Lisboa - Quando no espaço de (menos de) um ano, um ministério tem três titulares, o problema não está nos nomeados, mas sim no nomeador. Este foi o meu comentário, há dias, no Facebook, ao texto do mano Sousa Jamba desejando boa sorte a Ana Paula Tuavanji Elias que acabava de ser exonerada das funções de ministra da Educação de Angola.

Fonte:  Novo Jornal 

Porque “há sempre uma candeia, dentro da própria desgraça”, como poetiza Manuel Alegre, esperava que o debate se centrasse na instabilidade num ministério que precisa(va) de seguridade (pouco depois do arranque do novo ano lectivo) mais do que qualquer outro, porque trata da base de desenvolvimento de qualquer sociedade: a Educação.


Queria ver debatido o estrutural e não o conjuntural. Ouvir sobre que Educação teremos com tanta instabilidade no ministério reitor?


Infelizmente, a questão da dicção, pronúncia, sotaque da ministra em torno de certas palavras como compromisso e problema acabaram por aparecer junto da opinião pública como a justificação para o seu afastamento do Governo.


Em cinco meses, de Outubro a Março, Ana Paula Tuavanji Elias, que não terá tido tempo para pôr em prática os seus conhecimentos teóricos em matéria de Educação, ficou conhecida e chacoteada por pronunciar “compromissio” em vez de compromisso, sem que os seus algozes se preocupassem em fazer uma correcta avaliação do seu fugaz mandato.


Em tempos, uma ex-ministra angolana contou que durante os oito anos que serviu o país, numa área importante do Governo de José Eduardo Santos, nunca teve uma única reunião a sós com o então Presidente e que soube da sua nomeação pelo noticiário da rádio. Acrescentou, ainda, que eventuais orientações de JES eram-lhe transmitidas por uma auxiliar do director de gabinete do então Chefe de Estado.

Não sei se essa prática se mantém e se Ana Paula Tuavanji teria sido “vítima” desse deplorável comportamento que em nada dignifica o Estado e seus representantes.

O que se percebe é que a exoneração da ex-ministra, como tudo indica, terá ficado a dever-se às pressões de uma certa elite existente na sociedade angolana que se arroga no direito de definir os cânones de quem deve ou não ocupar certas pastas como a da Educação e afins ou ser jornalista/locutor na Rádio e TV. Quem ouve esses midia angolanos facilmente entende os esforços herculanos dos locutores para terem uma dicção lisboeta.

Para essa elite da tugofonia, mais importante do que a preparação técnica, a bagagem científica, a cultura geral do/a nomeado/a, é o seu sotaque, a dicção. Esses, mais do que laterais, são assuntos que traduzem questões de discriminação étnico-raciais que o país precisa de corajosamente discutir, deixando de lado a atitude da avestruz.


Se continuarmos a fingir que o problema não existe, qualquer dia temos a minoria da minoria a impor a todos o seu modus vivendi e continuaremos a ser, como escreveu Agostinho Neto. no poema Adeus à Hora da Largada, “os contratados a queimar a vida nos cafezais, os homens negros ignorantes que devem respeitar o Homem branco e temer o rico”


Essa elite que chama ou manda chamar langa ou zairense aos bakongo angolanos, bailundo a um ex-primeiro ministro e a deputados da Assembleia Nacional não suporta a diversidade de sotaques de português em Angola, que reflecte a pluralidade étnico-cultural do País.


Muitos ovimbundu, por influência da sua língua, dizem, lêm indender, (entender), mas escrevem correctamente a palavra. A história do “compromissio” que a ministra, natural da Huila, terá pronunciado, situa-se neste quadro.


A elite em causa trata das coisas como se existisse na sociedade uns predestinados por uma qualquer divindade para ocupar certas funções. Gente com apelidos e lugares de nascimento marcados.


Enquanto pensam que a prioridade da Escola angolana deve ser ensinar aos nossos ana ndenge a papaguear o sotaque lisboeta, ignoram as mais de um milhão de crianças nacionais fora do sistema de ensino, ou as milhares que diariamente atravessam as fronteiras com o Congo e a Namíbia para estudar nesses países por falta de oportunidades na sua terra. Bem tem razão o Paulo Flores quando interroga, cantando de forma exclamativa, “E a vida que gente teria se a Educação fosse prioridade na periferia…!?”


A prioridade da Escola que precisamos deve ser não deixar ninguém de fora, ensinar às crianças e aos jovens a pensar, independentemente dos sotaques. Educar para o raciocínio lógico.


Para isso, a Escola deve dar aos mais novos ferramentas humanas indispensáveis, como conhecer Anta Diop do Senegal, como um dos maiores filósofos, pensadores contemporâneos, apreciar um quadro de Malangatana de Moçambique ou da Inji Efflatoun do Egipto, perceber que os textos de Paulina Chiziane ou de Chimamanda Ngozi Adichie falam de uma cultura que também é a sua ou ainda deleitar-se com o dueto Cesária Évora/Salif Keita.


Escola que ensina que quando o povo diz “vou se lavar” transcreve literalmente as suas línguas bantu, onde os pronomes oblíquos não têm número, nem género. Em Kimbundu: Ngondo di Sukula (Vou me lavar), Tondo di Sukula (Vamos nos lavar), o pronome obliquo di mantém-se inalterável.

O Rwanda de Paul Kagame (por quem não nutro especial simpatia pelo seu sexismo e coartar de outras liberdades) mudou do francês para inglês como língua oficial e os resultados estão à vista.


Não sei se o português é uma desvantagem ao desenvolvimento sócio económico e político do país, mas uma coisa é certa não existe nenhum país desenvolvido do Mundo que tem o português como principal língua. Angola precisa de pensar nas coisas para lá da espuma dos dia.