Luanda - Intervenção na V Reunião Plenária Extraordinária da III Sessão Legislativa – IV Legislatura.

 

Apreciação da Aplicação do Estado de Emergência

Excia Presidente da Assembleia Nacional
Distintos Colegas Deputados

Dignos Ministros de Estado e demais Auxiliares do Titular do Poder Executivo.


Minhas Senhoras e Meus Senhores

Reunimo-nos hoje neste hemiciclo para apreciar a aplicação do Estado de Emergência que vigorou no país de 27 de Março a 25 de Maio de 2020 num momento em que o mundo está num autêntico alvoroço, precipitado pelo frio assassinato de um cidadão norte-americano negro por um agente da polícia visivelmente motivado por instintos racistas, que ocorreu no Estado de Minnesota, EUA. O mundo inteiro se ergueu indignado por este acto ignóbil de puro racismo em pleno século XXI. A UNITA tomou oportunamente uma posição de condenação por esta triste ocorrência e gostaríamos de aproveitar esta oportunidade para reiterar o nosso mais vivo repúdio ao macabro assassinato de George Floyd, cujo funeral, por coincidência, acontece hoje. Condenamos da forma mais veemente todas as formas de discriminação política, económica e social que ainda prevalecem no mundo.


Queremos igualmente aproveitar o ensejo para condenar todas as formas de violência que resultam em perdas de vida, inclusive a violência praticada por agentes da ordem no nosso país, particularmente aquelas que ocorreram durante o período em que vigorou o Estado de Emergência. São já muitas as mortes resultantes da violência policial e deveriam merecer das autoridades uma explicação, pois elas são inadmissíveis no contexto do Estado Democrático e de direito. Solicitamos as autoridades que conduzam uma investigação isenta que possa apurar as responsabilidades, pois as forças de ordem têm a responsabilidade de proteger o bem vida e não o contrário.

Gostaríamos igualmente de render uma sentida homenagem a todos quanto pereceram em consequência da Covid-19, incluindo os nossos 4 concidadãos e enviar um forte abraço solidário a todas as famílias que perderam seus parentes nesta pandemia.

Estendemos a nossa solidariedade a todos quanto estão profundamente engajados na resposta a Covid-19, particularmente os profissionais de saúde que estão na linha da frente e também todas as pessoas de boa-fé que generosamente contribuem de forma multifacetada para conter a propagação do SARS-CoV-2. Excia Presidente da Assembleia NacionalMeus Senhores e Minhas Senhoras

Na sequência da rápida propagação do surto de SARS-CoV-2 a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a 11 de Março a doença causada por este vírus, a Covid-19, como emergência de saúde pública, classificando-a como pandemia, apelando os Estados para a adopção de medidas vigorosas como forma de resposta a situação. Na ocasião, a OMS alertou de forma particular os Estados africanos para o elevado risco de propagação da doença no continente, dadas as fragilidades dos sistemas de saúde e, de modo geral, as fragilidades económicas e sociais que poderiam favorecer a propagação da doença.

Neste sentido, o Estado angolano, representado pelo Presidente da República enquanto titular do poder executivo, depois de tomadas algumas medidas preliminares decretou por via do Decreto Presidencial nº 81/20 de 26 de Março o Estado de Emergência, sucessivamente prorrogado tendo vigorado até 25 de Maio de 2020, período que o relatório que nos é dado a apreciar procura analisar.

A UNITA desde muito cedo apelou para a necessidade de medidas vigorosas para a contenção da covid-19 e, por isso, manifestou-se favorável a Declaração do Estado de Emergência e a sua renovação por considerar que este propiciava o ambiente necessário à implementação das medidas de isolamento e distanciamento social que são imprescindíveis para conter a propagação do Covid-19. Porém, cabe-nos apontar aqui aspectos que consideramos incongruentes ocorridos durante o período em referência que nos parecem omissos no relatório e que consideramos importantes, com vista a adequar as medidas previstas agora na situação de calamidade e aperfeiçoar a resposta de Angola a pandemia da Covid-19:

- Foi notória a incapacidade das autoridades em impor as medidas de confinamento domiciliar e restrição de mobilidade, sobretudo em áreas suburbanas e rurais do país. Este comportamento refratário dos cidadãos não decorreu de atitudes de mera insubordinação, mas sim de imperativos de sobrevivência. O relatório, entretanto é omisso quanto aos níveis de confinamento efectivamente alcançados, dado que é importante para avaliar de facto a eficácia da medida.

