Luanda - Vivemos um tempo em que, nunca como agora, se lavou, ensaboou, enxugou e estendeu tanto dinheiro. Nunca como agora se perderam na memória do tempo as lavagens que, no passado, eram feitas em selhas cortadas a meio das pipas de vinho vindas da antiga metrópole. Nunca como agora se falou tanto de lavandarias. Nunca como agora se lavou tanto dinheiro a seco e a molhado. Nunca como agora, as lavandarias tiveram tão alta cotação nas bolsas financeiras internacionais.

Fonte: Novo Jornal

Vivemos um tempo em que, nunca como agora, as lavandarias foram tão disputadas em Angola tanto no mercado formal como sobretudo no mercado informal. Nunca como agora o tempo descobriu tanto gangsterismo no rosto de figuras que se apresentavam à plateia como anjinhos da guarda da nossa moralidade pública. Nunca como agora os crimes de colarinho branco encardiram tantas poltronas cobertas de seda. Nunca como agora se destapou tanta sujidade por entre remessas cavalares de dinheiro de proveniência aparentemente insuspeita. Mas, vivemos também um tempo em que, nunca como agora, do esgoto da corrupção saiu e há-de continuar ainda a sair tanta porcaria…

A procissão, meus amigos, ainda vai no adro mas, nas farmácias, já se regista uma ruptura de stocks de kits de Dodots para limpar a imundície que, durante décadas, andou a emporcalhar a nossa classe política.

Nunca, por isso, como agora, as campanhas de desinfestação do meio ambiente partidário, governamental e empresarial, se revelaram tão importantes e inadiáveis.

Nunca, como agora, os serviços de higienização pública, necessitaram de tanta potassa e esfregão para desinfectar quer a tribuna de honra onde se refastela o poder, quer a bancada central onde se acotovela a oposição.

Porque, nunca, como agora, a corrupção se sentou na sala de visitas da nossa elite política, militar, económica e empresarial como um elefante tão ofensivo.

Porque nunca, como agora, a corrupção havia sido esventrada como a maior calamidade moral de um país, que, vergado ao naufrágio de uma desastrosa condução, passou a ser visto como uma mercadoria ambulante em saldo no

mercado secundário.

Mas, se a corrupção revelou ser portadora de uma capacidade de destruição social letal e se o seu combate impõe-se como inadiável e crucial, a vida do país, que vive para lá da corrupção, não pode ficar refém da estratégia política que lhe está subjacente. Sendo encorajadora e estimulante para a sociedade a cruzada anti-corrupção promovida pelo Presidente, podem, neste caso, os cidadãos pôr em causa o figurino por si abraçado para conferir eficácia à sua iniciativa?

Os cidadãos podem, sim senhor, usar o legítimo direito de discordar e de censurar as opções que o Presidente possa adoptar para levar a cabo a cruzada contra a corrupção. Mas já não me parece que possam questionar a justeza do princípio da inevitabilidade do combate a uma praga que alastrou a todos os orifícios do poder e às entranhas da oposição.

Em boa hora, por isso, irrompeu João Lourenço com uma mensagem de esperança, que propulsionou, desde logo, o resgate do mais importante ativo em democracia enjaulado desde a eclosão da intentona de 27 de Maio: a Liberdade.

O Presidente teve, na verdade, o mérito de ter devolvido aos cidadãos o direito à liberdade de opinião, de indignação social, de crítica governativa e de denúncia aberta da corrupção e da impunidade no topo da tabela classificativa.

Instalada uma nova ordem política, não podemos, porém, perder de vista que, se nunca como nas duas últimas décadas, vivemos tão virados para a tentação do mal financeiro, neste segundo decénio do século, continuamos a não conseguir livrarmo-nos da praga.

Entre estes dois tempos, será fácil agora assacar responsabilidades exclusivas a José Eduardo dos Santos. Entre estes dois tempos, será cómodo depois apontar o dedo a João Lourenço. E logo a seguir, entre um e o outro tempo, não tardará também o dia em que, um novo tempo, encarregar-se-á de fazer o mesmo a Adalberto ou a quem vier a suceder-lhes. Não tenhamos ilusões!

