Brasil - Por meio de empresas “offshor” abertas no Panamá, mais de 70 milhões de dólares que terão sido desviados da companhia petrolífera angolana foram investidos em hoteis de luxo e casinos, em Punta del Este. Mas, sem “sorte”, os déficis terão somado mais de um bilhão de dólares. E no fim, o negócio seria despachado no “arreiô arreiô”. Aconteceu entre 2003 e 2015.

* N. Talapaxi S. (Repórter da Diáspora)
Fonte: Club-k.net

12 ANOS DE JOGOS DE AZAR NO URUGUAI

A cidade de Punta del Este, a 130 Km ao Sul de Montevidéu, capital do Uruguai, é conhecida como paraíso turístico, o mais expressivo balneário do país e um dos mais luxuosos da América do Sul; tem sido destacada como refúgio de muita gente mundialmente famosa entre artistas, desportistas e “socialites” abastadamente milionários, que mantém mansões por lá. E uma das suas mais atraentes e lucrativas actividades são os casinos.


Em 2002, enquanto Angola alcançava definitivamente a paz, no dia 4 de Abril, depois de tantos anos devastada pela guerra, um grupo ligado a empresa estatal petrolífera do país desembarcava naquela “Saint- Tropez sul-americana” para investir no ramo hoteleiro de luxo e no rentável empório de jogos de azar. Barris de milhões de dólares da Sonangol começariam a ser derramados.


Era no mínimo curioso, para muitos observadores locais, que de um país devastado por décadas de guerra e figurado entre os mais pobres pelo indice de desenvolvimento humano, viesse um grupo de pessoas tão endinheiradas disposto a investir num nincho de elite.

POR TRÁS DE SOCIEDADE ANÓNIMA


Terá sido no primeiro trimestre de 2002 que foi constituída a empresa Vidaplan S.A. (Sociedade Anónima), domiciliada na região de La Barra, Punta del Este, Departamento (província) de Maldonado; inscrita nas indústrias de hotéis, resorts, linhas de cruzeiros, casinos e jogos. Em Março o Ministerio do Turismo uruguio tinha aprovado o projecto da empresa e o classificado com a categoria “cinco estrelas”.


A resolução que autorizava a Direcção Nacional de Casinos, do Ministerio da Economia e Finanças, a instalar e operar um casino num complexo turístico, conforme o projecto da Vidaplan SA, foi publicada no Diario Oficial de 12 de Junho de 2002. Sendo um complexo turístico de categoria internacional “cinco estrelas”, não se fazia necessário o procedimento de concurso público para a celebração do contrato.


No Uruguai, com uma excepção, a maioria dos casinos é de parceria entre o governo e os privados. Ao estabelecer esse sistema misto, o Estado entende que deve realizar a explorar dos jogos, os lucros são dividendos e os serviços turísticos são a contraparte privada. Com a Vidaplan o acordo previa 15 anos de exploração do casino.


Credenciados, os novos investidores, associados com o empresário italiano Giuseppe Cipriani, perspectivavam dar uma guinada no mercado, renovando o Hotel Cipriani, que existia há mais de 20 anos, belamente localizado a 500 metros do mar e abraçado pela vegetação da floresta Manantiales.


Em Novembro de 2003 o complexo Cipriani Spa & Resort foi reinaugurado. Tudo indica que foi com todos os luxos “cinco estrelas” que o turismo de Punta del Este exige. Além do casino com mais de duzentas máquinas de jogos, contava-se agora com um dos maiores e o mais completo “spa” da região, composto de programas personalizados para os aficionados em terapias, rejuvenescimentos e tratamentos de beleza.


A confirmação do que se ouvia dizer apareceu num relatório do Tribunal de Contas da República (TCR) do Uruguai, de 9 de Janeiro de 2009, citado pela Yogonet Gaming News complementado por um edital de sindicalistas. Segundo os documentos, os proprietários da Vidaplan SA eram as empresas Solaris Equities (27,75%) e Rigate Holdings Inc. (72,25), sediadas no Panamá; sendo que a Rigate Holdings Inc. pertencia a Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (Sonangol).


Importa abriu parênteses para o facto de que em 2002 uma reportagem do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) mostrava como parte da renda de Angola com o petróleo era desviada. Na denúncia, o ICIJ apresentava estimativas de que no ano 2000 até um bilhão de dólares teria sido subtraído, dos 6,9 bilhões de dólares que tinham sido exportados pelo país. E grandes somas tinham sido transferidas do paraíso fiscal britânico de Jersey para contas privadas, inclusive de membros do governo.


