Sumbe - A 3 de Maio do corrente ano, por volta das 19h00, o cidadão Araújo Manjor, professor e residente no Bairro Assaca, na cidade do Sumbe, Província do Kwanza Sul, foi chamado por via telefónica pela sua cunhada, a fim lhe auxiliá- la nalgumas actividades domésticas, no vizinho Bairro Américo Boavida, por sua incapacidade em realizar determinadas tarefas pesadas, já que a mesma teve recentemente parto cesariano. Ao regressar à sua residência, Araújo Manjor foi abordado por agentes da Polícia Nacional, que, junto de outros cidadãos, foi levado à esquadra do Comando Municipal da Polícia do Sumbe, onde foi surrado com porretes.

Fonte: Club-k.net

Eis o relato dos factos nas palavras do próprio:

No passado dia 3 de Maio do corrente ano, pelas 19h00, eu fui chamado, por via telefónica, pela minha cunhada, a fim lhe auxiliá-la nalgumas operações correntes em sua casa, no Bairro Américo Boavida desta cidade do Sumbe, pois ela apresenta limitações em realizar determinadas tarefas pesadas, já que teve parto cesariano há pouco menos de duas semanas.


A tarefa de cuidá-la sempre esteve a cargo da sua prima-irmã que, na altura, não se encontrava na residência, pelo que me senti na obrigação de atender ao seu pedido, já que a minha residência (que fica no Bairro Assaca) localiza-se a poucos metros da sua residência.


Por volta das 21h30, eu voltava para a minha residência quando, na estrada, vi-me cercado por dois carros-patrulha da Polícia Nacional, que me abordaram e, a seguir, com tom de arrogância, questionaram-me de onde vinha e para onde ia. Respondi-lhes que vinha de prestar auxílio à cunhada e voltava para casa. Sem que eu tivesse terminado de responder, um dos policiais orientou (ordenou) que eu me voltasse ao “chefe” (que parecia ser o chefe da operação). Este questionou-me se eu não sabia que era proibido circular na rua naquelas horas.


À medida que eu justificava a minha presença na rua, os agentes cortavam-me o direito de me explicar e, não tardou, mandaram-me subir no carro–patrulha, aonde já se encontravam cerca de 6 cidadãos, que pareciam ter sido detidos no Bairro Estaleiro, de onde vinham.


Consciente de que não podia reclamar perante uma ordem policial sob pena de incorrer em desacato, entendi subir na viatura e ao mesmo tempo tentar explicar que a casa de onde eu saíra estava localizada exactamente a 9 metros do local onde estava a ser detido. Convidei os agentes – dois ou três – a fim de que me seguissem para que constatassem in loco a veracidade da minha justificação. Mas eles não queriam saber, alegando que eu estava é a sair do local à procura da namorada.


Percebi então que os policiais estavam a violar o próprio Decreto Presidencial sobre o Estado de Emergência, que determina que o cidadão que estiver a circular fora do horário estipulado deve ter interdita a liberdade a circulação, salvo nos casos em que for estritamente necessário, como, por exemplo, ir à farmácia ou acudir a uma situação de saúde de um familiar e, na pior das hipóteses, sempre que se achar sem propriedades a justificação, deverá o cidadão ser mandado regressar ao local de origem, independentemente de ser a sua residência fixa. Mas tal não aconteceu comigo.


No percurso até à esquadra do Comando Municipal da Polícia Nacional do Sumbe, o corpo policial fez a detenção de uma jovem que se encontrava aparentemente em frente da sua casa (no Bairro Assaca), em estado de gestação, mas visivelmente ébria, e, mais adiante, um senhor que se encontrava parado na rua.


Mandaram-nos descer da viatura após termos chegado à esquadra; a seguir puseram-nos a todos em fila para que entrássemos numa sala de triagem, onde seriam tirados os nossos dados, mas, de repente, os agentes começaram a discutir sobre se teriam de surrar-nos com porretes ou não, uns alegando que, se os primeiros foram porreteados, nós também tínhamos de ser surrados, e que essa medida fora dada pelo chefe, e outros defendendo ponderação.
Daí eu comecei a trocar palavras com eles, no sentido de informá-los de que essa medida estava incorrecta e era inconstitucional, e que, sobretudo, era um autêntico disparate bater nas pessoas por circularem fora do horário previsto pelo Estado de Emergência. Os agentes centraram então as suas atenções em mim e, efusivamente, todos os policiais que estavam no local gritaram connosco e insinuaram que tínhamos mesmo de ser surrados para aprendermos a lição.


Os agentes começaram então a surrar a jovem grávida e, de repente, outro policial apareceu a advertir que não se devia bater nela por estar grávida. Eles só pararam de surrá-la depois de a terem dado cerca de dez porretadas violentíssimas. Enquanto ela se contorcia de dores, os agentes passaram a surrar todos os outros conforme a ordem da fila. Eu era o último da fila. Chegada a minha vez, insisti que não deviam surrar-nos e, de repente, três policiais caíram em mim com uma carga de porretadas nas nádegas e nas costas, deixando-me com escoriações. Daí, depois de termos sido surrados, mandaram-nos à sala de triagem para a nossa identificação.


No decurso da triagem dos dados nominais e locais de residência, eram vários os policiais que nos ameaçaram com a promessa de que iríamos pernoitar na prisão pelo tempo que lhes conviesse, tendo um deles chegado ao ponto de afirmar (parecia ser o oficial-dia) que o policial, na altura da detenção, é presidente, é juiz e é autónomo nas decisões que tomar. Acrescentou que cada um tem a sua educação, o seu temperamento e o entendimento da situação e cabe somente a ele nos ouvir ou não, e que as porretadas eram necessárias para que não voltássemos a circular à noite na rua e, sobretudo, iríamos ser julgados e condenados a 3 ou 6 meses de cadeia, dependendo da vontade deles.


Tivemos os nossos telemóveis retirados, mas devolveram-nos a seguir para ligarmos aos nossos parentes a informa-los sobre a nossa detenção. Foi nessa altura em que eu pude fazer ligações à família e certas pessoas influentes para viabilizarem a minha libertação.


Mesmo na cadeia, pude saber que fora feita a detenção de um grupo de jovens (cerca de 6) que estavam em sua residência no quintal, em convívio. A polícia arrombou a mesma alegando aglomerações. O facto foi confirmado por eles e pelos próprios policiais.

Na esquadra do Comando Municipal da Polícia Nacional do Sumbe havia muita gente presa: adolescentes, jovens e cidadãos de meia-idade; casais e solteiros que, aos montes, estavam deitados no chão por determinação policial, não observando os critérios de higiene (já que a nave onde estávamos tresandava à urina) nem tão-pouco o distanciamento social, fazendo com que todos nós ficássemos expostos ao Coronavírus e à Covid-19, num claro paradoxo da actividade policial, em sede da qual prendeu boa parte daqueles indivíduos por causa do referido patógeno e da doença que provoca.


São inúmeros os casos de excesso policial, por conta da má interpretação do Decreto Presidencial sobre o Estado de Emergência, uma prática aceite pelo responsável sénior da referida esquadra policial que pediu-nos os dados, e que assumiu (embora não publicamente) ter havido realmente detenções arbitrárias, e que ele já estava cansado de advertir aos seus efectivos do cumprimento legal das orientações estatuídas no Decreto Presidencial.