Luanda - Angola está num momento crucial da sua história. Ou ressuscitamos ou morremos duas vezes apocalipticamente. Estamos sem modelos e desorientados. A crise é global e já não se pode depositar confiança a nenhuma instituição. Nem mesmo na Igreja enquanto instituição. A nossa crise é tão profunda que está a corroer o estado, a família, a escola, a cultura, a linguagem e a verdade e até a madre Igreja.

Fonte: Folha 8

 

Estas linhas visam olhar a relação entre a Igreja e o Estado angolano. A nossa análise tem como ângulo o quadro socio-eclesiológico.



Por razões de justiça fundamental, não podemos deixar de referir que houve um período da nossa história (1975-2002) em que a Igreja teve um papel imprescindível em defesa do povo; no processo de democratização. Um período em que a Igreja manifestou de forma clara a sua missão profética. Denunciou a guerra e manifestou a sua simpatia pela democracia por meio do CICA, do COIEPA, do Movimento Pró Pace e de grandes debates e conferências, assim como as semanas sociais associadas ao fortalecimento das comissões de justiça e Paz. Não menos importante foi o potenciamento que fez na Rádio Ecclesia, durante muito tempo.


Depois do período acima referido, temos vindo a assistir uma degradação permanente daquilo que é essencial e conatural a Igreja: A MORAL e vislumbra – a perca de valores – e consequente desmoralização vertiginosa.


De acordo com a nossa compreensão, existem algumas causas por detrás deste quadro:


1) Fim da guerra. Durante muito tempo, os angolanos fizeram da guerra uma cultura. E a Igreja não ficou imune deste modus vivendis. As actuações dos bispos, dos padres e pastores concentrou-se essencialmente na guerra. Após o conflito militar nas 17 províncias, porque Cabinda continua em guerra de baixa intensidade (guerrilha), a Igreja angolana ficou desenquadrada no plano socio-político. Outra consequência do termo do conflito foi a diminuição substancial das doações externas para a Igreja. Isto levou a Caritas e as Dioceses a terem graves dificuldade financeiras. Não é por acaso que de 2005 para cá há uma preocupação muito grande na auto-sustentabilidade da Igreja particular ou local. Uma auto-sustentabilidade que deve ser combinada com a transparência e boa governação no interior da Igreja, de acordo com a CEAST.


Astuto que é. O grupo dominante não se coibiu de aproveitar este período de penúria financeira por que a Igreja está a passar para ser a grande patrocinadora, substituindo assim os doadores externos. A diferença entre os benfeitores anteriores e este doador, é que, este vai submeter a Igreja aos seus interesses mesmo que de forma implícita. Pelo menos no plano inicial. Mais tarde as coisas saem a superfície. Por meio da Sonangol patrocinou a reabilitação de escolas, postos de saúde. Pagou cerimónias festivas para ordenações episcopais, deu carros a bispos e outros bens.



A custa disto, o regime exigiu o apoio nas eleições. Muitas Igrejas abriram os seus púlpitos para permitir que deputados do grupo dominante falassem aos fiéis. Outro facto que assustou até ao regime foi a aparição do bispo do Cunene, Dom Kevano na campanha do "M". De acordo com algumas análises, a Universidade Católica de Angola está controlada pelo regime, especialmente a faculdade de Direito que é tida como estratégica para o interesse do grupo dominante. A submissão da Igreja ao regime foi também confirmada pelo ex-vice presidente do MPLA, Pitra Neto na sua obra"…As nossas razões para Vitória nas eleições de 2008", ao afirmar que a relação com a Igreja foi imprescindível para a vitória. (p.52). Boas. A eficácia do maquiavelismo ortodoxo!


2) Leigos. Entendemos que o estado de coisas continua assim, porque o laicato angolano é demasiado fraco, comparativamente com outras Igrejas africanas. Por falta de um laicato devidamente formado nos mais variados ramos, particularmente nas ciências teológicas, faz com que as questões religiosas sejam vistas como reservadas a um grupo de iluminados: padres, madres, sacerdotes, bispos e pastores. Também ainda existe por parte de muitos padres e bispo, talvez a maioria um complexo epistémico muito grande. Pensam que sabem tudo. Não é por acaso que são directores de escolas e não só, mesmo sem formação para tal. Arrogância barata. A mania do poder.