A Direcção Nacional de Casinos do Uruguai, ao informar quem eram os constituintes da Vidaplan SA, apresentou também ao Tribunal de Contas da República a prova notarial de um banco das Ilhas Anglo- Normandas - justamente onde fica a ilha britânica de Jersey - indicando que foi lá que a Sonangol tinha depositado os 50 milhões de dólares que serviram para investir no país sul-americano.


Na senda da constituição da sociedade anónima Vidaplan, terá sido nessa altura que os investidores ligados a empresa petrolífera de Angola, fundaram o “Mantra Group”, por meio do qual perspectivavam desenvolver uma rede de indústria hoteleira, que depois foi estendido para o Nordeste do Brasil.


O site económico ambito.com mostra que depois de uma temporada de verão em que as coisas não tinham resultado como se esperava, o Grupo Cipriani e o grupo ligado a Sonangol decidiram pelo divórcio, abrindo-se o caminho para que a Vidaplan SA assumisse o complexo hoteleiro e anunciasse a sua primeira unidade do “Mantra Group”.


Em 21 de Agosto de 2004, o “Cipriani Spa & Resort” deu lugar ao “Hotel Mantra Resort, Spa & Casino”. A mudança exigiu um desembolso de cerca de seis milhões de dólares, destinados a mudar todos os copos, louças e talheres, e instalar outras extensões de serviços, segundo o novo gerente do hotel, o espanhol Nicolás González, referido pelo Yogonet Gaming News.


MAIS APOSTAS EM JOGOS DE AZAR

O Mantra Resort Spa & Casino parecia velejar à toda proa, ganhando menções como o prêmio de melhor resort de spa do Uruguai em 2007, pelo World Travel Awards. Mas antes que ele começasse realmente a gerar lucros, a Vidaplan SA partiu para mais um investimento.


No final de Fevereiro de 2009, o grupo anunciou uma injecção de 18 milhões de dólares para recuperar o edifício de um dos mais antigos e tradicionais salões de jogos uruguaio - o Hotel Casino Nogaró. Construído e pertencente a uma familia argentina desde o fim dos anos de 1930, o imóvel estava alugado ao Estado mas amargava uma deterioração que o desvalorizava; situação reconhecida pelos proprietários.


No acordo com o governo, a Vidaplan instalaria quatro cinemas, um teatro, dois restaurantes, uma boate e um bar, além de reciclar a galeria Sagasti (dos donos do edificio) e remodelar e operar o cassino - que contaria cerca de 300 novas máquinas de jogo, avaliadas em 15 mil dólares cada uma.


Dos lucros líquidos gerados pelo novo casino, 42% seriam do grupo investidor e o restante seria do Estado. Nos 15 anos de vigência do contrato, a empresa esperava recuperar o seu investimento em, no máximo, oito anos, conforme declarado pela presidência da Vidaplan SA.


A partir daí o negócio anónimo da Sonangol estaria presente nos dois principais polos turísticos de Punta del Este: a região do La Barra (Hotel Mantra); e a região do centro (Hotel Nogaró By Mantra).


A familia Sagasti continuaria recebendo pelo arrendamento do prédio: o acordo previa o pagamento de cerca de 850 mil dólares mensais por parte do grupo da Sonangol que, por sua vez, sublocaria a estrutura à Direcção Geral de Casinos. Dados actualizados do Tribunal de Contas da (TCR) em Janeiro de 2013, mostram que o Estado pagava à Vidaplan 339 mil dolares mensais mais o IVA - 4.9 milhões de dólares por ano, incluindo o IVA.

O negócio levantou controvércias acaloradas no mercado, com o governo sendo acusado de favorecer os investidores da petrolifera angolana em detrimento de certas normas e acordos. Mas as autoridades replicavam que nada daquilo procedia. E a Vidaplan já pensava em outro empreendimento.


Numa entrevista ao Elpaís, em 2012, o presidente do grupo, Tony Lemom, referiu-se a preparação do lançamento do Lomas del Real, uma espécie de aparthotel localizado em Colonia del Sacramento - uma cidade que guarda vestígios da época da colonização portuguesa, na região sudoeste do Uruguai, a 180 Km de Montevidéu.

