Luanda - Por motivo de interpretação, o racismo, no sentido lato, é um preconceito psíquico, que influencia a intuição do homem a tomar atitudes preconceituosas e discriminatórias contra outras pessoas de raças ou de etnias diferentes. No sentido mais profundo, o racismo é uma teoria que afirma a superioridade de certas raças e nela assenta a defesa do direito de dominar ou mesmo suprimir outras raças ou etnias. No fundo, o racismo funda-se no delírio de grandeza, de presumir que alguém seja mais inteligente que outros, e seja mais capaz de realizar-se que outros, e tenha a liberdade absoluta de impor-se sobre os outros. Só que, cientificamente não está provado a existência de uma raça com o cérebro diferente de outras raças, que determina a inteligência do homem, na sua dimensão intelectual, psíquica e nervosa.

Fonte: Club-k.net


Ao longo da História da humanidade verificou-se, de forma recorrente, actos de racismo contra a raça negra. Mesmo hoje, os actos de racismo manifestam-se em todas as comunidades multirraciais onde existe a raça negra, não obstante de ser maioria ou minoria. Nota-se que, quando o acto da segregação racial é dirigida contra a raça branca, ela assuma uma dimensão extraordinária no seio da comunidade branca, e transforma-se na defesa colectiva. Mas quando o acto da discriminação racial é exercida contra a raça negra ela pode ganhar uma dimensão superior, como está acontecer agora com o assassinato (25.05.2020) cruel do “George Floyd,” mas o acto em si não mobiliza as comunidades negras, espelhadas pelo mundo, para assumir a defesa colectiva.


Repare que, nos últimos tempos tem havido uma tendência crescente de actos bárbaros de racismo contra os negros, em muitos países do mundo, com destaque a China, India, Austrália, Portugal, Brasil, África do Sul, Estados Unidos da América, Israel, Líbia e nos países do Médio Oriente. No caso específico da China, nesta fase da Covid-19, as comunidades negras na China têm sido alvos selectivos da Polícia Chinesa, manifestando-se em recolhas obrigatórias, em actos de violências nas ruas, em separação forçada dos negros casados com chinesas, em confinamentos arbitrários, em testagens duvidosas, e em proibição de acesso aos determinados locais públicos.


Importa sublinhar que, este procedimento, de carácter racista, das autoridades chinesas, não foi tratado como devia ser. Embora, reconheçamos a reacção imediata das Embaixadas Africanas em Pequim que obrigou o Presidente da União Africana, Cyríl Ramaphosa, emitir uma Declaração de Protesto e de Repúdio dirigida ao Governo Chinês e ao Secretário-geral das Nações Unidas. Infelizmente, muitos governos africanos, inclusive Angola, não levantaram as cabeças, temendo a retaliação da China devido os compromissos assumidos e os endividamentos elevadíssimos.


É importante saber que a «consciência negra», traduzida na «Negritude», foi concebida pelo «Aimé César», das ilhas de Martinica, das Caraíbas, no ano de 1938, através do seu livro de poemas, intitulado: «Cahier d ́un retour au pays natal». A teoria da Negritude foi abraçada e enriquecida por Leopold Sédar Senghor, do Senegal, e por Léon Damas, da Guiana Francesa. A Negritude, de acordo com Senghor: «É um conjunto dos valores culturais do mundo negro, que assenta na crença de que, o homem negro é o homem de coração, porque, para além do corpo, da força vital, da habilidade, do entendimento e de todas as outras qualidades humanas, é ainda pelo coração que o homem se define, que o homem vale, e é julgado».

Aliás, a Negritude tem a sua origem nos movimentos culturais protagonizados por negros, brancos e mestiços no início do século XIX, que buscavam o «renascimento negro», isto é, a revalorização das raízes culturais africanas, crioulas e populares, com incidência nas Caraíbas e nos Estados Unidos da América. Com efeito, é a partir da Negritude, que nasceu a consciência da emancipação, da liberdade, da igualdade, dos direitos civis e da descolonização do continente africano. O Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos da América, levado acabo pelos afro-americanos, liderados por Martin Luther King Jr., W.E.B.DU Bois, Malcolm X, Rosa Parks, Bayard Rustin e Amelia Boynton Robinson, estava inspirada pela Negritude.