Se houvesse um laicato intelectualmente bem dotado em questões religiosas deixaria cair por terra o preconceito segundo o qual só os consagrados dominam questões de fé e eclesiais e pressionariam para que a hierarquias se reformulassem no plano moral. Esta ignorância inculposa dos leigos leva-os também a se relacionarem com os líderes de forma temente, acanhada… Se alguém critica um padre ou um bispo, são os fiéis que se lançam contra o irmão.



3) Igreja de modelo colonial. De acordo com o concilio Vaticano II, a Igreja deve ser antes de mais Família de Deus. De acordo com este modelo de Igreja a hierarquia não é fundamental, mas sim a comunhão e a participação. Todos somos iguais. A hierarquia é meramente funcional, por isso, até as mensagens pastorais devem ser participadas por meio de uma auscultação aos fiéis das dioceses. Ao contrário as mensagens da CEAST são demasiado privadas e mais "conforme a conveniência dos bispos"(Lucamba, A, A Globalização e os conflitos no Sul). Não correspondem com as aspirações mais profundas das nossas gentes.



4) A qualidade da formação. O estado de desmoralização a velocidade da luz por que está a passar o nosso clero, tem também a ver com a qualidade da formação sacerdotal nos últimos 10 anos. Isto foi levantado várias vezes pelos padres mais velhos…, Se não como se explica que um padre preste serviços ao SINFO?



5) Crise do muntu. Esta causa sintetiza as causas anteriores. Em última instância é o homem angolano, particularmente aqueles que conduzem a Igreja que estão em crise.



…Desde que a hierarquia da Igreja começou a ser conduzida parcialmente por autóctones. Apesar da situação dramática de corrupção, violação dos direitos humanos, enriquecimento das elites politicas a custa da pobreza do povo e do estado, ainda assim a "igreja demitiu-se do seu papel de denúncia (…). Há agora que reaprender a descer ao nível do povo que não sabe o que é um VX nem tem acesso ao dinheiro do petróleo.” (Novo Jornal, Ed., 57, 20.02.09, p. 4.). De acordo com uma entrevista que o Pe. Gonçalo Agostinho concedeu ao Novo Jornal em Roma, na véspera da visita petrina a Angola, "a Igreja angolana pauta-se pela cautela, o que pode ser positivo, mas talvez esteja a ser prudente demais ao ponto de se esquecer da sua razão de ser.” (Ibid., p.5.) Está mais que demonstrado que os bispos angolanos e em Angola não têm sido capazes de denunciar e entrar em confronto com o governo, tal como manda a vocação sacerdotal. Não é por acaso que o Pe. Luís Condjimbe, numa conferência dedicada aos 50 anos da Rádio Ecclesia questionou, ou seja, pôs em dúvidas se de facto os bispos tem negociado mesmo a sério a expansão do sinal da rádio Ecclesia em todo céu de Angola. Este questionamento, é também levantado nas aulas que o referido sacerdote ministra. Uma denuncia de tamanha gravidade que revela o estado de crise em que se encontra a Igreja angolana prende-se com uma denuncia feita pelo Jornal on-line Club-K, afirmando que um conjunto de bispos se opõem a expansão da rádio Ecclesia – D. Alexandre do Nascimento, D. Anastácio Kahango, D. Filomeno Vieira Dias e D. Óscar Braga – porque entendem que ela tem uma linha editorial que choca com o governo. (AM 363 & CK, Quarta, 22 Julho 2009).

 

Esta denuncia tem um tom de verdade a contar com o comportamento de D. Anastácio Cahango, que a quando da queda do prédio da  DNIC, considerou a forma como o repórter noticiava os factos de irresponsável. Tudo porque o jornalista dizia que a equipa de salvamento não estava preocupada com as vidas das pessoas soterradas mas sim com o dinheiro, diamante e outros bens que estavam no edifício. Era a mais pura verdade, mas o mais velho e bispo não se coibiu de defender os seus supostos amigos e lançar o desprotegido jornalista na boca do leão: o regime.