A SORTE NÃO ENTROU NO JOGO


Entretanto, a partir do ano seguinte a sorte parecia ter se virado contra o “jogo de azar” dos investidores paridos pelos fundos da Sonangol. Os faturamentos da empresa, reclamados pelos sindicalistas em defesa dos trabalhadores, não eram suficientes para manter o emprego de cerca de cem funcionários que tinha sido demitidos nas duas unidades do Mantra Group.


Problemas inerentes a alta sazonalidade dos negócios - uma vez que a geração de renda é especialmente concentrada no verão - somados a medidas econômicas tomadas na Argentina, foram apresentados como razões para o declínio das receitas. O presidente da Vidaplan anunciou uma necessária “reorganização operacional e gerencial” do grupo.


A lucratividade empurrada com a barriga e a “reorganização operacional” aos trancos e barrancos fizeram com que o grupo da Sonangol vendesse a Vidaplan SA. O consórcio argentino Casinos del Litoral comprou 34% das acções e a outra parte - 66%, foi arrematada pelo grupo de investimentos Brooke Avenue, do milionário ítalo- nigeriano, Gian Angelo Perrucci, também do ramo de petróleo e bem relacionado com angolanos endinheirados.


As cifras que envolveram a transação, pelo que se pode observar, nunca voram divulgadas, nem pelas partes envolvidas nem pelas autoridades económicas uruguaias. O magnata “afro-italiano”, dois anos depois da operação, numa conversa com o jornalista Sergio Secinaro, director do semanário Crônicas del Este, avaliou “francamente” que o hotel (Mantra) valia cerca de 35 milhões de dólares - 15 milhões a menos do que o valor que tinha sido pago pela sociedade subsidiária da Sonangol.


No segredo da não divulgação da quantia pela qual foi vendida e na avaliação do seu principal comprador, estava a probabilidade de a Vidaplan SA ter sido arrematada abaixo do custo. A probabilidade aumentou quando Perrucci falou dos déficis acumulados pelo Mantra, antes de comprá-lo.

O empresário revelou que o Estado angolano, através da sua companhia estatal de petróleo, tinha perdido sistematicamente entre oito a 10 milhões de dólares por mês. “Eu não sou uma entidade petrolífera, sou uma entidade privada; eu posso perder um ano, dois, três, mas não posso perder para sempre”, disse Perrucci ao Cronicas del Este. Com isso, calcula-se que de 2003 a 2015 a soma dos déficis da Vidaplan (Sonangol) tenha sido de mais ou menos um bilhão de dólares

PARECE O FIM DO GRUPO MANTRA

Em Hong Kong, ponto de comercialização de petróleo bruto da Sonangol, uma empresa de nome Mantra Group Administration Limited foi incorporada em 20 de Novembro de 2009 - a mesma época em que foi aberto o Hotel Cassino Nogaró by Mantra, em Puntal del Este. De acordo com dados do OpenCorporates, o nome anterior dessa empresa de Hong Kong era Sonangol SA Limitada.


Pelo que mostra a refinaria das fontes, os dois grupos de negócios - tanto o Mantra de Hong Kong quanto o Mantra de Punta del Este, foram extraídos dos poços de petróleo de Angola. Embora na Ásia tenha sido a partir de uma Sonangol SA Limitada e na América do Sul, de uma Sonangol EP, tudo indica que ambas sejam piratas.


Com a venda da Vidaplan SA, o grupo derivado da Sonangol parece ter encerrado as actividades do Mantra Group no Uruguai, em 2015. E, em Hong Kong, segundo a actualização do OpenCorporates, a empresa Mantra Group Administration Limited, que já estava inactiva desde Novembro de 2019, teve a dissolvência consumada no mês passado, n dia 19 de Janeiro de 2020. Mas o Mantra Group continua vivo - no Brasil.

SÓ POR CURIOSIDADE . . .

É coincidência que a Mantra Group Administration Limited tenha sido totalmente dissolvida no dia 19 de Janeiro de 2020, justamente o dia em que mundialmente foi lançada a bomba de investigações Luanda Leaks (?), que vem expondo a pilhagem do erário angolano pela empresária Isabel dos Santos, para o enriquecimento próprio? Ou será que os donos da Mantra Group, vendo a pele da “Mana Belita” pegando fogo, correram para tentar esconder a sua?