Luanda - O mais intricado na vida humana é de estar na condição de incerteza, de não saber entre o real e o irreal, e entre o caminho certo e o caminho incerto. A incerteza funda-se no «paradoxo» em que exista uma situação cuja interpretação vai contra o senso comum e a lógica, como dogma. Nesta lógica, o dogmatismo é uma doutrina imperativa, absoluta e incontestável, aceite sem crítica nem exame, assumida como conhecimento absoluto. Na verdade, o dogma contraria a ciência que se funda na investigação metódica das leis que regem os fenómenos. Logo, é na base da dialética, do cientismo, que se permite compreender o objeto diante um estudo renovado, aturado, sucessivo e contínuo da evolução do fenómeno, em cada etapa da sua história.

Fonte: Club-k.net


A história, no ponto de vista analítico, permite-nos avaliar bem a natureza dos fenómenos no sentido de acautelar o presente e perspetivar o futuro. Repare que, o ser humano tem a sua natureza intrínseca que altera gradualmente de acordo com os factores endógenos e exógenos do seu meio social, que influenciam a sua «essência», como pessoa. É a essência do homem que determina a sobrevivência e a transformação da Humanidade. Veja que, houve espécies da natureza que ficaram extintas por diversos factores, sobretudo do facto de serem irracionais, sem ter a faculdade de desenvolver os seus conhecimentos técnicos e científicos para poder sobreviver e progredir. Razão pela qual as espécies mais aptas têm a tendência de impor-se às outras, ditando as regras do jogo. Hoje, por exemplo, há Nações avançadas que já fixaram-se na lua, e dali, estão a progredir para outros planetas. Enquanto, há Nações (como a nossa) atrasadas que ainda estão no limiar da civilização. Mesmo assim, parece que, esta realidade dura não desperta a consciência das elites das Nações subdesenvolvidas, com conhecimentos rudimentares da tecnologia e da ciência. Pelo contrário, contentam-se com coisas mesquinhas, inúteis e supérfluas, que atraem os seus apetites grosseiros.


Compenetrando-se bem nesta matéria, a intuição é o motor da racionalidade que dinamiza o cérebro e conduz o homem ao estado da consciência, da reflexão, do pensamento profundo e da razão. A nossa intuição, isto é, a percepção superficial das coisas, é que nos conduz ao raciocínio, à cognição, à razão e à acção. Permitindo-nos sair do estado da subconsciência para o estado da consciência e da certeza. Nesta base, a escolha do caminho certo não depende exclusivamente da inteligência, mas sim, da intuição, que desenvolve-se da subconsciência para o estado da cognição. Porém, a teimosia da pessoa humana de ignorar a sua intuição instintiva induz-lhe a cometer erros de cálculos. Por isso, a intuição vale se convertê-la no cientismo dialético, de captar a mensagem implícita, retê-la, analisá-la, estudá- la, concretizá-la e transformá-la em objeto concreto.


Note-se que, no processo da transformação e da inovação a história é pertinente, serve-se de matéria de análise e de pesquisa, para fazer uma interpretação coerente e realista do fenómeno. Há sempre tendência de olhar para um contexto presente sem analisar bem o antecedente, cuja essência é fundamental para perceber a situação actual. O raciocínio do homem facilmente é capaz de induzir-se no abstracto, de pensar que as coisas serão assim, enquanto na realidade assumirão contornos diferentes. Se fazer uma leitura científica (dos factos sociais, políticos, económicos, militares, culturais, religiosos, etc.) da história contemporânea de Angola, pós-independência, o panorama é ilustrativo no que diz respeito a natureza do poder político.


Existe o dogmatismo doutrinário assente em quatro princípios fundamentais: a) a supremacia político-partidária; b) a centralização do poder politico; c) a partidarização da economia; d) o elitismo burguês. A doutrina do partido no poder, MPLA, assenta invariavelmente nessas quatro facetas, que servem de linhas mestras da sua governação e da manutenção do poder político. O elitismo político constitui o foco principal da doutrina do MPLA, que orienta a conduta do partido e subordina a militância partidária. Em jeito de explicação, «o elitismo é o sistema político ou social que favorece a elite, em prejuízo dos restantes membros do grupo ou da população, mantendo esta última no obscurantismo, na subalternização e na pobreza». Na lógica do MPLA, o poder político deve assentar-se no poder económico, e este último deve ser do domínio de uma elite do partido, através da qual possa dominar a sociedade e eternizar o poder absoluto.


Repare que, no sistema socialista, do partido único, o poder político e económico era exercido por uma elite da direcção do partido, através da economia centralizada e planificada, sob o controlo absoluto do Bureau Politico do Comité Central, como superestrutura do Estado. Na transição da economia planificada para a economia do mercado, surgira a política da privatização e da acumulação primitiva dos activos públicos, como forma de criar uma elite burguesa para exercer o monopólio económico e assegurar a hegemonia política. Na fase actual, do Pós-JES, surge novamente a redefinição do poder económico, para que haja um núcleo interno do poder político, com capacidade financeira, capaz de manter intacto o poder politico, e inviabilizar a corrente do José Eduardo dos Santos, sob alçada da Isabel dos Santos.

