Luanda - Excelentíssimo Senhor doutor, Começo por confessar-lhe que pensei um pouco. Sobre se devia, ou não, dar resposta às considerações ofensivas que fez ao conteúdo da minha entrevista à TPA, no artigo que assina na página 15 do Jornal de Angola, do passado domingo, dia 7.

Fonte: JA

Inicialmente, entendi que não, que não valia a pena, por duas ordens de razão. A primeira, pela perda de tempo. Porque desperdiçá-lo com assunto tão comezinho? A segunda, é que, com toda a franqueza, não me sinto com paciência para alimentar o egocentrismo doentio de um indivíduo que, há muitos anos e sob a capa da crítica literária, exerce selectivamente ódios e manifesta gosto e prazer de enxovalhar quem não lhe gabe os talentos. Na verdade, senhor doutor, tenho para mim que o senhor manifesta uma espécie de doença, do tipo em que o enfermo tem dificuldade em ocultar uma particularidade do temperamento. A que exibe vaidade e preconceito. Duas futilidades, convenhamos.


Entre uma e outra dúvida, entendi, ainda assim, que não deveria perder esta oportunidade soberana para, por um lado, repor a verdade sobre as inverdades com que levianamente resolveu brindar-me e, por outro, esclarecer o próprio doutor sobre assuntos que parece desconhecer. Assim sendo e, enquanto seu mais velho, como “amavelmente” me considerou num momento da sua reflexão, resolvi fazer-lhe, por obrigação de idade, algumas recomendações. Antes vou esclarecer factos, para depois dar-lhe conselhos. Acho que está a precisar deles e espero que os aproveite bem.


Pode não vir a propósito, mas sinto que devo dizer-lhe o seguinte: não estudei literatura e, naturalmente, escapam-me aspectos relacionados com a génese da literatura angolana. Atrevo-me a escrever por gosto, tentando superar lacunas à medida que o tempo passa e a leitura de bons títulos e autores me ajudam a melhorar. Faço esforço grande nesse sentido. Na entrevista que dei à TPA e que foi motivadora do seu destemperado ataque, tive o cuidado de dizer isso mesmo. Não me esqueci do que disse. Lembro-me perfeitamente que enumerei o nome de alguns escritores angolanos que aprecio e que nunca deixei de enaltecer a força e as potencialidades da nossa literatura. No momento, escaparam-me, por exemplo, nomes como os de Agualusa, Boaventura Cardoso, Carlos Ferreira, Celestina Fernandes, Wanhenga Xitu e Manuel Rui. Recordo que também não mencionei Luís Kandjimbo.


Por uma única razão, senhor doutor. Não leio Luís Kandjimbo porque o escritor tem um estilo difícil, que limita bastante o seu público leitor. Uma forma de elitismo que respeito mas que não aprecio. Não falei de Cordeiro da Matta nem dos pioneiros da literatura angolana, como não falei das gerações que se lhes seguiram, por um simples motivo. Só falo do que sei. Do que falei e do que provavelmente o doutor não gostou de ouvir, foi do modo como me referi ao funcionamento da União dos Escritores Angolanos, casa onde Vossa Excelência ocupa a cadeira da Mesa da Assembleia- Geral. Disse aquilo que sei e observo da União, instituição da qual sou membro, qualidade que me confere o direito de fazer toda e qualquer consideração sobre questões que achei oportunas, sem que tenha necessidade de subir a um cepo e ser autorizado por um catedrático. Por ser de elementar justiça, não incluo na minha crítica, a acção e a postura do actual secretário- geral, David Capelenguela, pessoa que me merece o maior respeito e consideração.

 

Afirmei à TPA que não há crítica literária no país e, na verdade, ela não existe na prática. Anda, provavelmente, escondida em sítios onde em nada contribui para a evolução da literatura angolana, como seria bom que fosse. Talvez um dia aborde esta questão em local próprio, na sede da UEA, onde, em Assembleia-Geral, espero questionar este e outros assuntos. Entre eles a situação económica e social do país, antes e pós Covid-19, que deveria merecer da parte de uma associação com responsabilidades como a União, um outro cuidado de quem a dirige. Não há o pronunciamento de nenhuma figura de proa da União sobre o estado crítico do país. E a mim parece que é nestes momentos de crise que os intelectuais devem intervir. Nem que seja em simples makas à quarta-feira.


