No galpão lotado, falta energia e os ventiladores não funcionam. Indiferentes ao calor, os fiéis dançam, batem palmas e cantam hinos religiosos. Jesus é louvado em português, umbundu, kimbundu e kikongo, línguas locais. Entre hinos e salmos, são frequentes os pedidos de protecção para a família e contra as forças do mal.

Agora, os fiéis aprendem que também precisam de protecção contra o HIV.

Aliança evangélica

Em 2006, onze denominações que integram a Aliança Evangélica de Angola (AEA) firmaram um acordo para desenvolver projectos sobre SIDA, malária e tuberculose.

A estimativa da AEA é que as congregações evangélicas reúnam mais de 3 milhões de pessoas, o que significa de 15 a 20 por cento da população angolana. Não há dados quanto ao número de seropositivos entre os fiéis, mas a seroprevalência nacional e menos de três por cento.

Segundo o secretário-geral da AEA, José Evaristo Abias, as igrejas têm promovido palestras de sensibilização para reduzir a exclusão de seropositivos e suas famílias.

No quesito prevenção, a AEA defende a abstinência sexual antes do casamento e a fidelidade.

“Procuramos não excluir outros meios de prevenção como o preservativo, desde que seja uma recomendação médica ou que os fiéis tenham relações sexuais com pessoas que não são membros da Igreja”, explica Abias.

Em caso de fiéis seropositivos, o pastor diz que a igreja recomenda a eles seguir o tratamento com antiretrovirais.

Um assunto difícil

A Igreja Cristã Evangélica, com seis mil membros só em Luanda, promove palestras trimestrais, aberta aos fiéis e à comunidade, nas províncias de Luanda, Benguela e Huíla.

O principal enfoque é a discriminação. Os fiéis são aconselhados a não desprezar os seropositivos, que podem ser abraçados e com quem podem dividir as refeições.

O uso do preservativo não é recomendado: os pastores acreditam que ele é um chamariz ao sexo com várias parceiras.

“Fizemos uma pesquisa ao distribuir preservativos e os rapazes disseram que usariam com quantas moças aparecessem”, diz o pastor António Maurício.

Mas os pastores são realistas. Na Igreja Cristã Evangélica, é aconselhado às mulheres casadas com homens “mundanos”, que peçam aos parceiros para usar preservativos no sexo fora do matrimónio. “Há senhoras que foram infectadas por maridos ímpios”, diz o pastor Maurício.

A Igreja Universal do Reino de Deus também iniciou uma serie de palestras, junto com a Rede de Organizações de Serviço da Sida em Angola (Anaso). Preservativos têm sido distribuídos, mas apenas para pessoas casadas.

Mudanças no púlpito

Para o coordenador da Rede de Pessoas Vivendo com VIH/Sida, António Ribeiro, as igrejas têm sido obrigadas a reconhecer a presença do HIV.

Há senhoras que foram infectadas por maridos ímpios. 
Ribeiro explica que os pastores não dizem mais que a “SIDA é um castigo de Deus”. Agora, optam pelo aconselhamento dos fiéis, promovem palestras com testemunhos de seropositivos e dão apoio espiritual.

Um exemplo é o trabalho da União Bíblica de Angola (UBA).

O coordenador da UBA, Noé Mateus, começou a trabalhar com as igrejas em 2003, devido ao crescente número de fiéis seropositivos.

“Muitas pessoas procuram a igreja ao receber o diagnóstico positivo de HIV. Como o estigma era muito grande, passamos a fazer um trabalho de sensibilização”, conta.

Actualmente, a UBA trabalha com 10 activistas remunerados e 50 voluntários. Eles atendem 30 seropositivos, em visitas domiciliares e hospitalares.

Toda quinta-feira, um grupo de ajuda mútua reúne-se na UBA para falar sobre vida positiva e auto-estima.

A UBA foi uma das primeiras integrantes da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Sida, formada em 2006.

Pastores seropositivos

Existe uma rede internacional de religiosos que vivem abertamente com HIV (leia mais). Mas em Angola, líderes religiosos vivendo com HIV ainda não falam publicamente da sua situação.

A Aliança Evangélica diz não ter conhecimento de nenhum pastor seropositivo.

Para Noé Mateus, o problema é que os pastores seropositivos sofrem discriminação dentro da própria igreja.

Mesmo os religiosos afectados pela epidemia preferem o anonimato, como é o caso do pastor Joaquim*, da Igreja Cristã Evangélica. Este ano, ele descobriu que seu irmão e sua cunhada eram seropositivos. Foi um choque.

“Eu já conhecia algumas pessoas seropositivas. Mas quando descobri que eu também tinha sido afectado pela doença [na minha família], decidi que tinha que fazer mais”, diz.

Três milhões de angolanos frequentam igrejas evangélicas no país
Hoje, o pastor faz o acompanhamento de fiéis seropositivos. Ele faz visitas domiciliares, acompanha os pacientes às consultas, consegue mantimentos e dinheiro para o transporte.

A mudança

Para a directora do Instituto Nacional de Luta contra Sida, Ducelina Serrano, a igreja pode contribuir muito para a educação e a mudança de comportamento.

Mas ela ressalta que a igreja não pode se opor ao uso do preservativo: “Achamos que a igreja não deve omitir que a camisinha é um recurso, quando não se pode praticar nem a fidelidade nem a abstinência.”

O activista Miguel André, da organização não governamental Acção Humana, completa: os pastores não podem apenas defender a fidelidade na relação.

“Eles precisam alertar os fiéis de que, antes do compromisso de fidelidade de um casal, os parceiros devem fazer o teste de HIV. Todos nós temos um passado”, alerta.

Já Mateus acredita que a igreja, aos poucos, começa a mudar o discurso. “Em pequenos grupos de jovens, já se fala da importância do uso do preservativo”, diz.

No entanto, Mateus, que é evangélico, reconhece que é um processo difícil e que a mudança ainda deve demorar.

Fonte: NewsPlus