Luanda - Corre há uns dias na internet, e também de mão em mão, que é como quem diz de computador em computador, uma “tese” da autoria de José Manuel Cerqueira, sobre alguns problemas da nossa economia.

Fonte: NJ

José Cerqueira, convém dizer, foi um dos convidados para o encontro que o Presidente teve com a sociedade civil. O formato, como vimos, não foi o melhor.

 

Muita gente, que esperava dizer alguma coisa, também acabou por não ter direito à palavra. Não sei a que se deve a omissão, mas tenho-o como alguém, como outros economistas, que interessa ouvir.

 

De resto, foi com os olhos postos na crise económica, social e sanitária sem precedentes em que o país está mergulhado, que o Presidente convocou a nação para um debate pós-estado de emergência.

 

Decidido a partilhar o que pensa, José Cerqueira lavrou uma extensa e crítica comunicação com a qual desafiou o conformismo académico da sua classe e lançou uma verdadeira pedra no charco.

 

Outros especialistas, em número restrito, têm-no feito igualmente e é sempre saudável ver em cima da mesa a exposição, de forma crua, de alguns temas candentes da nossa economia, como o fez este economista da escola do Porto.

 

Sem tibiezas, José Cerqueira, coerente com o que vem defendendo desde 1987, voltou a apresentar a sua receita sobre a relevância de três variáveis chave – a taxa de inflação, a taxa de câmbio e a taxa de juro – na resolução dos dois problemas graves de Angola: a pobreza massiva e o desemprego jovem.

 

José Cerqueira tem toda a razão? Pode ter nalguns pontos, sendo certo que não será certamente dono de toda a razão. Num país em que “os economistas adoram ser ou não pró Keynesianos”, há, por isso, quem discorde das suas posições.

 

Há quem descortine noutros pontos algumas contradições. Ainda bem que assim é. É pena que quem o contraria, não venha a público expor os seus pontos de vista.

 

Mas também há quem lhe conceda toda a razão. Porém, mais do que ter razão, como sustenta um académico, “é tempo de confrontação teórica e experimentação científica das posições defendidas” por José Cerqueira.

 

Mas, os outros economistas não deterão também a sua verdade? Provavelmente sim. Pouco importa como se chamam esses economistas.

Importa agora que, aqueles que nunca o fizeram, tenham a coragem de tirar as máscaras!

É tempo de um debate aberto em torno das divergências técnicas que separam os nossos economistas. Sendo José Cerqueira um macro-economista, é tempo de prestar atenção também a outros economistas cuja abordagem técnica se centra nas pequenas e médias empresas e na economia informal.

Já nos demos a ouvir em simultâneo as razões de Alves da Rocha, Manuel Nunes Júnior, Carlos Rosado de Carvalho, Salomão Xirimbimbi, Joaquim Nunes, Mário Nelson, Yuri Quixina, Natalino Lavrador ou Precioso Domingos e outros

É tempo de enfrentar a tempestade reunindo à mesma mesa os que têm razão ou julgam tê-la, ou aqueles a quem tem sido negada a oportunidade para expor as suas razões.

Não sendo economista, não me atrevo a dizer quem tem ou não tem razão, mas não posso deixar de falar dos factos, dos custos e dos desencantos.

Seja como for, se alguém perder de vista o benefício deste tipo de consultas, tomemos em conta o derrame de ciência e de conhecimento que se registou no passado durante os debates anuais que eram promovidos pelo jornal Expansão.

Por lá passaram nobeis da Economia. Se é verdade que hoje não há dinheiro para convidar figuras como Paul Krugman ou Joseph Stiglitz, gente que debita ciência e saber, também é verdade que há, entre nós, quem o faça por menos. José Cerqueira fê-lo de borla. Outros mais têm-no feito.

Relativamente aos debates científicos vimos também o quão benéfico foi a realização do Congresso Internacional de Direito Administrativo realizado em Outubro do ano passado.

O pretexto foi uma homenagem a António Pitra, mas o miolo do que ali se debitou suplantou o motivo. É por isso legítimo perguntar se já pensamos o quão útil seria reunir alguns antigos Ministros das Finanças e outros especialistas para se debruçarem sobre o Orçamento Geral do Estado?

Porque não seguir, nesta matéria, aquilo que faz o Governador do BNA, que, de tempos a tempos, se reúne com diversos especialistas para discutir temas candentes da banca?

