Lisboa - A cineasta Sarah Maldoror, que adaptou a obra do escritor angolano José Luandino Vieira para cinema e abordou a Guerra Colonial, morreu hoje, em Paris aos 90 anos. Foi mulher de Mário Pinto de Andrade.

Fonte: Lusa

A notícia foi tornada pública pelas filhas, Anouchka e Henda, num comunicado citado pelas plataformas `online` Buala e Africulture.

 

Filha de pai antilhano e mãe francesa, Sarah Ducados nasceu em 1929 em França. Maldoror foi o apelido que escolheu enquanto artista, em homenagem ao poeta surrealista Lautréamont, autor dos "Cantos de Maldoror".

 

A carreira de Sarah Maldoror começou pelo teatro, tendo fundado, em 1956, a Les Griots, "primeira companhia composta por atores africanos e afro-caribenhos, para pôr fim aos papéis de serva e tornar conhecidos artistas e escritores negros", recordam as filhas.

 

"Essa dimensão teatral e o seu desejo de transmissão de outras culturas constituirão o foco da sua conceção da criação", referem Anouchka e Henda, no comunicado hoje divulgado.

 

O primeiro filme de Sarah Maldoror, a curta-metragem "Monangambé", data de 1959, e é uma adaptação do conto "O Fato Completo de Lucas Matesso", de José Luandino Vieira.

 

Mais tarde, em 1972, seria "A Vida Verdadeira de Domingos Xavier", de Luandino Vieira, a inspirar a longa-metragem "Sambizanga", "uma das maiores obras do cinema africano, que reconfirma a reputação [da cineasta] de artista engajada".

 

Filmada no Congo, "Sambizanga" aborda a guerra colonial portuguesa, desde o início, em Angola, e teve como coargumentista o sociólogo e poeta Mário Pinto de Andrade, fundador e primeiro presidente do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), e companheiro da cineasta.

 

O filme fala de uma mulher que procura o marido, preso pela polícia política, e toma o nome do bairro operário Sambizanga, de Luanda, no qual se localizava a prisão do regime colonial, cujo assalto, em 1961, desencadeia a luta armada pela independência, contra a ditadura.

 

Com esta obra, Sarah Maldoror "abriu caminho para que fosse mostrada a guerra de libertação de Angola pela perspetiva da mulher", escreveu a investigadora norte-americana Beti Ellerson, fundadora do Centre for the Study and Research of African Women in Cinema.

 

A formação de Sarah Maldoror em cinema foi feita em Moscovo, para onde se tinha mudado em 1961, para frequentar a Academia de Cinema de Moscovo, com bolsas concedidas na Guiné Conacri, tendo trabalhado com o cineasta senegalês Ousmane Sembène, precursor do cinema africano.

 

"Depois desta estadia soviética junta-se aos pioneiros dos movimentos de libertação africanos, na Guiné, Argélia e Guiné-Bissau, ao lado do seu companheiro Mário Pinto de Andrade", recordam as filhas da cineasta.

 

O cinema de Sarah Maldoror teve por palco a Guiné-Bissau e o Sahel, a Ilha do Fogo, em Cabo Verde, a Tunísia, o Senegal, abordando o racismo, questões de género, o papel da mulher na luta pela libertação e o património cultural africano.

 

A sua cinematografia inclui documentários como "Máscara das Palavras", dedicado ao poeta Aimé Césaire, e ao líder senegalês Leopold Senghor, poeta da negritude e membro da Academia Francesa.

 

Numa entrevista publicada no Fórum Itinerante do Cinema Negro, Sarah Maldoror defendeu a importância do cinema e dos cineastas africanos na História de África. "A História tem sido escrita por outros e não por nós", disse então a Beti Ellerson, professora da Universidade de Howard, nos Estados Unidos.

 

"Se eu não me interesso pela minha própria história, quem vai se interessar?", interrogava-se Sarah Maldoror. "Creio que é necessário defendermos a nossa própria história, dá-la a conhecer, com todas as nossas qualidades e defeitos, as nossas esperanças e desesperos", afirmou nessa entrevista de 1997, à investigadora norte-americana.

 

"As mulheres africanas devem estar em todo o lado [no cinema]. Devem estar nas imagens, atrás da câmara, na sala de montagem e envolvidas em todas as fases de produção de um filme. Devem ser elas a falar sobre os seus problemas", afirmou.

 

Sarah Maldoror foi a cineasta homenageada no primeiro FIC Luanda (Festival Internacional de Cinema), em 2008, e nessa altura pôde revisitar Angola, país que ocupou grande parte da sua obra.

 

"Sou de Guadalupe, faço parte dos escravos que foram enviados para lá. Sou Africana", disse então a realizadora ao Novo Jornal de Angola, quando esteve presente em Luanda.

 

Em 2011, o Cine Lumière de Londres, sala do Instituto Francês, na capital britânica, exibiu as primeiras obras de Maldoror, com a presença da cineasta.

 

No ano passado, o seu trabalho foi alvo de uma retrospetiva no Museu Rainha Sofia, em Madrid.