Portanto, a política da abertura, da privatização, da moralização e do combate à corrupção, não é uma novidade. A novidade situa-se apenas na dimensão, no método, na retórica e no alvo. O alvo principal da política da abertura são as potências ocidentais onde estão aplicados e domiciliados os activos da Clique do José Eduardo dos Santos. Além disso, é o Ocidente que controla as instituições financeiras, domina o mercado internacional e possui as tecnologias mais avançadas. A astúcia política reside na cortesia, na aproximação e na abertura, como forma de sair da condição da fraqueza, mesmo que exija comer no mesmo prato com o diabo. Mas, a abertura não é mal, porque traz benefícios e abre as mentes da população que ficou alienada, oprimida e amordaçada durante quatro décadas do sistema corrupto e autoritário.

Seja qual a visão da política da abertura, só que, a estrutura da pirâmide tem fissura da base ao ápice, que ameaça seriamente a sua estabilidade. Por isso, há redefinição de estratégias, de alianças, de posicionamentos, da postura e da constelação da elite burguesa. A arena política angolana mudou de carácter, cujo efeito sociopsicológico é tremendo sobre as bases tradicionais do poder. A revelação de «Luanda Leaks» destapou o véu, trazido ao público a natureza real do poder, que ficou ocultada durante quatro décadas do poder autoritário e corrupto. A incerteza que pairava sobre o sistema político angolano ficou dissipada e está bem esclarecida.

O dilema reside na capacidade de alterar o status quo: como fazê-lo, quem vai protagonizá- la, quando isso vai acontecer e em que circunstancias? Note-se que, a história da humanidade revela que, as transformações das sociedades modernas não obedecem às regras estáticas, previamente definidas, como dogma. Porque, cada situação concreta é uma entidade singular regida por leis internas, que são intrínsecas de si própria. Nesta dinâmica, sempre surgem a combinação de factores endógenos e exógenos, que criam a conversão de sinergias para dinamizar e impulsionar a mudança. A matriz da mudança tanto pode ser interna quanto externa, desde que ela seja genuína para congregar as forças vivas da sociedade. A transição política torna-se inviável ou ineficaz se for neoconservadora, que busque travar a dinâmica da transformação profunda do sistema político. Quando isso acontecer agrava a contradição, altera o xadrez político, introduz novos actores na arena politica e cria o novo cenário da luta democrática.


Importa sublinhar que, na fase da transição política é preciso cuidar bem do processo da transformação do sistema político para que não haja o retorno ao regime anterior nem permitir a continuidade do status quo que prevaleceu durante quatro décadas consecutivas.


Para o efeito, cada força viva da sociedade, dentro da arena, deve entrincheirar-se bem nos eixos estratégicos para que cada componente desempenha o seu papel de garantir a mudança real do sistema político. O importante, neste âmbito, é saber que, a mudança do sistema deve ser conduzida com prudência, com responsabilidade, com honestidade, com transparência, com inclusão, com ousadia e com perseverança. Pois, ela tanto pode ser positiva quanto negativa.


Na União Soviética, por exemplo, a Perestroika, do Mikhail Gorbatchev, foi uma transição positiva, não só libertou a Rússia da ditadura do Partido Comunista Soviético, mas deixou em liberdade a Europa do Leste, como Estados Soberanos, filiados agora na União Europeia. A queda do Império Soviético, em parte, libertou Angola também do jugo Soviético, como Estado Satélite. Quanto ao Egito e à Líbia, a mudança não trouxe frutos desejados, mergulharam-se novamente na ditadura e na instabilidade política, económica, social e militar. No fundo, para que haja mudança democrática segura dependerá da solidez e do comportamento das forças políticas, da sociedade civil e das Igrejas do País. Essas forças vivas do país devem ter a capacidade de dialogar, de estabelecer o equilíbrio, de manter a ordem e estabilidade, e de proporcionar o bem-estar à população. Mas isso requer a mudança da mentalidade e dos preconceitos, para que haja o ambiente saudável do diálogo construtivo e da criação de mecanismos da transparência política, económica e financeira.


Só que, na base dos quatro princípios doutrinários do MPLA, acima sublinhados, torna-se difícil realizar a transformação profunda do sistema político angolano. Existe, como cultura política, a insensibilidade degradante, assente no egocentrismo, na hegemonia política, na opulência, no delírio do poder e na corrupção mental. Há um clique bastante arrogante na nossa sociedade angolana que ainda pensa que é dono deste país e pode fazer e desfazer a seu arbítrio. Veja que, em plena crise socioeconómica do país, eles esbanjam recursos financeiros roubados dos cofres públicos, mergulham-se nas Orgias supérfluas, e realizam casamentos faustosos tal qual como na Antiga Roma ou no Império de Macedónia, do Rei Alexandre Magno. O que revolta a consciência humana é o facto desses actos de corrupção mental a ser feitos por altas personalidades dos Órgãos da Soberania do Estado, que deviam ser o exemplo da austeridade.


Interessa sublinhar que, a perversidade enraizou-se no seio do Partido no Poder e constitui o grande desafio que Angola terá que enfrentar decididamente e desfazê-la, para que este país possa restaurar a sua dignidade, a Ética e a boa governação. Portanto, a atitude dos patriotas angolanos (mulheres e homens), a oposição política, a sociedade civil e as Igrejas deve imbuir-se do espirito de mudança e não da manutenção do status quo, que busca eternizar o sistema elitista, que se instalou no país desde 1975.

Luanda, 19 de Fevereiro de 2020.