Luanda - Angola depositou no dia 11 de Maio do corrente ano três documentos importantes da União Africana, tais como a Carta de Adesão ao Protocolo do Tribunal de Justiça da União Africana, Carta de Ratificação da Convenção da União Africana sobre a Ciber segurança e Protecção de Dados e Carta para Ratificação do Protocolo da União Africana relativo aos Estatutos do Tribunal Africano de Justiça e dos Direitos Humanos, este facto constitui um passo importantíssimo para os cidadãos angolanos por serem estes os destinatários dos Direitos Humanos catalogados nos instrumentos jurídicos internacionais, africanos e do país. O protocolo à Carta Africana relativo ao referido Tribunal existe desde 1998, entrou em vigor em 2004 e apenas 30 países ratificaram ou aderiram. Avançamos 5 vantagens do recente depósito por Angola do protocolo em destaque.

Fonte: Club-k.net

1. CASOS DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS EM ANGOLA PODERÃO SER APRECIADOS PELO TRIBUNAL AFRICANO

 

Com o recente depósito da Carta de Adesão ao Protocolo do Tribunal de Justiça da União Africana e dos respectivos Estatutos, Angola passa a reconhecer a competência do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos (doravante Tribunal Africano) para julgar casos de violações de Direitos Humanos que tenham ocorrido em Angola e que tenham respaldo na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos ou qualquer outro tratado relevante de Direitos Humanos ratificados pelo Estado Angolano.

 

Até pouco tempo, as violações de Direitos Humanos ocorridas em Angola (e cujo dever de agir recaia sobre o Estado) podiam ser reportadas à Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, que apresentava o seu posicionamento acerca do assunto. Alguns exemplos de queixas apresentadas à Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos são os casos David Mendes c. Angola (2012) e Tembani c. Angola (2012).



2. O ESTADO ANGOLANO PODERÁ SER RESPONSABILIZADO POR EVENTUAIS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS

 

As queixas apresentadas ao Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos que envolvam o Estado Angolano, se forem julgadas procedentes podem, caso a caso, resultar numa responsabilização do Estado Angolano pelos danos sofridos.

 

As queixas apresentadas à Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e por esta aceitas resultavam, até pouco tempo, em recomendações ao Estado Angolano, que quase apenas serve para abalar o good looking do país. No contexto do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, é possível que o Estado Angolano seja condenado a reparar danos ou compensar vítimas pelos danos resultantes da violação do seu legítimo direito. Em regra, as expressões usadas pelo Tribunal Africano são “ordene o Estado a tomar medidas para reparar os danos no prazo de…” e estabelece o Tribunal prazo razoável (normalmente, 6 meses).

 

Esta possibilidade de responsabilização despoleta uma necessidade de um Estado garantir, sempre que possível, o exercícios dos direitos humanos de que se deva omitir (acontece em regra com os direitos civis e políticos) ou providenciar o mínimo existencial e sua progressividade (no caso dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais).


3. AS CAUSAS SÃO JULGADAS POR VERDADEIROS JUÍZES EM COLÉGIO

 

O Tribunal Africano por ser um verdadeiro tribunal regional é composto por verdadeiros juízes que dão tratamento dos casos consultivos (quando o tribunal apenas dá pareces sobre a aplicação ou interpretação da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos ou outra questão de Direitos Humanos de ordem material ou formal em África) e dos casos contenciosos (quando o tribunal recebe queixas sobre violações de Direitos Humanos protagonizadas pelo Estado por acção ou omissão e as aprecia em juízo).

 

A situação é diferente do que ocorre na Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, onde as queixas são apreciadas por peritos mas sem o estatuto de juízes.

 

De acordo com o Protocolo do Tribunal, a “casa de justiça africana” é composta por onze (11) juízes de diferentes países com notória experiência na área dos Direitos Humanos eleitos por um mandato de seis (6) anos.


