Luanda - Ponto prévio: Perante a pandemia Covid 19 , cada um deve fazer a sua parte, pelo que é reservado aos, investigadores, estudiosos, enfim, proporcionarem neste período do estado de emergência, entre outras, artigos acadêmicos capazes de transformarem a quarentena versus fica em casa versus isolamento social, não momentos de tédio e de inércia mas, momentos de aumento de conhecimento do domínio científico-social na sua transversalidade, com enfoque sempre que possível (para nós angolanos), sobre a realidade histórico-social da nossa pátria – Angola, (a verdadeira história de Angola ainda está para ser contada), razão pela qual me propus a partilhar esta temática.

Fonte: Club-k.net

Nos termos da alínea f) do artigo 2.o da Lei n.o11/18 de 28 de Setembro, o 4 de Abril é considerado Feriado Nacional como o Dia da Paz e da Reconciliação Nacional.

Todavia este dia não pode ser tido e visto em si mesmo, mas como o resultado de várias negociações políticas entre os contendores e que resultaram na assinatura de 3 principais Acordos (Alvor,Bicesse e Lusaka), em que cada um dos Acordos, alicerçaram o produto final saído à 4 de Abril de 2002; um desiderato pretendido afinal por todas as partes, apenas divergentes nas formas e métodos para o alcançar, que no final de contas constituiu o handicap e a divergência política essencial.


No geral, os acordos de paz alicerçaram a pacificação do país definitivamente a partir do 4 de Abril, tendo como linhas estruturantes, (i) alterações na Constituição, (ii) formação de Governo com partilha de poder em períodos de transição e de reconciliação nacional (iii) amnistia e perdão mutuo e, (iv) a formação de um Exército único.
Nesta conformidade e, em razão da celebração de mais um aniversário da paz e da reconciliação nacional, honra- me enquanto proponente de uma pesquisa acadêmica sobre OS PRINCIPAIS MOMENTOS DO PROCESSO DE PAZ, partilhar algumas linhas desta pesquisa acadêmica (na impossibilidade de vê-la publicada em livro), contribuindo para manter acesa o valor da paz, particularmente para as gerações mais novas em muitos casos desconhecedora do esforço e do sangue derramado

pelos angolanos das gerações de então, alguns dos quais seus avôs, pais, tios, irmãos...etc, e que nos dias de hoje, perante algumas manifestações extremas de intolerância (de um lado e de outro), clamamos por Deus “não permita mais guerra em Angola, eles não viram nada e nem fazemos questão que vejam”.


UMA ABORDAGEM ACADÉMICA

Não há memória de quantas negociações políticas foram realizadas em África, na América, na Europa ou na Ásia. As negociações políticas são a via pacífica de resoluções de conflitos por meio de “cedências magnânimas” vezes sem conta condicionadas ao protagonismo de cada uma das partes em dado momento de um conflito e que a dado momento e circunstância terminam com a assinatura de Acordos.


No caso de Angola, o processo de descolonização e a posterior convivência dos actores políticos, fora do contexto de guerra fratricida, só foi possível com a assinatura dos Acordos abaixo descriminados, cujos contornos se foram adequando ao contexto político- militar e ao grau de interferência externa.

OS ACORDOS DE ALVOR


O ano de 1961 marca a viragem de rejeição à ocupação colonial em Angola, com uma espiral de conflito armado e de guerrilha, desencadeado (cada um a seu nível e forma de intervenção) pelos três Movimentos de Libertação (MPLA, FNLA e UNITA), até ao limiar do ano de 1974.


Nessa altura e, segundo o nacionalista e político Jorge Valentim na sua obra ESPERANÇA “...a guerra em Angola durava há 13 anos consecutivos e quase o mesmo número de anos na Guine Bissau e Moçambique. Todo esse esforço acarretava perdas humanas e materiais a Portugal que se tornava cada vez mais pobre, condenado e isolado internacionalmente...as Forcas Armadas portuguesas que aguentavam o maior esforço da guerra tomaram consciência de que não podiam ganha-la e que a única porta de saída eram as negociações directas com os movimentos de libertação aceitando o princípio da independência para as colónias portuguesas...”.


