Luanda - Aquando da sua "entronização" como presidente do MPLA, em 2017, João Lourenço surpreendeu tudo e todos, pela positiva, ao declarar a dado momento do seu discurso: "...eu não sou o terceiro Presidente do MPLA mas o quinto".

Fonte: Club-k.net

Essa declaração não só revelou profunda honestidade intelectual mas acho que ele disse uma verdade que "libertou" o seu partido de muita inverdade em matéria de história.


Quando se mente sobre a nossa própria história, depois temos de alinhar tudo à "mentira original".


Devíamos todos adoptar a postura corajosa do Presidente da República sobre o rigor dos factos da nossa história.


Ainda não precisamos de recorrer a historiadores, até estrangeiros, para aclararmos a nossa história recente. Os actores dessa e outras batalhas estão aí disponíveis para o debate frente a frente. Debate-se esse assunto e passámo-lo para atrás.


Quem conhece bem a geografia do nosso país, compreenderá a importância estratégica da localidade de Kuito Kuanavale no teatro das operações, no conflito regional da Africa Austral, circunscrito no contexto do conflito geoestratégica Este/Oeste, (guerra-fria).


Do outro lado da barricada estava a Jamba, com tudo o que ela representava. A Jamba era o Quartel General da UNITA. A Jamba era o centro do pensamento estratégico alternativo e centro logística, era o símbolo reconhecido mesmo na comunidade internacional, da resistência ao sistema monopartidário apoiado pela URSS e Cuba. Era por isso o alvo privilegiado dos ataques dessa coligação.


Fica portanto claramente dito que Kuito Kuanavale era o posto avançado para tomar-se a Jamba.


Este facto levou portanto a direcção da UNITA, atraves das suas Forças Armadas e aliados a montar obviamente, à voltar do K.Kuanavale, um importante dispositivo defensivo como forma de defesa do seu QG.


Farei uma breve resenha retrospectiva histórica para melhor compreensão desta situação.


O desentendimento entre os 3 movimentos de libertação data mesmo ainda do período da guerra colonial.

 

Na sequência do acordo de Alvor com os portugueses, intensificaram-se os combates entre os 3 movimentos que culminaram com a expulsão da UNITA e da FNLA de Luanda em 1975.


Em 1976 o MPLA prosseguiu a sua saga e as direcções da UNITA e a da FNLA foram expulsas respectivamente para as matas e Kinshasa.


Mesmo estando nas matas as ofensivas militares contra a UNITA prosseguiram até que a sua direcção se fixou no extremo Sul do país, próximo da fronteira com a Namíbia em 1978, ja melhor organizada e equipada para a luta.


Então, a batalha do Kuito Kuanavale não é senão o prosseguimento da lógica da exclusão.


As tentativas de assalto à Jamba começaram a desenhar-se em 1985 mas foi em 1987 que ela ganham forma e consistência numa tentativa que teve início em Julho de 1987 e terminou em Março de 1988. Seguiu-se a batalha denominada "Último Assalto" que iniciou em Setembro de 1989 e terminou em Maio de 1990.


Em Janeiro de 1990 o mais velho Jonas faz uma visita a Portugal onde pediu que aquele país desempenhasse um papel mais activo na tentativa de trazer as partes à volta de uma mesa de negociações.


Entretanto depois de dois ou três dias de estadia em Portugal, o mais velho Jonas recebeu uma mensagem do ex-Secretário Geral Zau Puna, dando-lhe a conhecer que a situação militar se estava a deteriorar na principal frente de combate. O Velho de imediato convocou uma Conferência de imprensa e sobre a situação, ele declarou: "Tenho estado a receber mensagens do Estado Maior e do Comando Operacional Estratégico mas quando hoje é o próprio Secretário Geral que me pede para eu regressar à Angola, eu não tenho como continuar o meu programa diplomático. Vou mesmo regressar ao país para ajudar a resolver a situação militar que se apresenta bastante delicada."