- Em diversas situações foi evidente uma interpretação equivocada do mérito do Decreto Presidencial sobre o Estado de Emergência quer pelas autoridades administrativas que intervêm na implementação das medidas, quer pelos agentes da ordem detentores da força persuasiva para garantir a eficácia na implementação de medidas mais restritivas. Isto determinou em algumas situações o uso desproporcional da força por parte destes agentes o que resultou em alguns casos em vítimas mortais perfeitamente evitáveis. Infelizmente, algumas mensagens emitidas pelos superiores hierárquicos apenas serviram para inflamar os ânimos dos agentes no terreno, contribuindo para actuações nem sempre ajustadas as circunstâncias. Lamentavelmente o número de vítimas mortais resultantes destes incidentes foi superior ao número de vítimas da doença, aspecto que deveria ser retratado no relatório.

- Foram patentes as dificuldades na abordagem da questão dos mercados informais onde foi praticamente impossível garantir as medidas de isolamento e distanciamento social, assim como as medidas de higienização recomendadas. A questão dos mercados informais tem também relação com questões básicas de sobrevivência, se tivermos em conta o vasto contingente de angolanos que sobrevive da actividade informal, fruto das condições económicas e sociais vigentes. Desta feita, as medidas para controlo destes espaços não podem ser apenas baseadas na força que apenas contribuem para deteriorar a condição dos utentes destes espaços, empurrando-os para as trincheiras de resistência, daí resultando alguns conflitos que assistimos envolvendo utilizadores dos mercados e as forças de ordem, sendo os casos mais relevantes os ocorridos em Luanda, Caluquembe, na Huíla e em Benguela. Pensamos que estes incidentes pela gravidade que assumiram deviam merecer referência no ponto 4.2 do relatório que nos é dado a apreciar. 


- Também a regulação sobre as regras de lotação dos táxis colectivos e outros meios de transporte públicos, foi de difícil aplicação e, de certa forma foi impossível coibir os moto-táxis de exercer a sua actividade, também por razões de sobrevivência já que não lhes foram oferecidas alternativas.


Estes breves exemplos, omissos no relatório, revelam que apesar do decreto do Estado de Emergência persistiram vulnerabilidades que fazem com que se mantenha elevado o risco de transmissão comunitária da doença e que devem ser devidamente ponderadas agora na situação de calamidade, perante o aumento de casos de transmissão local. Estas vulnerabilidades são o resultado das condições sociais prevalecentes nas comunidades, fruto da crise económica e da falência das políticas públicas tendentes a reverter a situação. Na verdade, assistimos ultimamente a deterioração da situação social que tende a agravar-se ainda mais com a pandemia da Covid-19. Portanto, entendemos que o conjunto de medidas que configuram a resposta a pandemia deve agregar um pacote substancial de apoio social as franjas mais vulneráveis, devendo evitar-se a todo o custo os vícios verificados no período que vigorou o Estado de Emergência dos quais destacamos:


- Deficiências na distribuição de água as populações e encarecimento dos materiais de biossegurança o que dificulta a adopção das medidas de higienização por estas populações


- O aproveitamento político abusivo da assistência, carimbando símbolos partidários nas embalagens das cestas básicas e outras manifestações descaradas de propaganda partidária.

- A concentração excessiva no combate a covid-19 tem diminuído a atenção devida a outros programas no âmbito da saúde pública, nomeadamente o combate as grandes endemias como a malária, HIV-SIDA, tuberculose e também as doenças crónicas não transmissíveis. O aumento sazonal da incidência da malária parece não ter sido devidamente considerado e, por esta razão muitas mortes por malária foram registadas. Por outro lado, registamos relatos de dificuldades que estão a atravessar alguns centros de hemodiálise, particularmente em Benguela e Huambo que têm dificultado a assistência aos doentes renais. É importante que os esforços tendentes a conter a covid-19 não diminuam a atenção que deve ser dedicada a outras situações que presentemente provocam mais vítimas que a Covid-19, como as mencionadas anteriormente.