Portugal entra para um contexto político efervescente aumentando o número de anti-conservadores. Aos olhos de um processo de descolonização mundial, era impensável manter colónias como Angola, Moçambique, Guiné...com os movimentos de libertação mais activos e com fortes apoios internacionais.

Se por um lado o autor René Remond na sua obra Introdução a historia do nosso tempo afirmava que “...foi a revolução dos cravos que ao derrubar o regime em 1974, pôs fim a guerra: Os novos dirigentes saídos da sublevação militar concederam independência as colónias...”, é reconhecido também que o 25 de Abril resultou da generalização da luta armada pelos Movimentos de Libertação de Angola em particular e dos demais Movimentos de libertação das antigas colónias portuguesas em África.


No caso de Angola, o processo de descolonização ditado pelo fim da ditadura em Portugal levanta peculiaridades que impedem ou reduzem a criação de uma frente única de negociação com o novo Governo português.


A unificação dos movimentos de libertação nacional numa frente única ficou dificultada na sua essência pela forma como tais movimentos foram criados, bem como a visão das suas lideranças a um enquadramento a este nível, num contexto de apoios externos diferenciados e conotados por uma identificação da corrente político- ideológica das potências apoiantes.


A desejada e imperiosa frente única de negociação com o novo Governo português, ganha espaço de confiança entre o MPLA, FNLA e UNITA, por via da advocacia de outros Estados africanos nos corredores da então Organização da Unidade Africana (OUA), mas em particular pelo empenho do Estadista Jomo Keniata, propulsor da cimeira histórica de Mombaça (Quénia) para se encontrar um entendimento e uma plataforma comum para as discussões com o Governo de Portugal a 15 de Janeiro de 1975 e que resultou na assinatura dos Acordos de Alvor, cujos Documentos principais consubstanciaram-se em; Capitulo I Da independência; Capítulo II Do alto comissário; Capítulo III Do governo de transição; Capítulo IV Da comissão nacional de defesa; Capítulo V Dos refugiados; Capitulo VI Eleições em Outubro; Capitulo VII Da nacionalidade angolana; Capitulo VIII Dos assuntos de natureza financeira; Capitulo IX Da cooperação entre Angola e Portugal; Capitulo X Das comissões mistas; Capitulo XI Desacordos entre Portugal e Angola.


Na sua essência os Acordos de Alvor permitiram a descolonização e a independência de Angola pondo fim a cinco séculos de ocupação e domínio de Portugal. Entre os aspectos mais marcantes dos Acordos de Alvor, a determinação da data da independência foi por excelência um factor de aceleramento da interferência externa no futuro de Angola.

Todavia, no dia 11 de Novembro de 1975, perante a África e o mundo, o Dr. António Agostinho Neto, Presidente do MPLA, proclama a Independência de Angola do julgo colonial português e inscreve o novo Estado no contexto das nações como República Popular de Angola.

OS ACORDOS DE BICESSE


Os 16 anos de existência da então República Popular de Angola (1975 – 1991) congregam uma guerra e destruição sem precedentes, por força da influência externa já mencionada. Toda essa odisseia começa a dissipar-se com as alterações geopolíticas no mundo, particularmente a desagregação do bloco comunista abrindo para Angola e os angolanos um novo momento de pacificação.


Os Acordos de Bicesse em 1991 tornam-se a emanação da vontade das super potências (EUA e Rússia) em influenciar a abertura democrática em Angola numa altura em que a desarticulação da URSS era um facto.


Segundo o autor José Paulino, na sua obra “AS RESOLUÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE ANGOLA” a ela estava intimamente ligada a Perestroika e o início do degelo da guerra-fria, quando Mikael Gorbatchev se empenhou na solução pacífica dos conflitos regionais em que era óbvia a influência das superpotências.


A Rússia herdeira natural do passivo substancial da relação político diplomático e militar entre Angola e a URSS não vê inconveniente na cessação da opção socialista de Angola. Para frente se depara a resolução do conflito armado entre o Governo unipartidário do MPLA e a oposição político-militar da UNITA, apoiado pelas potências capitalistas.


O Governo do MPLA e a UNITA são submetidos a uma pressão política sem precedentes para sentarem a mesa de negociações politicas, aliado ao desgaste inerente a guerra fratricida de mais de 15 anos.


