder e, por isso, ter o antigo Presidente a lavar as mãos como pilatos, não parece ser eticamente aceitável.

 

Muito do que o principal alvo da ira de Isabel dos Santos, o eng. Manuel Vicente fez, fê-lo ao abrigo do contrato de confiança selado com o seu pai.

 

Nalguns casos fez porque o ex-Presidente queria que se fizesse assim. Noutros casos porque o Estado não tinha como fazer diferente. Em ambos os casos, de um e do outro lado, não há só inocentes. Há também muitos pecadores!

 

Mesmo que depois os contratos de confiança selados pelo pai com as lideranças da Sonangol tenham sido rasgados, a Engª Isabel dos Santos, na sua cruzada, ao sentir-se tentada a imputar responsabilidades exclusivamente às anteriores administrações pelo estado a que chegou a Sonangol, não se deveria esquecer de um pormenor: não deveria ignorar a teia de cumplicidades subterrâneas que oleou e cruzou na mesma panela interesses do Estado com o ADN de quem teve sempre
a faca e o queixo à mão para decidir por todos…

 

Com a faca e o pai(o) na mão, ao enveredar por esse atalho, Isabel dos Santos, provocando atritos e birras infantis, não percebeu que poderia abrir novas feridas, que nunca mais se poderão cicatrizar.

 

Por isso, há três anos, aconselhei-a: Eng Isabel dos Santos, não vá por aí. Não siga esse caminho que ao levar o selo de um perigoso processo de caça às bruxas, pode vir a alimentar ódios e a acirrar o espírito de revanche. Não, não vá por aí…

 

Não vá porque é um caminho cheio de minas e armadilhas. As lâminas da tesoura estão a ser abertas para cortar a direito o passado.

 

Abra, porém, essas lâminas com cuidado porque se forem fechadas à força, como alerta Vasco Pulido Valente, poderão não se fechar em paz. Não, não vá por aí…

 

Não cuspa no prato que lhe deu de comer para que pudesse hoje ter meio mundo a falar …… da sua galinha dos ovos de ouro: a UNITEL. Não, não vá por ai…

 

Faça a cirurgia com pinças e não aceite que lhe ofereçam um machado de guerra. Seja agressiva mas não dê margem a que tomem a agressividade por agressão. Imponha autoridade, mas não deixe que pensem que é autoritária. Não vá por aí…

 

Não perpasse para a opinião pública a ideia (falsa) de que tudo o que foi feito pelos seus antecessores, foi mal feito. Veja nos erros dos outros, uma oportunidade para não repetir, de outra forma, os mesmos erros.

 

Não se esqueça que os quadros são os ovos da companhia. Não importa que tenham sido admitidos na administração de Manuel Vicente ou que tenham ingressado no tempo de Francisco Lemos.

 

Não se esqueça que sem eles, não conseguirá nunca fazer omoletes. Não se embrenhe numa política de terra queimada. Exerça o poder, mas não subestime a inteligência e as capacidades de quem melhor conhece a companhia.

 

Não se esqueça que a Sonangol é uma empresa pública, logo antes de ser acionista lá fora, cá dentro é apenas gestora.
Dê passos em frente sem pisotear o que ficou para atrás. Atente na validade do legado dos seus antecessores e não se fixe nas miudezas. Projecte o futuro mas não se atormente com o passado. Não, não vá por aí…

 

E não se esqueça que a cadeira que hoje ocupa, amanhã será ocupada por uma outra pessoa. Esquecendo-se, agora perguntam-lhe: como foi que passou de não executiva a…mandona da Sonangol? Nós sabemos como foi…

 

E, sabemos também que, afinal, não deixamos de ser aquilo que continuamos a ser: arrogantes, irresponsáveis, vingativos e convencidos!

 

O que a Engº Isabel dos Santos ainda não sabe é que o seu pedantismo hoje, já não serve para nada. Por isso, não deve, como suicida sem fronteira, mergulhar numa “intifada” contra uma parede inamovível: o Estado.

 

Evite escoriações, reconheça as falhas, abrace a humildade e desafete-se da mentira, a sua maior patologia.

 

E sobretudo, não perca de vista que o tempo em que o petróleo e o poder do seu pai serviam para a menina fazer chantagem a meio mundo acabou. Acabou e, por isso, não vá por aí, que ainda vai a tempo…

 

Com a faca e o pai(o) na mâo, Isabel dos Santos abriu feridas que podem vir a não cicatrizar