Luanda - A Intervenção que o economista José Cerqueira teria feito caso lhe fosse dada a oportunidade de falar no recente encontro que JLo promoveu sobre o impacto da covid19. O economista foi um entre as várias dezenas de convidados presentes no HCTA que sexta-feira entrou na sala (onde decorreu o encontro) mudo e saiu calado.



============== INTERVENÇÃO ==============


Excelentíssimo Sr. Presidente da República, Sr. Vice-Presidente, Senhoras Ministras, Senhores Ministros e outros membros do Governo, minhas senhoras e meus senhores, permitam-me fazer minha própria apresentação junto de vós.


Meu nome é José Cerqueira, sou um economista, nascido em Angola há 65 anos, que exerce sua profissão desde a idade de 21 anos, principalmente no domínio macroeconómico.


Agradeço o convite, que me foi dirigido, do uso da palavra nesta importante reunião, mas peço-vos desculpa de antemão de usar o estilo dogmático, de fazer afirmações sem apresentar as devidas provas. Este dogmatismo deve-se, a que cada um dos tantos convidados, aqui presentes hoje, ter de sintetizar sua intervenção, ao máximo, pois o tempo de palavra está-lhe, naturalmente, muito limitado.


O texto de minha intervenção será entregue à organização deste evento importante.


Mas escrevemos um segundo texto para esta reunião, ao qual chamo de Relatório, onde se encontram as justificações dedutivas de as todas ideias, que vou submeter-vos aqui. Esse segundo texto será fornecido, de graça, a quem mo solicitar via e-mail.


■A pandemia COVID 19 em Angola


O tema desta reunião é os efeitos em Angola do COVID 19. A este respeito, salientamos ser inevitável a propagação no mundo do novo corona vírus, enquanto não for descoberta e fabricada em massa uma vacina eficiente contra seu efeito COVID 19 no corpo humano. Enquanto essas acções da inteligência tecnológica não tiverem lugar, o novo corona vírus vai propagar em Angola, embora não saibamos com qual intensidade. Como está a acontecer em todos países do mundo, as medidas de distanciamento social da população, decididas pelo Governo de Angola, por serem imprescindíveis para a prevenção do COVD 19, impactaram contracção da actividade económica deste país, que ameaça transformar-se em recessão. Perante esta situação, aquela entidade soberana de Angola terá de rever as prioridades da política fiscal, de modo a fazer a alocação imprevista de recursos, com vista a, não só prestar ajuda humanitária à população mais carente deste país, mas também apoiar as firmas angolanas a manter o emprego privado.


Já sabemos que, infelizmente, o Governo não dispõe de abundância de recursos para prestar aquelas ajudas. É por isso, que os angolanos e as angolanas, de todas as idades, têm de se habituar a conviver com o novo corona vírus. Esta convivência significa que todas as actividades económicas deverão ser retomadas rapidamente, sem perder o sentido de continuarmos a preservar um certo distanciamento social, especialmente o uso de máscaras e actos higiénicos, principalmente a lavagem frequente das mãos. Em suma: devido às dificuldades financeiras do país, o Governo angolano está condicionado a seguir a via sueca de adaptação humana ao novo corona vírus.


A revisão da política fiscal, durante a pandemia COVID 19, não absorverá, contudo, toda atenção que o Governo consagra à economia nacional, pois a política económica envolve, estruturalmente, a visão macroeconómica do país.


■Os dois problemas graves da economia angolana


Depois desta curta abordagem ao tema principal de nosso encontro, permitam-me tentar desviar vossa atenção, pois quero aprofundar, junto de vós, a situação presente da economia angolana.


Começo por dizer-vos que, sob o ponto de vista macroeconómico, a pandemia do COVID 19 terá, fundamentalmente, a consequência de acentuação dos dois problemas graves da economia angolana.


É preciso sermos lúcidos a este respeito.


Os dois problemas económicos graves de Angola são: a pobreza da maior parte da sua população e o desemprego da maior parte da sua juventude. Designamos, abreviadamente, de “pobreza massiva” e de “desemprego jovem” os dois problemas graves da economia angolana.


Esses dois problemas económicos graves sempre existiram em Angola, desde a Conferência de Berlim, onde os europeus decidiram a colonização do continente africano, mas na época presente estão a sofrer acentuação, por causa do COVID 19, como começamos por dizer.