Não vale a pena, por isso, agora tentar montar à pressa um cordão sanitário à volta do Palácio. Não vale a pena, por isso, agora tentar promover à pressa uma campanha contra a mosca de “tsé-tsé” à volta do Conselho de Ministros. Não vale a pena, por isso, agora tentar construir a pressa um “Muro de Berlim” à volta do MPLA. Nem vale a pena agora tentar à pressa instalar uma cerca eléctrica à volta dos governantes-empresários. E muito menos tentar colocar à pressa, sob quarentena, a oposição. Não vale a pena…

Ontem foi Augusto Tomás com papel passado e sentença lavrada em cerimónia pública. Depois foi Zenú dos Santos e Valter Filipe com o cabaz dos 500 milhões a colocar no confessionário uma concorrida audiência.

Pelo meio, arrepio igual ao do filho do Pai-Presidente teve um bem pavimentado Joaquim Sebastião. Arrolados para prestação de contas mal distribuídas estão também Manuel Rabelais e Higino Carneiro, que aguardam pelo chamamento do juiz.

O mesmo itinerário deverá percorrer quem preferiu pescar em águas turvas fora da zona marítima de Angola: Victória de Barros. Mais recentemente assistimos à exposição dos resultados do “checkup” empresarial e das triangulações bancárias de D. Isabel. E em comunhão de sangue e de bens, em simultâneo foi esventrada também a folha de influência política e financeira atribuída ao Sr. José…

Estendidos no quintal, agora os movimentos bancários de Edeltrudes da Costa acabam de pôr em cheque a imagem do Gabinete do Presidente. Testada a sua validade, acabam por representar uma dor de cabeça para o Presidente. E o desfile prossegue a sua marcha imparável no sul do país. Por lá, a seca levou o ex-governador do Cunene a meter também as mãos e os braços no lodo do deserto…

Estando a praga agora a trepar terreno a um ritmo galopante, antes de nos posicionarmos na tribuna de honra para, eufóricos, assistimos à saga de novos arrestos, devemos agora refletir como foi possível chegarmos até aqui.

E concluir que, para a imagem de Angola, mesmo que amanhã a D. Isabel venha a devolver o dinheiro reclamado pelo Estado e a recuperar parte dos bens arrestados, é desonroso ver a Srª José, agora irremediavelmente proscrita do clube dos ricos, “impedida moral e eticamente” de voltar a sentar-se à mesma mesa da elite financeira ocidental por má conduta financeira.

Mesmo que se argumente com a inexistência de uma lei de branqueamento de capitais à data da prática dos desmandos financeiros atribuídos a altas figuras do Estado, para a imagem do nosso país é desonroso ao quadrado ver a nossa elite política ser tratada hoje pela comunidade internacional como um gang de salteadores do erário público.

Não radicando o cancro em exclusivo em José Eduardo dos Santos, nem estando João Lourenço imune ao seu contágio, nem Adalberto protegido com “anti-retrovirais”, nunca como agora, se colocou na primeira linha da causa da crise política e governativa endémica que devasta há anos o nosso país, o modelo de gestão adoptado para a nossa vida pública.

Não sendo esse modelo reformável, reciclável ou importável, de nada valerá irmos à recauchutagem e tentarmos tapar os furos dos pneus com remendos. Mais cedo ou mais tarde, o ar acabará por vazar…

Exposta a crise do sistema em carne e osso, o MPLA – e não apenas o antigo Presidente ou o seu sucessor – dispõe agora de uma oportunidade para se penitenciar.

Mas, a UNITA não se pode rir da desgraça alheia. Depois de ter participado no saque de diamantes e de alguns dos seus dirigentes terem recebido, debaixo da mesa, as sobras do banquete, o principal partido da oposição tem também de se ajoelhar perante a Nação.

Reconhecido o esgotamento dos modelos que ambos defendem, agora só a implantação de um novo sistema político, económico e social insuflará plena credibilidade ao nosso projecto democrático. Agora, só uma visão descomplexada e inteiramente despartidarizada, virada para a concorrência, a transparência e a competência, garantirá robustez ao projecto de economia de mercado.

Como dizia o velho Deng, quando iniciou o processo de modernização da China, não importa a cor do gato, o importante é que apanhe o rato. Como dirão os Deuses do nosso tempo, não importa a cor do cirurgião, o importante é que faça o transplante. Não importa a proveniência do cirurgião, o importante é estripar o cancro. Se não o fizermos, a série “Isabeleaks” continuará a dar à luz novos protagonistas. O aviso está dado.