Luanda - Não tenho o costume de fazer publicações nas redes sociais, usando textos de minha autoria. Por norma, procuro colocar as minhas ideias entre as pessoas com quem “interajo”, sejam estas antigos colegas de escola ou amigos com os quais me relaciono nas diversas plataformas.

Fonte: Club-k.net

Entretanto, a nova realidade mundial indica que a Pandemia do COVID 19 obriga a criação de soluções locais e faz cair por terra muitos “protocolos”. Ele exige que eu também quebre os meus.

A semelhança de outros países, Angola também decretou estado de emergência, objetivando suster a rápida disseminação do vírus dentro do país.

O estado de emergência, já em vigor, atinge a todos e as razões da sua emergência precisam de ser devidamente entendidas por aquela franja da população mal informada e que necessita de perceber o seu horizonte temporal, visto que em sua maioria sobrevive por via de atividades econômicas informais.

A falta de informação adequada, pode levar a baixa capacidade de resposta às medidas legais anunciadas. E como se sabe, a extensão do estado de emergência sem um bom entendimento dos seus propósitos e prazos pode levar a uma situação na qual a população poderá viver desnorteada pelo dilema de decidir entre ficar em casa pelo medo do vírus ou sair de qualquer maneira, pelo medo da fome.

Embora tenhamos no momento o registo de novos casos e já contabilizamos duas mortes, o nosso consolo está no fato de ainda não se conhecer uma única transmissão comunitária, na qual os afetados não sabem onde podem ter contraído o vírus.

Esta situação significa que o vírus ainda pode ser parado.

Segundo a OMS o período de incubação do vírus no organismo vai de 1 a 14 dias, mas o prazo de sobrevivência fora de um hospedeiro é incerto. Apesar disso, alguns estudos realizados demonstraram que o vírus pode deixar de estar ativo e incapaz de realizar uma infeção celular passados 3 dias fora de um hospedeiro.

Pôde-se deste modo cogitar que no final do período de estado de emergência, que poderá num primeiro momento durar 15 dias, teremos duas situações:

1. Ausência de novas notificações ou aumento de novos casos. Neste cenário, continua a não existir transmissão comunitária e os portadores de casos importados poderão ver-se livres da doença, salvo se tiverem sérias complicações devido a doenças pré-existentes.


Fora disso, havendo boa resposta imunológica, os afetados poderão estar curados em 3 semanas, dependendo do quadro de cada um.


A par disso, com as adequadas medidas legais adotadas, principalmente a prática efetiva das recomendações de higiene comunitária e outras de caráter informativo que poderão ser criadas para melhorar a comunicação, o controle da mobilidade e o conveniente afastamento social, a quantidade de vírus que poderá ter-se escapado para o ambiente poderá sofrer desidratação, ressecamento ou desintegração da sua estrutura, inviabilizando a capacidade de infectar células de novos hospedeiros.

2. No pior cenário, o vírus poderá seguir pela via da transmissão comunitária, exigir novas medidas, incluindo-se a extensão do isolamento social com impacto muito importante na economia e no nosso frágil sistema de saúde;

Este segundo cenário deve ser a todo o custo evitado. Por este motivo as populações devem ser devidamente informadas e as medidas preventivas reforçadas através de um sistema bem coordenado.

Para a nossa felicidade, Angola desenvolveu ao longo de várias décadas um sofisticado sistema de vacinação porta a porta, o chamado Programa alargado de Vacinação( PAV). Trata-se de uma organização de grande capilaridade e por isso capaz de levar a vacina da poliomielite e sarampo a porta de casa, nas regiões mais recônditas do país, com realce para a zonas periféricas das cidades (sempre mais problemáticas).

O PAV foi criado pela OMS em parceria com o Ministério da Saúde de Angola e mostrou ser uma importante arma, principalmente para a erradicação da poliomielite e controle de surtos de sarampo, por exemplo. Como organização, o PAV conta com centenas ou mesmo milhares de jovens voluntários que são treinados e organizados em núcleos de coordenação de área.
Como estrutura física o PAV não possui instalações. Usa os equipamentos sociais, principalmente escolas. Contudo, em situação de estado de emergência algumas estruturas existentes nos bairros e que se acharem convenientes, podem ser requisitadas.

As coordenações de área são, portanto, zonas delimitadas de bairros. Algumas são compostas por um ou mais quarteirões, outras são circuncisões geográficas de casas sem um plano urbano organizado, mas que deram origem a mapas feitos pelos próprios voluntários e que permitiram criar um sistema capaz de garantir a universalidade da vacinação. Estes mapas podem estar disponíveis para uso neste momento importante.

O núcleo da coordenação de área existente dentro de um bairro ou quarteirão é definido como um centro operacional que torna o PAV capaz de descentralizar as operações de vacinação, de organizar a logística e computar os dados de cada campanha realizada.

Mas o sucesso do PAV não é mero acaso. É fruto de trabalho de décadas, um sistema holístico organizado, criativo, cooperativo e abnegado de jovens que seguem uma rotina que leva a “estrelinha” para milhões de crianças em todo o país.