■As três variáveis macros económicas cruciais


Na resolução dos problemas graves de um país, são especialmente relevantes as três variáveis macros económicas cruciais.


As três variáveis cruciais na economia de um país são: a taxa de inflação, a taxa de câmbio e a taxa de juro. Estas três variáveis económicas são cruciais, em virtude se serem as únicas, com diversos tamanhos uniformes em qualquer ponto do território de um país. As observações das três variáveis macros económicas cruciais em Angola revelam os comportamentos seguintes.


■A taxa de inflação


A taxa anual de inflação angolana anda a correr, há mais de 10 anos, à volta de 20%. Esta taxa de aumento anual dos preços é alta, porque encontra-se muito acima da taxa normal de inflação. A taxa anual normal de inflação é 2,5%. Além de alta, a taxa de inflação angolana apresenta significativos movimentos irregulares, pois sobe, por vezes, acima de 30% e noutras ocasiões desce abaixo de 10%, podendo entretanto situar-se, incidentalmente, em qualquer ponto desse intervalo percentual. A alta taxa de inflação afecta sobretudo o poder de compra dos trabalhadores e a significativa irregularidade desta variável desencoraja o investimento privado.


■A taxa de câmbio.


A taxa de câmbio da moeda angolana apresenta a contrariedade, de a respectiva taxa de depreciação ser mais rápida que a taxa de inflação. Por outras palavras, a cotação do dólar sobe, sobre o mercado cambial de Luanda, a uma taxa superior à taxa de inflação angolana. Este facto, de os preços dos bens importados por Angola subirem mais rapidamente que os preços dos bens nacionais, constitui o sintoma de quanto está subavaliada a taxa de câmbio da moeda angolana.

 

■A taxa de juro


A taxa de juro de um país é, em termos macroeconómicos, aquela que o respectivo Banco central cobra, quando fornece liquidez aos bancos de depósitos, designadamente através do redesconto de papel comercial. A taxa de juro central de Angola é alta, porque o Banco central deste país pensa ser necessário colocá-la acima da taxa de inflação angolana. Como é 20% a taxa média de inflação angolana, ao longo do tempo, então este banco coloca a taxa média de juro central um pouco superior a 20%. Este procedimento é contestável, porque o Banco central dos Estados Unidos, por exemplo, não está preocupado em colocar sua taxa de juro central acima da taxa de inflação americana. A taxa de juro central da moeda angolana superior a 20% é muito alta, porque nos Estados Unidos a taxa de juro central é correntemente inferior a 1%, enquanto a taxa de inflação neste país é superior a 1%.


É por isso, que os empresários angolanos estão cheios de razão, quando se queixam, de terem de restringir seus investimentos à respectiva capacidade de auto-financiamento, pois não conseguem suportar o pré-financiamento deste fluxo, com recursos do crédito bancário, devido à carestia da taxa de juro. Esta queixa é pesada de consequências, porque o crescimento de uma economia capitalista implica que, a dose de pré-financiamento bancário de investimento privado seja muito superior à dose de auto-financiamento deste fluxo.


Por isso, a alta taxa de juro central angolana é o principal factor da fraqueza do crescimento económico de Angola.


■Os dois objectivos centrais da política económica


O Governo de um país elabora a política económica, em função, principalmente, dos impactos, que ele visa provocar, sobre as três variáveis macros económicas cruciais. A análise que acabamos de sintetizar do comportamento dessas variáveis nas condições concretas de Angola indica como, os objectivos macroeconómicos da política económica do Governo deste país são os três movimentos seguintes: movimento diminutivo da taxa de inflação, movimento de revalorização a taxa de câmbio e movimento diminutivo da taxa de juro.


É essencial, em prol do futuro económico de Angola, reconhecermos que esses três movimentos nunca acontecerão paulatinamente. O adjectivo “paulatino” devia ser banido, aliás, da linguagem dos economistas do Governo, já que, para reverter a acentuação – por causa do COVID 19 - dos dois problemas graves da economia angolana, é preciso maximizar, no curto prazo, aqueles três movimentos das variáveis macroeconómicas cruciais.


Se tomasse a iniciativa de revalorizar a taxa de câmbio, o Governo teria de sacrificar reservas oficiais de divisas, o que é desaconselhável, pois seria efémero, com o passar do tempo. O Governo vem tomando a iniciativa de fomentar crédito ao investimento privado com taxas de juro bonificados, mas esse fomento é muito limitado, porque envolve custos fiscais.

