Luanda - Nos dias que correm a aldeia global partilha uma vulnerabilidade comum que expõe mais um episódio de distribuição desigual da precariedade. As circunstâncias excepcionais que abruptamente alteraram a nossa paisagem social, para além de servirem de teste à robustez das instituições, fazem antever consequências corrosivas com impacto de longo alcance nas formas societárias de relação social. A problematização dos mecanismos sociais de actuação para uma situação de surto pandémico requer uma análise anatómica da estrutura específica de cada sociedade com o propósito de articular respostas eficientes e localmente situadas.

Fonte: Club-k.net

Uma das formas de mitigar as desigualdades no acesso aos meios e recursos para lidar com qualquer pandemia é a construção de conhecimento especializado, assente em pressupostos de observação da realidade factual e na tradução cognitiva da sua existência. Um potencial risco torna-se sociologicamente relevante a partir da formulação da relação dicotómica causa/consequências, da identificação de problemas socioeconómicos estruturais que são anteriores à produção dos riscos e da percepção destes pela sociedade como um todo. Assente nesse critério de orientação, as possibilidades de reacção colectivizada a uma patologia social virulenta podem assumir um carácter diferenciado de acordo ao significado simbólico que lhe atribuímos e ao acesso desigual de bens culturais e serviços sociais.


Enquanto agente de desregulação as pandemias desestruturam economias, alteram dinâmicas societais e acentuam ou atenuam processos de marginalização de indivíduos grupos e estilos de vida. O novo “normal” que vivemos - com mudanças de rotinas, aumento substancial da vigilância e controlo sistematizado - mobiliza outras gramáticas do social, ou seja, outras formas de estar, pensar e sentir. Estas, por sua vez, moldam comportamentos e atitudes. Assim, por um lado, como efeitos imediatos, poder-se-á verificar o acentuar da uma tripla linha abissal: entre “nós” e os “outros”; “saudáveis” e “doentes”; ou, mais precisamente, entre “grupos de risco” e “restante sociedade”. Por outro, as pessoas sujeitas a um isolamento social institucionalizado poderão tornar-se o alvo vulnerável de um estigma social generalizado. Pois, em muitos casos, o fim da quarentena implicará o início de uma longa trajectória de sociabilidade, de reintegração, e até mesmo de ressocialização!


Num cenário emergencial, com fortes probabilidades de produção de tensões desagregadoras, a estruturação de mecanismos compensatórios a uma ameaça não pode descurar as várias experiências e sensibilidades em presença. Se os números têm uma dimensão universal, os fenómenos e factos que estes descrevem revestem-se de uma dimensão local. Assim, apurar as sensibilidades requer, entre outros aspectos, a compreensão e consequente desconstrução das lógicas de quantificação económica dos serviços sociais básicos - como saúde, educação e, até mesmo, do lazer - enquanto processo de “desmercadorização” de bens indispensáveis à cidadania plena.


Para terminar, importa salientar que numa sociedade cada vez mais exposta as redes sociais e as fake news torna-se fundamental a imaginação de soluções orientadas para a participação informada dos actores, quer a nível dos bairros e das comunidades. E, em termos de saúde pública, a superação de crises implica relações de confiança, cooperação e solidariedade entre dirigentes governativos, autoridades sanitárias e cidadãos em geral.

*Investigador e Mestre em Sociologia