Luanda - O tempo, escreveu o meu camarada do Expresso Luís Marques, não está para especialistas”, mas para políticos que conseguem “cálculos de sair da rotina quando o inesperado acontece. E o inesperado aconteceu agora. Como já havia acontecido em 2007 com a sublevação do “subprime”. E voltaria a acontecer em finais de 2014 com uma primeira hecatombe no preço do barril do petróleo.

Fonte: Novo Jornal

Desta vez, com um novo inesperado, assistimos a aterragem em todo o mundo da pandemia do Coronavírus. Que, pelos vistos, recebeu uma resposta “enérgica” dos nossos notáveis deputados que, mesmo tendo sido à margem das recomendações da OMS, acabou por se revelar “eficaz” na prevenção da infiltração e da propagação do vírus nos amplos e confortáveis gabinetes de trabalho do nosso majestoso Parlamento…

 

Antecipando-se aos seus estragos, os nossos ilustres deputados, para “corrigir o que esta(va) mal” e para poupar recursos do Estado, decidiram comprar, mensalmente a preço do saldo 300 esferográficas por apenas 1.000.000.00 Kz e 300 pacotes de papel higiene por apenas 750.000.00 Kz…

 

Antecipando aos seus estragos, os nossos queridos deputados, foram às compras e abarrotaram os seus gabinetes com remessas industriais de rolos de papel higiénico para proceder a “limpeza” da aritmética do Ministério das Finanças e para ornamentar o “apagão” registado na fiscalização feita pelo Tribunal de Contas…

 

Antecipando-se aos seus estragos, os nossos distintos deputados, para dar largas à sua vocação como requerimentistas de 1ª classe e para conferir brilhantismo às suas teses, decidiram comprar sofisticados aparos para os mergulhar agora em tinteiros almofadados em “suave” papel higiénico…

 

O resultado, parlamentarmente chancelado pelo Diário da República, está embrulhado em documentos aprovados pela magna Casa das Leis cuja serventia, como escreveu Alves da Rocha no seu artigo da semana passada no Expansão, “não tem classificação na gama de adjectivos da gramática da língua portuguesa”…

 

O resultado, perante tanta fartura de papel higiénico e à desesperada procura de talentos por parte do júri do Prémio de Literatura da Sonangol, abre aos nossos criativos deputados, uma oportunidade de ouro para que estes possam, finalmente, libertar o seu inesgotável gênio literário e, desta forma, arrecadar o almejado galardão…

 

Não espanta, por isso, que, ante o desfile de tão abundante naipe de talentos, o Parlamento angolano se sinta agora orgulhoso por ter sido “eleito” pela OMS como a única instituição do nosso país que previu, com avisada antecipação, a chegada da Covid 19…

 

Ao entrar pelas nossas casas sem pedir licença, esta pandemia está agora a obrigar-nos a alterar a rotina. Mas, esta inesperada tragédia não veio sozinha. Com ela chegou também uma mais ou menos esperada remodelação governamental. Uma mudança? Calma.

 

Calma porque mudaram-se os tempos e mudaram-se as vontades, mas o país continua prisioneiro da antiga visão suburbana do poder e por arrastamento do mesmo atraso político, da mesma megalomania estrutural e do mesmo subdesenvolvimento mental. Calma porque mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades e, com isso, o Presidente procedeu agora à mudança da embalagem do Governo com novas imagens no rotulo, mas nada garante que o efeito do produto final, em muitos casos, não venha a ser o mesmo.

 

Calma porque destapado o interior da nova embalagem, poderosos e obscuros interesses financeiros

 

que se entrelaçam nas escadarias do poder, continuam a fazer patinar o arranque da máquina governativa.

Portanto, calma.

Calma porque ainda estamos muito longe de neutralizar a pulverização da corrupção, do suborno e

do tráfico de influência como velhas pandemias que continuam a contaminar a saúde da nossa vida política, económica e social.

Calma porque ainda estamos muito longe de perceber que “o negócio do negócio é negociar e o negócio do Estado é distribuir e os dois não se devem confundir e inverter”, como aconselha um sujeito americano de nome Michaeal Kinsley.

Estamos, na verdade, muito longe de acreditar que se este sujeito cá viesse, a esta hora ficaria estarrecido com o que haveria de encontrar aqui. E o que poderia encontrar aqui? O negócio como modelo de desenvolvimento? Sim, também encontraria aqui.

A civilização, como escreveu a Clara Ferreira Alves, como conceito “baseado na capacidade de transcender a nossa condição e a nossa origem, o nosso privilégio e a nossa distinção”?