Mas o Governo angolano pode tomar livremente, sem qualquer constrangimento, duas iniciativas.


▪︎A primeira iniciativa consiste em provocar a baixa da taxa de inflação, até o nível normal, situado na proximidade da percentagem anual 2,5%.


▪︎A segunda iniciativa consiste na revalorização máxima da taxa de câmbio da moeda angolana, cujo cálculo não é difícil, embora não tenhamos à nossa disposição, os dados que existem acerca deste assunto.


O Governo angolano está livre e desconstrangido na tomada daquelas duas iniciativas, porque elas são meros actos de inteligência.
A este respeito devemos ter em mente a visão lúcida do economista britânico David Ricardo (1772-1823), de acordo com a qual a inflação é uma doença da moeda. Este economista não considerava, que a doença da inflação pudesse ser curada paulatinamente, pois com sua enorme inteligência, ele indicou o método, cuja aplicação pelo Governo da Grã-Bretanha, restabeleceu a estabilidade monetária neste país ao cabo de poucas semanas.
Hoje sabemos, quiçá, que a inflação não é a única doença da moeda.


Em Angola e noutros países menos desenvolvidos existe, infelizmente, uma segunda doença monetária, que é a subavaliação estrutural da taxa de câmbio da moeda nacional.


Da maneira análoga como se passa na medicina, os macros economistas têm de desvendar quais são as duas causas das doenças da moeda angolana, que estão escondidas detrás dos respectivos sintomas. Semelhantemente à rapidez como as pandemias virais são vencidas com a aplicação a toda a gente de vacinas eficazes, as doenças da moeda podem ser vencidas rapidamente através da mudança da política monetária.


■A política monetária restritiva e a política fiscal equilibrada


Note-se como Angola atingiu o zénite de hiper-inflação no final do século XX, e que, depois de 2002, o ano inicial da Paz perpétua neste país, o respectivo Governo passou a adoptar a política fiscal de equilíbrio orçamental.


Ao mesmo tempo o Banco central de Angola iniciou a política monetária restritiva. Apesar de ambas políticas de política económica terem sido coincidentes, os respectivos resultados não devem, contudo, ser confundidos.


A política monetária restritiva, da taxa de juro cara, encerra a desvantagem de desencorajar o investimento privado e comporta nenhuma vantagem, pois é um erro pensar, que a taxa de inflação desceu muito, desde o zénite, graças a essa actuação do Banco central de Angola, porque aquela descida foi causada pela política de equilíbrio das contas públicas. Mas depois de ter ganho batalhas importantes, na luta contra a inflação, a política fiscal esgotou seu efeito de desinflação, pois uma vez concluído o equilíbrio orçamental, o nível de preços passou a aumentar no patamar, ainda elevado, à volta da taxa 20% anual e com amplas oscilações muito irregulares.


É aqui, onde a política monetária deveria ter tomado o relais da política fiscal no combate contra a inflação. Mas a política monetária restritiva mostrou-se, ao longo de 10 anos, incapaz de vencer a última batalha contra a inflação, a qual consiste em reduzir sua taxa até o nível normal. Igualmente grave, a política monetária restritiva não conseguiu evitar o prosseguimento da subavaliação crónica da taxa de câmbio da moeda angolana.


Para superar estas incapacidades, o Banco central de Angola terá de prestar a devida atenção ao pensamento económico angolano, já que tiveram lugar, recentemente, neste país, os desvendamentos científicos das causas independentes das duas doenças coexistentes da moeda angolana.


A primeira descoberta é que, tanto a persistência de alta taxa de inflação, quanto seus movimentos irregulares, são os efeitos, cuja causa consiste na emissão e no cancelamento de moeda sobre o mercado de câmbios, numa economia cujas exportações comerciais superiorizam, normalmente, suas importações comerciais. Em Angola, assim como noutros países menos desenvolvidos, funciona, na actualidade, o regime de formação da taxa de câmbio, segundo o qual os bancos nacionais, além de emitirem e cancelarem moeda para amoedar o produto interior, também executam esses fluxos em pagamentos do comércio exterior.


Por outras palavras: o regime cambial de Angola possui cariz neo-colonialista.


Os economistas chamam de inflação importada à modalidade desta doença monetária cuja causa é a emissão e cancelamento de moeda sobre o mercado de câmbios.