É hora de deixar de ter medo de discutir e passar a discutir o que nunca se discutiu e o que deve, realmente, passar a ser discutido. É hora de concluir que, como alerta António Barreto, “as contradições são reais e merecem ser ouvidas”.

Mas, não é só ao nível do direito e da economia. Bom seria que, no domínio da saúde, não ficássemos apenas pelos pronunciamentos em voz alta do Dr. David Bernardino. Onde estão, afinal, os outros médicos?

Bom seria que, por isso, não ouvíssemos murmúrios debaixo da mesa sobre a gestão da crise pandémica pelo Ministério da Saúde.

Se é reconhecido o espírito de entrega, de sacrifício e de missão dos médicos e do restante pessoal da saúde, este país merece que, em respeito pelo “Juramento de Péricles”, assumam as suas responsabilidades éticas e denunciem publicamente as falhas, erros e omissões detectados na gestão da pandemia da Covid-19.

Este país merece que, em vez de o fazerem pelas costas, os médicos digam na cara da Ministra da Saúde que a consideram “arrogante e deslumbrada com o poder”, como de resto, se vê pela forma altiva como fez estalar o verniz diante dos jornalistas, como se devesse ser ela a ditar as perguntas ou como se aqueles fossem seus empregados domésticos…

Este país merece que, em vez de o fazerem pelas costas, os médicos digam na sua cara que “concentra tanto poder” que até a distribuição dos reagentes hospitalares depende da sua assinatura e que será provavelmente a única Ministra da Saúde do mundo que dá alta clínica aos pacientes…

Este país merece que, em vez de sussurrarem na penumbra, os médicos especialistas da Comissão Nacional de Saúde Pública se assumam como fiscais e procedam à avaliação pública do estado epidemiológico do país à luz desta pandemia.

Com médicos que não sabem do paradeiro da sua Ordem e ou economistas que também não sabem onde pára a sua Ordem, pouco se pode esperar de gente que, afinal, não tem coluna vertebral hirta.

O estado abúlico em que uns e outros mergulharam é preocupante. Não favorece a aceitação natural da divergência intelectual e não promove o debate crítico e aberto. Bloqueia e ilude a sociedade.

Com intelectuais sedentos de aparecerer na montra, este país arrisca-se a naufragar perante o snobismo de fato e gravata de gente despida de massa crítica.

Sendo todos muito poucos, não devemos ter preconceitos em ouvir quem saiba ou tenha experiência e saber a transmitir sem olhar para a faixa etária.

Não podemos continuar a viver no vazio.

Quem escreve sobre agricultura? Pouco mais do que Fernando Pacheco. Muito pouco para tantos agrónomos.

Não temos senão um antigo Ministro das Finanças, Augusto de Matos, a escrever nas páginas de um jornal.

Porque não escrevem também os antigos Ministros da Justiça? Alguém costuma ver na televisão o pronunciamento dos antigos Ministros da Educação? E dos antigos reitores da Universidades Publicas? O que se passa a esse nível no nosso país é uma vergonha!

Neste domínio, algo vai mal no nosso reino.

Um Presidente que teve a coragem de liderar um saudável e irreversível processo de abertura democrática como João Lourenço está a levar a cabo, não merece ter uma franja de intelectuais tão apáticos e situacionistas. Angola não merece tanta cobardia intelectual.

Quem pensa diferente, exerce em liberdade esse direito como o fez Manuel Aragão e outros juízes, que votaram contra a decisão do plenário do Tribunal Constitucional relativamente ao recurso interposto por Augusto Tomás. Não caiu o Carmo e a Trindade.

Como adverte António Barreto, “não vale a pena tratar de estúpidos ou ignorantes os que pensam de modo diferente de nós” ou concluir que “os que não têm as mesmas ideias que nós, são hipócritas e corruptos”.

Se, como diz um conhecido político angolano, ”não podemos evoluir para o atraso”, não devemos também continuar a ser cúmplices de tudo.

Gente eticamente isenta não pode condescender com o roubo, a fraude e outras tropelias que na banca recebem o pomposo nome de imparidades.

Gente irrepreensível não pode coabitar com gente corrupta. Gente competente não pode ser cúmplice de gente medíocre. Gente honesta não pode apadrinhar gente mentirosa.

A ausência de divergências intelectuais e do debate crítico assente em pressupostos políticos e científicos sustentáveis está a arruinar a nossa democracia. Angola não merece isto