Entretanto e face ao fracasso que se desenhava no teatro das operações do "último assalto", sobre a Jamba, em Abril de 1990 e sob os auspícios de Portugal, tiveram lugar os primeiros "contactos exploratórios" entre delegações da UNITA e do Governo.


Durão Barroso reuniu num Convento em Évora respectivamente Adolosi Mango Alicerces e Lukamba Gato de um lado e do outro António Pitra Neto e Cirilo de Sá Ita.


Confesso que foi um dia de emoções fortes, um encontro em tête-à-tête, pela primeira vez, entre irmãos que a propaganda política das partes respectivas pintou das piores cores.


Durão Barroso encontrou um método mixto entre o formal e o informal para distender ao máximo o clima
à nossa volta. Começou por dar a palavra à UNITA.


Nós colocamos uma questão prévia: o reconhecimento recíproco.


A UNITA reconheceria a legalidade do Governo e por seu lado o governo reconheceria a legitimidade política da UNITA como um movimento de oposição. Aceite a questão prévia estavam criadas as condições mínimas para um diálogo mais construtivo.

A seguir a UNITA levantou as seguintes questões julgadas pertinentes e incontornáveis:

a) Negociações directas UNITA/MPLA.
b) Modalidades de um cessa-fogo FALA/FAPLA.
c) questões políticas e constitucionais
d) questões militares/fiscalização de cessar fogo/acantonamento/formação das FAA/desmobilização/reinserção social

Na alínea c) a UNITA elencou

* Revisão pontual da lei constitucional para adaptá-la a um sistema multipartidário.
* Instauração de um Estado democrático e de direito.
* uma economia de livre empreendimento.
* organização de eleições multipartidárias.

Foi na alínea c) que se situou de imediato o pomo da discórdia.

"Achamos que o facto dos senhores, viverem na Europa França e Portugal), leva-os a estarem completamente equivocados e desconectados da realidade africana. Tudo o que vocês evocam nessa alínea é totalmente incompatível com a realidade cultural africana." Mais palavra e menos palavra esta foi a lógica em que a delegação do governo estava enclausurada.


A contra-proposta apresentada pela delegação do governo, como saída do conflito foi: "Já está em vigor em Angola, um amplo sistema democrático onde todos angolanos cabem. Os senhores são convidados a integrar esse novo sistema em todas as suas instituições." Não foi pronunciada a palavra CLEMÊNCIA mas esse era o "top de gama" da política de reconciliação nacional do MPLA, para a qual na altura já havia recrutado alguns quadros da UNITA na diáspora.

Ao fim de dois dias e face ao facto de não haver evolução na posição da delegação do governo, este primeiro encontro terminou, tendo o mediador considerado as posições da UNITA como "políticamente correctas".


A nossa delegação voo de seguida para fazer o briefing à direcção na Jamba.


Em Maio terminou a ofensiva com o "último assalto" totalmente destruído o que permitiu o equacionar, com o apoio da comunidade internacional, de uma "Solução Global" para o conflito regional Africa Austral em todas as suas dimensões e quadrantes.


Assim os cubanos se retiraram, os sul africanos igualmente se retiraram, a Namíbia ascende à independência, prepara-se a libertação de Nelson Mandela e a UNITA e o governo negoceiam directamente.

Foi adoptada a agenda da UNITA contida na alínea c).


Caiu o monopartidarismo, a arbitrariedade(poder popular) e o sistema económico de planificação central.


A guerra no nosso país foi a resultante do confronto entre os projectos de sociedade do MPLA e o da UNITA.


Hoje a vitória é de todos os angolanos que bem ou mal, desfrutam de um sistema concebido para proporcionar a todos maiores liberdades políticas e oportunidades económicas e sociais. Precisamos no entanto de trabalhar ainda mais arduamente no sentido do seu aperfeiçoamento.

A história já registou casos em que quem ganha a guerra é quem muda o "status quo" e não quem está no poder.


Aí está então a importância estratégica da batalha se K. Kuanavale.