A eliminação da inflação importada é a última batalha na luta que o Governo angolano anda a travar, há quase 20 anos, contra a inflação.


A condição necessária e suficiente para o Governo de Angola vencer esta batalha final consiste na adopção da lei, que proibirá a emissão e o cancelamento de moeda sobre o mercado de câmbios.


Essa legislação criará um sistema de formação da taxa de câmbio, no qual a emissão e o cancelamento de moeda serão fluxos circunscritos às operações de amoedar o produto interior.


Este é, evidentemente, o sistema que funciona nos países desenvolvidos.


A segunda descoberta, do pensamento económico angolano da actualidade é que a causa da subavaliação da taxa de câmbio da moeda angolana consiste no facto de a sua taxa de câmbio não vigorar em todo território nacional. Com efeito, o investimento directo estrangeiro na exploração e exportação de petróleo angolano, cujas actividades constituem a maior parte da economia de Angola, está alojado num enclave do dólar, onde a taxa de câmbio da moeda deste país é irrelevante, pois as firmas aí actuantes efectuam e recebem pagamentos com depósitos de dólares em bancos domiciliados no estrangeiro.


É por isso que, além de possuir cariz neo-colonialista, no domínio da formação da taxa de câmbio, o regime cambial de Angola também encerra o lapso de cariz abertamente colonialista, de essa variável ser irrelevante no enclave do dólar. A taxa de câmbio da moeda angolana está subavaliada, na medida em que o produto do enclave, ao invés de ser amoedado nesta moeda, é amoedado em dólares. A medida da subavaliação cambial da moeda angolana corresponde à proporção, que os salários de trabalhadores expatriados do enclave, pagos em dólares, representam comparativamente ao fluxo de exportação. A condição necessária e suficiente para o Governo de Angola acabar com a subavaliação da taxa de câmbio da moeda nacional consiste em aprovar a lei que condicionará todas as firmas instaladas em Angola a usar exclusivamente moeda nacional na efectuação de pagamentos sobre os quatro mercados: o mercado dos factores produtivos, o mercado comercial, o mercado financeiro e o mercado de câmbios.


As duas medidas patrióticas e corajosas do Governo angolano, de pôr termo, não só ao regime neo-colonialista de formação da taxa de câmbio da moeda angolana, mas também do lapso colonialista, que é a falta de pertinência dessa variável no enclave do dólar, apesar de serem simples e de rápida execução, terão os efeitos cruciais, no curto prazo de um ou dois trimestres, das reduções máximas e irreversíveis da taxa de inflação angolana e de subavaliação da taxa de câmbio da moeda angolana. A tomada daquelas duas medidas patrióticas e corajosas, pelo Governo angolano, será o início da política monetária de mercado, que substituirá a política monetária restritiva.


■O crescimento vigoroso da economia angolana


Uma vez eliminadas as causas das duas doenças da moeda angolana, iniciarão os dois efeitos, do crescimento, não só vigoroso, mas também durável, do produto per capita, e do melhoramento, muito significativo e irreversível, do poder de compra dos consumidores sobre bens importados. O crescimento, vigoroso e durável, do produto per capita será o resultado do encorajamento potente do investimento privado, graças à queda muito significativa da taxa de juro, na sequência da estabilidade de preços, associada à taxa de inflação normal, que passará a existir na economia angolana. O investimento privado será muito encorajado, pois este fluxo será financiado com recursos provenientes, não só da capacidade de auto-financiamento dos empresários, mas também do pré-financiamento através do crédito bancário. Como já dissemos, esta segunda dose, quase inexistente em Angola, actualmente, é muito maior que a primeira dose, na situação normal de uma economia capitalista.


É claro que o poder de compra acrescido dos consumidores sobre bens importados será a consequência directa da significativa revalorização da taxa de câmbio da moeda nacional.


As descobertas recentes, pelo pensamento económico angolano, de quais são as causas das duas doenças da moeda angolana, constituem um acontecimento cultural, cuja tremenda importância histórica é impossível subestimar, pois trata-se da construção dos dois métodos, que o Governo de Angola poderá aplicar, a todo momento, no solucionamento, ao mesmo tempo, dos dois problemas graves da economia deste país, os quais são, repetimos, incansavelmente: a pobreza massiva e o desemprego jovem.

José Cerqueira
29 de Maio 2020