Segundo autores, depois das batalhas de Mavinga, Kuito Kuanavale e Calueque, de 1987\88, Angola, Cuba e África do Sul chegaram a mesma conclusão: Todas as partes ganharam noção dos limites do que poderia ser conquistado no campo da batalha e avaliaram os custos e perigos que significaria a continuidade da guerra.


Numa fase aguda do conflito político militar, Portugal sente a obrigação moral, enquanto antigo colonizador, de desencadear diplomaticamente mecanismos que permitissem negociações entre o Governo angolano e a UNITA, tendo o Secretário do Estado português para os assuntos estrangeiros, Durão Barroso, convocado o Governo angolano e a UNITA a fim de começar um processo de negociação que resultou nos Acordos de Bicesse, em Maio de 1991.


A conclusão dos Acordos de Bicesse não seria possível sem alterações na Constituição que permitissem a abertura democrática em Angola Era um imperativo da conjuntura internacional pouco depois da desagregação do bloco comunista e um gesto indispensável para a mudança no país do regime de partido único para o multipartidarismo.


Aos 31 de Maio de 1991, o Governo da então designada República Popular de Angola e a UNITA, com a mediação do Governo Português e a participação de observadores dos Governos dos EUA e URSS (na altura), aceitam como obrigatórios os documentos que constituem os Acordos de paz para Angola, rubricados a 1 de Maio do mesmo ano pelos respectivos chefes de delegação e posteriormente aprovados pelo Governo angolano e pela Direcção da UNITA, cujos Documentos principais consubstanciaram-se em; (i) Acordo de cessar-fogo (incluindo o anexo I e II), (ii) Princípios fundamentais para a instauração da paz em Angola (incluindo o anexo I relativo a Comissão Conjunta Politico Militar), (iii) Conceitos para resolver as questões ainda existentes entre o Governo da República Popular de Angola e a UNITA, (iv) Protocolo de Estoril e, (v) Acordo de Cessar-fogo (incluindo o anexo I e II).


Segundo o autor Michael G. Comerford “...os dezasseis meses que vão da assinatura dos Acordos de Bicesse em Maio de 1991 ate a realização das eleições gerais em Setembro de 1992 são referenciados em Angola como mini paz. Os vários extratos sociais regozijaram-se pela abertura democrática dos pais que daria a possibilidade de cada cidadão manifestar-se e aderir ao partido que politicamente lhe conviesse.


A “mini paz” tinha demonstrado o valor de um país pacificado; em poucos meses Angola voltava a resgatar a dinâmica económica produtiva que lhe levaria ao seu ligar no contexto das nações.


Na sua essência os acordos de Bicesse permitiram a institucionalização de um Estado democrático e de direito, bem como a realização das primeiras eleições multipartidárias em Angola.


OS ACORDOS DE LUSAKA

De forma incrédula após as eleições os angolanos vêem o país a afundar-se novamente numa guerra devastadora. Algumas forcas internas e externas se levantam para evitar o pior. Pese o recrudescimento das acções militares não estava fechada a possibilidade de negociações. Em face disso, correntes diplomáticas abrem a possibilidade do Governo de Angola e a UNITA voltarem à mesa de negociações.

Comerford refere que “... o diálogo realizou-se de facto numa série de localidades. O primeiro encontro foi no Namibe, o fracasso do Namibe fez com que as conversações fossem transferidas para Adis Abeba, ainda assim sem um cessar-fogo, pelo que as conversações foram transferidas para Abidjan...mas sem êxitos...até que o processo foi retomado em Lusaka dirigido pelo novo Representante especial Alione Blondin Beye...”


A pressão política nacional e internacional caminha lado a lado com o conflito militar nas cidades. Países como os EUA, Rússia, Portugal, Costa do Marfim, Zâmbia, tornam- se o eixo diplomático para novas negociações entre o Governo eleito e a oposição contestatária em busca de uma das mais controvérsias acomodações politicas de que não há memória na política mundial. Na condição de parte do governo a UNITA era a oposição armada.


