Luanda - Nesta semana dedicada ao nosso continente, aproveito a ocasião para lançar um “olhar clínico” sobre aquilo que são ás potencialidades da República de Angola e da RDC no que tange a possíveis vantagens que poderão advir por intermédio de uma verdadeira parceria estratégica, uma vez tratar-se de dois países que revelam um enorme potencial no que a recursos minerais e naturais diz respeito.

Fonte: Club-k.net

As relações diplomáticas entre a República de Angola e a República Democrática do Congo, remontam a várias décadas. Desde o Século XIX, altura em que tiveram início os primeiros contactos entre os dois países vizinhos.


Para além da partilha de zonas fronteiriças com mais 2.500 Km, esta vizinhança permitiu igualmente que parte da sua população comungasse hábitos, culturas e costumes semelhantes em certas zonas do nosso país, particularmente nas províncias do Zaíre, Uíge, Malange, Moxico e nas Lundas (Norte e Sul).


Na verdade, a relação entre os dois países irmãos têm sido caracterizada por momentos de alguma instabilidade política e diplomática, com avanços e recuos, fruto de algumas incompreensões e alguma falta de visão em relação aos aspectos que devem realmente merecer maior atenção.


Mesmo com o grande potencial revelado pela a RDC e Angola em termos de recursos, continuamos a observar, por parte dos Lideres Africanos, a ausência de uma visão real sobre os verdadeiros benefícios que se poderíamos “colher”, através de uma relação sã e próspera entre estes dois povos que estão condenados a “caminhar” de mãos dadas eternamente.

Porque vejamos:


A República Democrática do Congo (RDC) possui, pelo menos, 64% das reservas mundiais de coltan (mistura dos minerais columbite e tantalite que é usada, principalmente, na maioria dos eletrônicos portáteis) a sua economia baseia-se na exploração de

recursos minerais, sobretudo cobalto, cobre e diamantes. O país tem grande potencial hidroelétrico, além de abundância de recursos madeireiros e agrícolas (café, cacau, dendê).


Na RDC estima-se que, aproximadamente 70% da força de trabalho está desempregada, sobrevivendo graças ao sector informal da economia que, além da agricultura de subsistência, inclui toda uma gama de atividades nas áreas de comércio, transportes e serviços em geral.


O fenómeno do desemprego e da informalidade que caracteriza a RDC, também se regista em Angola. Portanto, existe este dado em comum que pode ser aproveitado por ambos os países para a definição de uma estratégia conjunta relativamente aos recursos humanos.
A RDC é um dos estados mais ricos de África, quer ao nível dos recursos minerais e naturais, quer pela imensa bacia hidrográfica do rio Congo e dos seus afluentes.


Angola possui uma grande diversidade de recursos naturais. Estima-se que seu subsolo tenha 35 dos 45 minerais mais importantes do comércio mundial, entre os quais se destacam petróleo, diamante e gás natural. Há também grandes reservas de fosfato, ferro, manganês, cobre, ouro e rochas ornamentais.


As principais bacias de petróleo em expansão situam-se junto á costa nas províncias de Cabinda e Zaire, no norte do País. As reservas de diamantes nas províncias da Lunda-Norte e Lunda-Sul são admiradas pela sua qualidade e consideradas umas das mais importantes do mundo.


De acordo com dados do PLANAGEO – Plano Nacional de Geologia, estima-se que, Angola com um território de 1,2 milhões de quilómetros quadrados, terá potencial para produzir 38 dos 50 minérios mais procurados no mundo, nomeadamente ouro e ferro.


Dados do Plano Nacional de Geologia, revelam igualmente a ocorrência de recursos minerais como o gesso (que tem a finalidade para o fabrico de fertilizante para a correcção de solos agrícolas, para o fabrico de placas de tecto falso, para o sector da saúde bem como na indústria cimenteira). Há também ocorrências de argilas e calcário para fins de fertilizantes que podem ser usadas em obras públicas e para fins ornamentais, no Sumbe.


Ocorrências de fosfato (que é usado para a produção de fertilizantes para agricultura), o burgau (usado para as obras públicas para o fabrico do betão), a areia sílica (usada para fins industrias, tais como o fabrico de vidros e cimento cola), vários tipos de granito (castanho, rosa e cinzento) para fins ornamentais e britagem para obras públicas no Nzeto, fazem igualmente parte do leque alguns recursos revelados âmbito do PLANAGEO.
Mesmo com este potencial todo aqui referenciado, a verdade é que, tanto a República de Angola como a República Democrática do Congo, nunca conseguiram tirar melhor proveito das suas potencialidades.