- O estabelecimento de cordões sanitários ignorou em alguns casos aspectos de índole humanitária, dificultando o acesso das pessoas a alimentação e outros serviços básicos e sem que fossem consideradas acções específicas de assistência social. É um contra-senso alardear a protecção da vida ultrajando a diginidade da pessoa humana, negando direitos fundamentais.


Neste sentido permitimo-nos aqui recomendar o seguinte:

- Seja feito um levantamento actualizado das famílias em situação vulnerável para permitir assistência social dirigida as pessoas nesta situação.


- Melhorar o acesso aos serviços sociais básicos como o abastecimento de água potável, energia e saneamento básico, sobretudo nas zonas suburbanas para mitigar os riscos de propagação da pandemia, aumentar a resistência das pessoas as doenças e melhorar a sua qualidade de vida.

- Criar uma cadeia de abastecimento de alimentos, incentivando a agricultura familiar, melhoria dos circuitos de distribuição melhorando as vias de acesso aos mercados e facilitando os empresários no acesso as divisas para importação de produtos diversos assegurando o equilíbrio e disponibilidades de alimentos, sobretudo produtos da cesta básica. A todas as famílias deve ser garantido o acesso aos bens e serviços para atender as suas necessidades básicas.

- O Governo deve repartir com as empresas, sobretudo as pequenas e médias a factura elevada que elas estão a pagar por conta da pandemia. Esta é uma forma de impedir uma recessão mais acentuada que acarretaria consequências sociais de grande magnitude.

- Realinhar as prioridades nas acções contidas na resposta a pandemia de modo a não secundarizar outros programas de saúde igualmente relevantes, como o combate a malária e outras doenças. Em nosso entendimento, a vinda do contingente de médicos cubanos, cuja experiência e competência reconhecemos, foi prematura e devia ser precedida de acções de valorização e integração de profissionais angolanos, esbatendo desigualdades no que toca aos incentivos e ao quadro salarial que contribuem para aperfeiçoar o desempenho destes.

- Uma vez que grande parte dos nossos casos são assintomáticos e estes têm um grande potencial de transmissão, continuamos a considerar que uma das prioridades na resposta a Covid-19 continua a ser a ampliação da nossa capacidade de testagem que nos permitirá obter um quadro melhor definido da propagação da doença e ajustar e adequar as medidas ao quadro epidemiológico circunstancial. Para tal é imperioso partilhar esta capacidade com a iniciativa privada e não concentrá-la apenas nos laboratórios públicos.

- Somos de opinião que a decisão de retomada das aulas no ensino superior e médio devia ser condicionada a criação de condições de biossegurança e distanciamento social nestes espaços, tendo em conta o risco que estes aglomerados representam para a propagação da doença.

- É importante manter e incrementar a campanha de sensibilização das comunidades sobre os cuidados a observar, pois muitas pessoas estão a interpretar esta transição do Estado de Emergência para a Situação de Calamidade como relaxamento e momento para regressar aos velhos hábitos favoráveis a propagação da doença.

- Acreditamos que a resposta de Angola a Covid-19 teria sido melhor estruturada num contexto em que as autarquias funcionem, por isso, em vez da pandemia servir de argumento para o adiamento ad eternum das eleições deveria servir de catalisador para a preparação das eleições autárquicas paara que elas aconteçam o mais breve possível. 

Por fim, gostaríamos de dizer que os últimos dados indicam que, apesar da propagação relativamente lenta, a pandemia tende a impor-se em África, estando o continente muito próximo dos 200 mil casos e mais de cinco mil mortes. A semana passada a África somou 35 mil casos novos, mas o dado mais relevante, entretanto é o que indica que o pico da pandemia em África ainda não foi alcançado. Estes dados servem para nos alertar que ainda não é hora de baixar a guarda e precisamos todos manter a prontidão para as acções de combate a Covid-19. As medidas do Estado de emergência podem ter freado o ritmo de propagação, permitindo ganhar tempo para estruturar melhor a nossa resposta a Covid-19, mas não afastou de todo o risco de propagação do vírus. O discurso triunfalista que tende a emergir pode levar-nos a perder o foco e desperdiçar o tempo ganho com o Estado de Emergência. Não se pode permitir um relaxamento descontrolado das medidas. É necessário adequar a resposta de modo a garantir um equilíbrio sadio entre a actividade económica e a manutenção coerente das medidas que configuram a resposta de Angola a Covid-19.


 Muito Obrigado!!