É lamentável verificar que não cabe, pelo menos parece não caber, na lógica de Vossa Excelência, uma intervenção que tenda a unir os membros, a comunidade dos escritores. Dificilmente reinou em si o espírito da ajuda, da compreensão, da solidariedade. Há, pelo contrário, uma tremenda tendência para o compadrio e concomitantemente para dividir, excluir, magoar, agredir, ridicularizar. E isso acontece porque, quer-me parecer, que Vossa Excelência está imbuído da ideia de que não erra nunca, que é infalível. É um mal dos vaidosos e preconceituosos, tenha a coragem de admitir. Só assim consigo entender o que ouvi na sábia palavra do doutor, um tratado sobre o insulto. Só faltou dizer por extenso, que o cágado Jacques dos Santos, não tem autoridade para, em cima do cepo que magistralmente idealizou, falar sobre literatura angolana, talvez por motivos…étnicos. Serei eu, de facto, como insinua, um inimigo da literatura angolana? O senhor tem noção da monstruosidade que lançou? Para mim, esse tipo de afirmação é reflexo de alguma confusão que paira, que perturba, enfim, que não anda bem na sua cabeça. Mas, lá se diz, pretensão e água benta, cada um toma a que quer.


Não quero deixar de lhe dizer que o ponto doloroso do escritor Luís Kandjimbo tem a ver com o seu alvará quase exclusivo da crítica literária angolana. Crítica que ao invés de ser posta ao serviço da literatura nacional, por exemplo, via UEA, se tem refugiado nos departamentos universitários por onde circula. E ainda a propósito de crítica literária, lembro-lhe que na relação cuidadosamente elaborada e estampada no Jornal de Angola, Vossa Excelência não registou dois nomes importantes. Eugénio Ferreira e Francisco Soares. É natural que se tenha esquecido deles. E já agora, a Dra. Irene Guerra Marques, não é, que eu saiba, crítica literária. Por fim, ilustre académico, quero dizer-lhe que é necessário saber conter os impulsos do ego. Quer-me parecer que o seu, anda decididamente a empurrar-lhe a barriga para a frente, e por tal facto, vai perdendo a serenidade. Como já não tem quem o acompanhe nas estéreis discussões sobre o cânone da literatura angolana, Vossa Excelência vai defendendo a sua “loja” actual, com uma arma de arremesso sustentada pelos tradicionais provérbios em língua umbundu. Acho que não vale a pena, senhor doutor. Do meu ponto de vista, isso não ajuda a elevar a sua imagem.


Como provavelmente não teremos mais oportunidades para uma troca de impressões como esta, deliberadamente provocada por si, quero recordar-lhe e com isso dar conhecimento público, de um procedimento seu que ainda hoje me causa algum incómodo e reflecte claramente a sua forma de ser e de estar. Nessa altura, vestia Vossa Excelência o fato de vice-ministro da Cultura. Convocou-me a mim e a um colega para uma reunião no seu gabinete. Decidiu receber-nos, uma hora e cinquenta minutos depois da hora anunciada! Não foi capaz de pedir desculpa, como mandam as regras de civilidade. O que se pode retirar desse comportamento?


Ora, em face do que acima exponho, sou levado a pensar que a presença em círculos académicos de um indivíduo que é professor catedrático como Vossa Excelência é, e tem as responsabilidades que tem perante o universo de intelectualidade em que gravita, preocupa seriamente. E não somente a mim. Porque é capaz de sentir dificuldades de transmitir aos seus alunos, os valores pelos quais uma sociedade democrática e de direito se deve reger.


O senhor é professor mas, naturalmente, não sabe tudo. Pelo menos dá a ideia de não saber principalmente de uma matéria fundamental, que consiste no derrube nas nossas mentes do preconceito nas sociedades. Por isso temos gente recalcada por este mundo fora, uma espécie infelizmente bem representada em Angola. Não brinquemos com coisas sérias, senhor doutor. Não se admire se acontecer que no mesmo cepo onde o doutor resolveu colocar um cágado com a minha figura, suposto símbolo da inteligência, pode um dia alguém colocar a representá-lo a si, senhor doutor, um animal muito menos dotado.

Nada mais tenho a dizer-lhe. Desejo que no futuro melhore a apreciação que faz das pessoas, esforçando-se por respeitá-las antes de tudo.