Depois do importantíssimo papel desempenhado por Angola, no domínio militar e diplomático para a estabilização dos dois Congos (com o fim de conflitos ao longo das nossas fronteiras), a queda do Apartheid na África do Sul e a Independência da Namíbia, o passo seguinte deveria estar centrado na afirmação económica de Angola a nível do continente, mas precisamente na RDC, Africa do Sul e Namíbia por intermédio de uma estratégia de forte presença de empresas angolanas nestes países. Claro que isto passava por uma forte visão diplomática na altura.


O caminho para a afirmação de Angola no continente africano e particularmente a nível da região austral, passa, sem dúvidas por uma visão macro sobre as vantagens recíprocas, por se tratar de dois “Gigantes” a nível do continente.


É verdade que Angola é um País soberano e com toda legitimidade para fazer as suas opções no que tange ao estabelecimento de parcerias estratégicas a nível mundial, mas é preciso frisar que ao longo dos anos, temos tido dificuldades em perceber que o país mais importante no mundo para Angola, é sem dúvidas a República Democrática do Congo. Uma verdadeira estratégia de cooperação com a RDC é o ponto de partida para aquilo que se pretende, ou seja, afirmação de Angola no panorama económico mundial. Precisamos olhar para esta realidade, com alguma ponderação e seriedade porque a República Democrática do Congo assume extrema importância no chamado “xadrez” da geopolítica continental. Uma instabilidade neste País vizinho, tem repercussões directa no nosso País e não só.


Ao contrário daquilo que ocorreu nos últimos anos, o Executivo liderado por Sua Excelência Presidente, João Lourenço, tem todas as condições para inverter este quadro, começando por direcionar as suas acções no sentido de privilegiar uma verdadeira parceria estratégica com a RDC. É claro que, esta iniciativa só deverá ter “pernas para andar” se as intenções estiverem baseadas no respeito pela a soberania de cada Estado. Devemos ter a humildade de olhar para a RDC como um verdadeiro parceiro, colocando de parte todos os complexos como aconteceu no passado.


A operação transparência, (por exemplo) veio mais uma vez mostrar o cinismo pela forma como sempre lidamos com os nossos irmãos da RDC. Angola teve todas as condições para lidar com a situação de forma diferente.

Aconteceram várias falhas neste processo, principalmente em relação ao “timing” que não foi devidamente observado porque, na altura em que foi lançada a operação transparência, a RDC estava a três meses das suas eleições gerais e claro que o repatriamento de cidadãos saídos voluntariamente de Angola (independentemente das razões), certamente que atrapalhou na organização logística de todo processo eleitoral.


É verdade que as vezes não se conseguem alcançar a perfeição desejada em todos os processos, mas fiz referência a operação transparência ocorrida em 2018, porque ela serviu de barómetro para concluirmos que há um trabalho árduo para se fazer junto das nossas fronteiras. E este trabalho poderá ser esboçado com a colaboração das autoridades dos países vizinhos particularmente da RDC.


Com isso, não quer dizer que fui contra a operação transparência (muito pelo contrário, aplaudi). Concordei plenamente com esta operação que pecou por tardia, mas defendo que há um conjunto de aspectos que deviam ser devidamente acautelados, para se evitar alguns incidentes diplomáticos, como o mau clima que se instalou na altura entre os dois governos.

Perante os vários episódios que aconteceram no passado é notório que, ao longo das últimas quatro décadas a RDC tem primado pela estratégia da reciprocidade que no meu ponto de vista parece requerer um certo cuidado, porque a politica de retaliação não tem limites e a sua aplicação poderá ser acompanhada de algum descontrolo emocional. Dai a minha recomendação, no sentido de se primar sempre pela inteligência e respeito mútuo na nossa relação com a República Democrática do Congo.


Nas últimas semanas veiculou-se informações sobre uma possível crise diplomática que se advinha entre Angola e a RDC devido a um suposto descontentamento manifestado pelo Presidente Félix Tshisekedi em ralação as negociações sobre a partilha da produção de petróleo na bacia do Baixo Congo.


Trata-se de uma região rica em petróleo, mas com alguma indefinição em relação a demarcação dos limites. Este é um assunto que certamente vai constar nas agendas dos dois Presidentes tão logo os holofotes do mundo deixem de estar direcionados para o Covid 19.
Na nossa relação com todos os países e particularmente com a RDC, não nos interessa qualquer tipo de clivagens, mas sim uma verdadeira parceria estratégica. O sucesso da politica externa de qualquer país, requer uma definição e planificação pragmática que permita uma avaliação crítica e permanente da aplicação da sua agenda sob pena da mesma ficar comprometida.


Angola, precisa despertar e compreender (de uma vez por todas) que, precisamos melhorar a necessidade de um ajuste da nossa estratégia global, sem que para tal a premência e permanência dos nossos interesses sejam beliscados ou ofuscados, particularmente a defesa das nossas fronteiras no âmbito da politica externa.