4. DECISÕES DOS TRIBUNAIS ANGOLANOS QUE FIRAM DIREITOS HUMANOS PODERÃO SER APRECIADAS PELO TRIBUNAL AFRICANO

 

As pessoas que tenham recorrido às instâncias judiciais angolanas para obter reparação do seu dano ou compensação pelo dano sofrido e tenham visto a situação não resolvida pelo facto da decisão do tribunal que julgou ter sido manifestamente injusta e que belisca direitos humanos poderão agora recorrer ao Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos para a devida apreciação do caso por este órgão judicial.

 

Apesar desta faculdade, é preciso salientar que o Tribunal Africano não deverá ser visto como mais uma instância de recurso na medida em que não lhe compete reapreciar a decisão proferida pelo Tribunal de jurisdição interna, nos mesmos termos que aconteceria no sistema judiciário do país, anulando-a por exemplo, pois esta é uma competência dos tribunais de recurso de cada país.

 

Todavia, decisões manifestamente comprometedoras ao exercício de direitos humanos poderão merecer algum desvalor e dar lugar à necessidade de o Estado tomar medidas para sanação do infortúnio, se for possível, ou à condenação do Estado à reparação do dano decorrente da decisão. Por outro lado, poderá a substância do caso ser apreciadas pelo Tribunal Africano, valendo apenas a decisão do tribunal interno (do país), a depender do caso, como fundamento para admissibilidade da queixa uma vez que faria prova de que foram esgotados os recursos internos do Estado. Ademais, para tal requisito de admissibilidade é necessário que a decisão tenha sido proferida pela última instância de recurso do Estado.


5. MECANISMOS PROCESSUAIS SIMPLIFICADOS

 

Por se tratar de Direitos Humanos, os mecanismos processuais para se recorrer ao Tribunal Africano são simplificados, não há modelos estritos a serem seguidos para apresentação de queixas e pede-se que sejam o mais directas possíveis. É, todavia, recomendável que as vítimas procurem advogados ou entidades que tenham algum domínio do sistema africano de protecção de direitos humanos, suas regras de admissibilidade e de competência de cada um dos órgãos, como funciona uma participação-queixa, em que situações podem ser apresentadas e como devem ser apresentadas.

 

Apesar da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos estabelecer sete (7) requisitos para que uma participação-queixa seja admissível, o primeiro e mais importante requisito a ser analisado é o do esgotamento dos recursos internos. A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos esclareceu nas Comunicações 147/95 e 149/96 que os recursos internos devem ser disponíveis, suficientes e eficazes. A depender de cada caso podem ser atendidas algumas excepções aos requisitos estabelecidos na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos quando devidamente fundamentadas.

 

À parte isso, é, obviamente, necessário também expor as razões pelas quais se entende que o Tribunal Africano possui competência em razão da qualidade das partes (locus standi), da matéria e do tempo. Contudo, as dúvidas sobre a competência do Tribunal Africano são supridas pelo próprio Tribunal nos termos do Protocolo que o regula.

 

O reconhecimento pelo Estado Angolano da jurisdição do Tribunal Africano constitui uma progressão significativa para materialização dos direitos humanos inscritos na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos bem como em qualquer outro documento de direitos humanos que tenha sido acolhido pelo Estado. Agora, as atenções deverão estar viradas na divulgação deste veículo de elevada relevância para concretização dos direitos humanos e potencialização das organizações não governamentais que lidam com direitos humanos.


Luanda, 23 de Maio de 2020


Referências

MOCO, Marcolino. Direitos Humanos e Seus Mecanismos de Protecção. Luanda: Edições Almedina, 2010; Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos; Protocolo do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos; Protocolo do Tribunal de Justiça da União Africana; Protocolo da União Africana relativo aos Estatutos do Tribunal Africano de Justiça e dos Direitos Humanos; African-court.org; http://jornaldeangola.sapo.ao/politica/angolanos-podem-recorrer-ao-tribunal-de-justica-da-ua