A reocupação pelas tropas governamentais angolanas da cidade do Huambo, baluarte pôs eleitoral da UNITA conectada a generalização da pressão militar pelas Forças Armadas Angolanas em todo território nacional arrumou apressadamente com todos os entraves que emperravam o Acordo de Lusaka, assinado aos 20 de Novembro de 1994, cujos Documentos principais consubsatanciaram-se na, (i) Agenda de trabalhos para as Conversações de Paz sobre Angola entre o Governo e a UNITA, (ii) Reafirmação da aceitação pelo Governo e pela UNITA dos instrumentos jurídicos pertinentes, (iii) Questões Militares I, (iv) Questões Militares II, (v) Polícia, (vi) Reconciliação Nacional, (vii) Conclusão do processo eleitoral, (viii) Mandato da ONU, o papel dos observadores dos “Acordos de Paz” e a Comissão Conjunta, (ix) Calendário de Aplicação do Protocolo de Lusaka e, (x) Questões diversas.


O autor José Patrício afirmava que “...os Acordos de Lusaka consagram por excelência o princípio de POWER- SHARING (partilha do poder) ardentemente defendido pela administração americana não só como forma de instituir um Governo mais equilibrado e representativo em Angola, mas também porque transporta consigo a matriz da “ocidentalização” do sistema político angolano...”, sendo complementado pela autora Victoria Brittain na sua obra

Morte da dignidade: a guerra civil em Angola “...os Acordos de Lusaka foram assinados em Novembro de 1994. Haveria um cessar-fogo, um novo exército nacional. 4 Ministérios, 7 vice ministérios para a UNITA. Lusaka era um outro Acordo de paz em que a UNITA era tratada como um parceiro igual tal como em Bicesse e onde não haveria vencedores nem perdedores”.


Na sua essência o Acordo de Lusaka permitiu a constituição do Governo de Unidade e de Reconciliação Nacional, a conclusão da formação do Exército Único, bem como a normalização da Assembleia Nacional.


Entre as particularidades desse Acordo, de forma qualitativa e de comprometimento na busca da paz, foi a criação do ORGÃO COORDENADOR DO PROCESSO DE PAZ, uma estrutura visível representativa do Governo, no apoio ao processo de paz permitindo uma interligação ininterrupta. O Governo da República de Angola, põe a frente deste órgão um Ministro e um Vice Ministro sem Pasta para adequar o propósito político a orgânica governativa.


“...é comum nomearem-se Ministros que se ocupam de assuntos considerados importantes e em determinado período de tempo, mesmo sem que se criem Ministérios correspondentes. São os chamados Ministro Sem Pasta cuja designação cria confusão a muita gente ...” (Correio da Semana, N. 49, ano 3)

Outra particularidade foi a acomodação política do Dr. Jonas Savimbi, por via da atribuição do Estatuto Especial enquanto Líder da UNITA...o de Presidente do maior partido da oposição, contemplando direitos e deveres Constitucionais inerentes ao cargo...


...Com todas as reservas que a “prudência” das nossas fontes ainda nos aconselha, podemos avançar já que o “modelo” que está a ser burilada ou que já estará mesmo na sua fase final de elaboração, tem por “musa” o estatuto do líder da oposição da Grã-Bretanha, o “HER MAJESTY OPOSITION” (Correio da Semana, pág.3, 29 de Setembro a 5 Outubro 1996).
A formação do GURN e a tomada dos assentos na Assembleia Nacional pelos dirigentes da UNITA não impediu o recrudescimento em 1997 do conflito militar um pouco por todo o país, tornando este quadro insustentável a presença das Nações Unidas nos anos seguintes.
O país entrou para uma escalada militar sem precedentes. Combates cerrados registavam-se por toda a parte obrigando o Governo angolano a alterar o seu programa de reconstrução nacional e orientar novamente o esforço principal para o suporte político militar da guerra. Tal era o nível de confrontações que qualquer iniciativa política diplomática para novas negociações esvaziava-se antes mesmo de ganharem corpo. No campo militar a UNITA atravessava a sua pior crise politico -militar interna, com os apoios políticos e logísticos externos a escassearem.


Em Fevereiro de 2002 morre em combate o líder da UNITA e a Direcção sucessora (Comissão de Gestão) entabula conversações com o Governo angolano na Província do Moxico. O conteúdo das conversações mantinham-se na orbita do Acordoo de Lusaka e visaram no essencial a sua conclusão no que ficou registado como Entendimentos de Luena.


Eduardo Lisboa – Mestre em Governação e Gestão Pública