Precisamos estar atentos a todos os fenómenos que estejam a ocorrer na RDC porque, qualquer mudança neste país vizinho deve ser controlada de forma célere, para que a instabilidade interna permita o desanuviamento das tensões fronteiriças, sobretudo nos marcos limítrofes com a República de Angola. Os problemas emergentes naquela parcela do nosso continente afectam por arrastamento a estabilidade das nossas fronteiras.

A Republica democrática do Congo é um gigante adormecido que precisa ser despertado pelo mundo e particularmente por Angola por intermédio de parcerias estratégica devidamente estruturadas, baseada nos postulados universais sobre a soberania dos Estados.
Mas afinal, Qual deverá ser, no fundo o nosso interesse primordial na RDC?
Naturalmente, os nossos interesses na RD do Congo são múltiplos, e de natureza estratégica. Mas no conjunto de toda esta multiplicidade de interesses, a nossa opção deve estar direcionada para aquilo que passo a chamar de Geocomércio.


Angola e a RDC nos últimos tempos têm vindo a desenvolver vários encontros com o objectivo de analisar a problemática do uso recíproco das águas territoriais dos dois países, em questões de pesquisas sísmicas, exploração e produção de hidrocarbonetos na zona marítima de interesse comum de ambos os Estados, bem como a necessidade de examinar a questão da exploração e produção de hidrocarbonetos ao longo da zona marítima de interesse comum, para dissipar “mal-entendidos” do passado como aconteceu em Novembro de 2018 o encontro em Kinshasa, entre o Ministro dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás de Angola, Diamantino Azevedo, e dos Hidrocarbonetos da RDC, Aimé Lusa- Diese.
Estes dois “Gigantes Africanos”, têm todas as condições para desenvolverem projectos conjuntos que poderá se refletir no “win /win” e com impacto directo na melhoria de vida das suas populações.


Há uma série de iniciativas que podem dar suporte a uma verdadeira parceria estratégica entre o nosso país e a RDC. Poderei citar um exemplo em relação ao combustível. Quase que, diariamente assistimos por intermédio dos órgãos de difusão, informações relacionadas com o contrabando de combustível nas províncias do Zaíre e Cabinda.
As autoridades angolanas impedem diariamente a saída ilegal de quantidades elevadas de combustível para à RDC, por via terrestre e marítima. Estes contrabandistas que fogem ao fisco, criam grandes prejuízos a economia dos dois países e particularmente à Angola com este tipo de práticas.

Então, uma vez que há necessidades de se transportar combustível para o país vizinho, porque não formalizar este negócio no âmbito do Geocomércio?


No meu último artigo publicado em Abril do corrente ano, onde fiz referência a importância geoestratégica dos municípios do Nzeto e Sumbe no panorama nacional, frisei que, o papel que o Nzeto desempenhou no passado como Entreposto e o facto de constituir uma Placa Giratória que permite a ligação entre as províncias do Zaíre, Uíge, as Lundas e consequentemente á RDC por via terrestre, penso que Angola estamos em condições de criar mecanismos para que, de forma legal passemos a exportar combustível para à este país vizinho fomentado assim o pequeno negócio e trazer as pessoas para a formalidade.


Para este desiderato, aponto como o primeiro passo a criação de um grande Centro Logístico de combustível nesta Placa Giratória (Nzeto). Este é o grande ponto de partida para o fornecimento de combustível a RDC e alguns países africanos por via terrestre, mas para tal, temos que construir estradas porque não se desenvolve uma economia sem estradas.


Referi-me ao combustível como poderia ter feito referência a outros produtos como o granito, fertilizantes, o próprio peixe, sal que inicialmente poderíamos estender a comercialização para outros países de África como o Ruanda por exemplo.


Apostar na indústria transformadora é um dado a ser equacionado. A transformação do tomate em massa tomada e estender o circuito de comercialização para á RDC é igualmente um dado a ter em conta para se evitar a deterioração de produtos.


Angola e a RDC precisam de assumir uma postura de maior dinamismo para que as suas populações possam ansiar por dias melhores. Esta visão é partilhada pelo Presidente da República quando afirmou recentemente, passo a citar - “Angola é também uma potência a nível das infraestruturas. Cresceu muito neste domínio nos últimos anos. Queremos aproveitar também toda esta experiência. É desejo dos dois Chefes de Estado (Angola e RDC) que haja troca de experiência com vista a reforçar a cooperação. Há esta enorme vontade entre os dois países em reforçar cada vez mais a cooperação, sobretudo, a nível dos investimentos concretos”, sublinhou.

Portanto, a República de Angola e a República Democrática do Congo têm todas as condições para assumirem o seu verdadeiro papel a nível do continente e da região austral em particular, estão condenados a caminhar de mãos dados e precisam sobretudo fortalecer as suas economias porque África, não conseguirá ser um Estado forte sem uma economia forte e isso só se consegue com parcerias estratégicas forte entre os Estados.
Bem-haja...


*Mestre em Governação e Gestão Pública