Porque não levar agora a informação para melhor atendimento das determinações legais das autoridades, seus propósitos e prazos?

Porque não usar o PAV para treinar a nossa capacidade de resposta, de previsão, de apoio domiciliar e de programação de controle dos possíveis “casos leves”?

Seriam estes núcleos de coordenação de área pontos de contato através dos quais podemos fazer previsão( embora não desejarmos ter transmissão comunitária) de um possível alastramento, criando-se por meio destes, as zonas locais de abordagem dos casos suspeitos?

Ou ainda, poderiam estes centros de coordenação de área facilitar a organização das melhores condições de recepção das orientações e de acatamento das diretrizes em cada uma das coordenações de área para os eventuais casos de transmissão comunitária?

Se assim for, não nos podemos esquecer da necessidade de uma rápida mobilização do PAV e da modulação de um sistema para treinamento adequado ao COVID 19 de modo a dar garantia de segurança e de proteção necessária para todos os que dele vierem a participar.

Importa evocar a mobilização da classe empresarial para contribuir com o suporte das necessidades logísticas e amparar os envolvidos na linha da frente.

Para vencer este desafio é necessário um esforço coletivo porque é possível travar o avanço do vírus, como se provou em lugares em que o número de infeções foi bastante elevado.

As medidas de prevenção do tipo: “Fiquem em casa”, que estão sendo associadas a pressão policial já revelam uma certa resistência e isso em ambiente urbano. O que se poderá dizer das demais regiões de baixa capilaridade policial?

Os núcleos de coordenação de área são mapas e gente experiente. O sistema é formatado para ser “ativado” em cada campanha e pode ser ajustado para as novas necessidades de informação ou, futuramente, de apoio para testagem/despediste e de apoio na recuperação de casos leves em domicílio, evitando que os possíveis afetados uma vez conhecidos, circulem enquanto acometidos pela doença.

Vale notar que, na situação atual, a ativação do sistema serve apenas para levar a informação sanitária que não chega por via das mídias convencionais. Para certas regiões o aconselhamento e apoio deve ser feito a porta de casa e deve ser dirigido para toda a família, muitas delas sem acesso a energia elétrica e também não podem contar com o que se veicula na televisão ou rádio.

O COVID 19 não tem protocolos universais a serem seguidos. Cada país tem analisado o que lhe serve e aqueles que ainda vão a tempo, podem observar o que é verdade para a sua conjuntura e podem montar os seus próprios processos de contingência, utilizar as suas experiências e usar ao máximo as forças internas que poderem.

Em suma, a lei e a ordem policial para garantir a imposição do recolhimento ao domicílio podem precisar de algo mais. Vale por isso pensar-se em soluções adequadas a nossa realidade e que possam facilitar um melhor controle sanitário bem como agilizar uma rápida notificação e acompanhamento de casos suspeitos e confirmados.

É prever que tipo de amparo será dado aos afetadas, caso venhamos a ter um contágio comunitário, para que não saiam por aí disseminando o vírus. Isso é algo que não pode ser ignorado.

O COVID 19 também mostrou ser muito rápido. Se for possível usarmos um sistema pré-existente, mais facilmente poderemos reagir para lhe dar resposta. Se for necessário um aparato técnico para a testagem rápida a nível local, as coordenações de área poderão garantir este propósito, além de ajudar as famílias a fazerem o manejo das condições de isolamento dentro de casa, no caso de uma infeção.

Porque são exatamente os casos mais leves ou assintomáticos que possuem um grande potencial de contágio comunitário, que pode atingir a população idosa que vai exigir cuidados de saúde intensivos que nos são raros e que podem resultar em grande taxa de letalidade.

Um sistema organizado de controle e seguimento dos casos leves pode evitar um rápido pico de contágio que tem levado ao colapso dos sistemas de saúde de alguns países desenvolvidos.

Em suma, é possível ativar as coordenações de área para servirem de meio de antecipação, para a criação de um adequado sistema de informação bem como servirem como pontos de contigenciamento, capazes de evitar as movimentação de pessoas infetadas entre regiões já que são as movimentações humanas que propagam o vírus, como ficou demostrado mundo afora.

Como pontos do contato primário para testagem de bairro (a semelhança sistema “Drive Thru”), em uso em outros países com características sociais diferentes das nossas, a ativação dos centros de coordenação de área do PAV podem evitar a deslocação desnecessária dos possíveis casos para os centros de saúde e aos hospitais.

Porque são exatamente as deslocações não convenientes de casos suspeitos feitas normalmente em táxis que não são recomendadas devido ao potencial de propagação do vírus, além de que uma correria desnecessária aos hospitais pode rapidamente resultar na sobrecarrega do nosso sistema de saúde já muito frágil e que deve atender os casos de maior gravidade.
 
A experiência mostra que a antecipação tem sido a melhor das medidas de controle da Pandemia, pelo que augura-se que todos possamos dar a nossa contribuição neste sentido, para o bem da nação.

“É sempre importante desejar o melhor, mas jamais deixar de pensar em soluções para evitar o pior”.

João Mainsel
28/3/2020