Sim, também encontraria aqui. Espécimes que advogam a protecção dos “pobres e dos desprotegidos contra a tentação do poder esmagador dos ricos e poderosos”?

Sim, também encontraria aqui. Criaturas promotoras dos direitos humanos? Sim, também encontraria aqui. Sujeitos defensores do direito de verem os filhos assistidos em hospitais decentes ou a frequentarem estabelecimentos de ensino decentes? Sim, também encontraria aqui.Cidadãos defensores do direito de serem proprietários de casas decentes, de frequentarem restaurantes decentes ou do direito de disporem de bens de consumo decentes? Sim, tudo isso encontraria aqui.

Mas, não encontrará aqui apenas isso. Encontrará aqui muito mais, que vai para além da convivência e dos hábitos de gente supostamente regrada, mas que hoje dedica uma devoção espantosa à cultura das coisas indecentes.

Encontrará aqui um Estado com estruturas tão frágeis como a fissura dos cabides que o suportam. Encontrará aqui um poder legislativo que, comportando-se como uma sucursal do poder executivo, ao driblar o sistema de controlo do Ministério das Finanças, exibe-se como um poder que viola as leis e que se ergue, triunfal, acima das leis por si próprio aprovadas. Encontrará aqui um tempo que se, em condições normais já andava ao ralenti, agora, fustigado por duas violentas tempestades, se não abraçarmos a cultura da seriedade e da responsabilização e se não nos precavermos com medidas que passam pelo encerramento e fusão de Institutos Públicos e Direcções Nacionais que se

sobrepõem, fecho de algumas representações diplomáticas inúteis e porventura eliminação de “pontes”, que só acentuam a nossa vocação para a diversão, corremos o risco de “mudar tudo, para tudo ficar na mesma”…

Encontrará aqui um governo, que se assemelha a uma equipa de futebol formada por um plantel demasiado numeroso, dispendioso e não raras vezes dessincronizado.

Encontrará aqui um sistema de “casting” recheado de equívocos que respigou para o onze ideal alguns “mitos” que, em condições normais, nem sequer teriam lugar numa equipa de reservas do segundo escalão…

Encontrará aqui um treinador a pretender imprimir uma velocidade que entronca na incapacidade de resposta de jogadores mal posicionados em campo, sem garra, sem visão de jogo e que, para desgraça da massa associativa, ainda se fartam de marcar auto-golos…

Encontrará aqui uma equipa que, em dois anos de competição, ao ter sido sujeita a permanentes

mutações genéticas no onze nacional, tornou-se vulnerável à instabilidade interna e está a instalar a

desconfiança quer entre os seus próprios adeptos, quer entre aqueles que, a partir do estrangeiro,

pretendem investir nos seus activos. Encontrará aqui uma nova liderança que cedeu à ilusão de grandeza de um Estado que, na sua dimensão, mais não faz do que promover a ineficiência e ineficácia e, no seu gigantismo, mais não faz do que aniquilar o direito dos cidadãos usufruírem de um bom serviço público e de exercer o controlo sobre as instituições políticas, sociais e económicas.

Encontrará aqui um sistema de tal forma contaminado pelo vírus da corrupção, que os escândalos que nos últimos anos enlamearam as relações de promiscuidade entre alguns altos detentores de cargos políticos e os dinheiros públicos e entre servidores do Estado e interesses privados, só comprova que o poder, afinal, continua a chafurdar ainda ao redor de uma grande pocilga.

Encontrará aqui um sistema que, mesmo diante de uma calamidade sanitária tão cruel como a que neste momento devasta a vida de milhares de pessoas em todo o mundo, não resiste ao assédio de um consultório privado de cardiologia ou à “lavagem” de uma offshore para caucionar a importação, à China, de equipamentos e de instrumentos de prevenção na luta contra a pandemia do Coronavírus…

Encontrará aqui um Governo com figuras que tendo sido afastadas umas, permanecendo por lá outras, mas mergulhadas ambas no pântano da corrupção e acoitando ambas o vírus da arrogância, afinal, só demonstram que, definitivamente, não estão preparadas nem interessadas em abraçar uma

governação competente, abrangente, comprometida, séria, sadia e decente.

Aqui chegados, esmagados pela pandemia do Covid 19, já não nos basta, pois, higienizar as mãos. Não basta como disse esta semana aos microfones da LAC o general Raúl Hendrik. Mas este prestigiado médico do Hospital Militar, não ficou por aqui. Olhando para os estragos de uma outra pandemia, fez-nos ver que, não bastando higienizar as mãos, é preciso também higienizar a nossa urbanidade. E o cérebro. Assino por baixo.