Interessa sublinhar que, a Negritude, além de ser um suporte moral, era um instrumento de luta pela dignidade humana, pela liberdade e pela igualdade. Aliás, o Du Bois defendia a tese segundo a qual: «África é para os Africanos e a Europa é para os Europeus. Por isso, os povos africanos devem libertar-se do jugo colonial europeu». Na verdade, os grandes dirigentes africanos, como Kwame Nkrumah, Patrice Lumumba, Jomo Kenyatta, Julius Nyerere, Milton Obote, Abubakar Tafawa Balewa, Kenneth Kaunda, Nelson Mandela, Ophiety Boigny, Ahmed Ben Bella, Hastings Kamuzu Banda, Ahmed Sékou Touré, Jaramogi Oginga Odinga, etc., em grande parte, foram influenciados pelas elites afro-americanas, que na altura já tinham uma visão do mundo muito mais avançada. Acima disso, os afro- americanos não somente engajaram-se fortemente na descolonização da África, mas sim, estiveram na vanguarda da teorização da luta de libertação e na emancipação dos povos oprimidos, colonizados e explorados pelas potências europeias.


O que quer dizer que, a África tem o dever e a obrigação de solidarizar-se e de defender as comunidades negras que estão espalhadas pelo mundo. Aliás, o potencial económico africano, isto é, os seus recursos naturais, são instrumentos mais potentes que está à sua disposição para defender os seus interesses e proteger todas as comunidades africanas dentro e fora do continente. Todavia, isso passa necessariamente pela industrialização do continente africano, torna-lo tecnologicamente forte e competitivo e elevar o padrão de vida da sua população. Pois, o renascimento negro deve ser entendido no contexto da civilização, do desenvolvimento, da modernização e da transformação dos valores culturais africanos. Queira reiterar que, o potencial económico africano é que permitirá estar em pé de igualdade com outros povos e ser respeitado como pessoa igual, com a mesma capacidade de se realizar e defender-se.


Infelizmente, enquanto a África Negra continuar na condição actual de subdesenvolvimento, de atraso e de pobreza extrema, ninguém irá reconhecer e respeitar a dignidade do povo negro. Vamos continuar a gritar no deserto e o eco vai-se batendo atrás da montanha, sem alterar a situação. Vale sublinhar que, a comunidade afro-americana é o símbolo vivo de resistência titânica e de grandes conquistas, de ter vencido todas as barreiras raciais e intelectuais, colocando na Casa Branca o Presidente Negro, de origem africana. Portanto, o que está acontecer neste momento nos Estados Unidos da América é a resistência de alguns resquícios da extrema-direita branca, que têm dificuldades de aceitar a realidade concreta das grandes transformações sociais ocorridas dentro da sociedade americana.


Em contraste, a reacção espontânea, massiva e generalizada ao assassinato brutal e cobarde do George Floyd, revela nitidamente como o povo americano está unido na diversidade racial, étnica, cultural, política e religiosa. Vê-se, sem excepção, todas as comunidades americanas, negras, brancas, mestiças, hispânicas, árabes e asiáticas, a marchar nas ruas em busca da justiça, da igualdade, da liberdade e da dignidade humana. A África deve levantar bem alta a bandeira da dignidade e da liberdade, e dar um sinal evidente ao mundo de que, jamais aceitaremos a condição de escravo, de sujeição, de colonização, de humilhação e de complexo de inferioridade. Pois, a Vida do Negro é Sagrada e Inviolável, tal igual como de qualquer outra raça humana. A morte heroica do George Floyd despertou a consciência colectiva da humanidade sobre a ressurreição do racismo e do preconceito da supremacia branca.

Luanda, 03 de Junho de 2020