Luanda - A Europa nem sempre tem a humildade aconselhável às boas relações entre povos, culturas e referências diferentes. Não é preciso fazer regressar a memória aos tempos da colonização pura e dura para encontrar exemplos abundantes do que ficou escrito. A Europa tem, no entanto, boas e compreensíveis razões para se orgulhar de muitos aspectos da sua evolução civilizacional, humanística e cultural, embora os êxitos reais estejam bem aquém do que proclama a propaganda.


Fonte: JA

Um exemplo elucidativo disto é o da chamada “construção europeia”, entendida como a agregação entre países através de afinidades económicas e geoestratégicas dominantes e que deveria – o condicional é o único modo verbal utilizável – culminar numa união de cidadãos livres, a União Europeia. Acontece que se juntaram gradualmente 27 países (outros virão a seguir) e montaram um monstruoso aparelho burocrático onde continuam a predominar os grandes interesses económicos e a cidadania se perde e dissolve neste emaranhado.


Ainda assim, os dirigentes europeus e os que gostam de citá-los automaticamente asseguram que a chamada “construção europeia” tem como base o respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades e pelos princípios do Estado de Direito.


Infelizmente, há ainda um longo caminho a percorrer para que isto seja verdade, tanto mais que é matéria onde a União Europeia estagnou, ou recuou mesmo. Não vale a pena escrever sobre as assimetrias económicas continentais, o desemprego, a discriminação racista e xenófoba, a exclusão social – situações todas elas violadoras dos mais elementares direitos humanos. Não será necessário recordar a passividade internacional da União Europeia perante agressões aos direitos humanos como o muro da Cisjordânia e a situação geral israelo-palestiniana ou a questão do Saara Ocidental, meros exemplos de uma situação muito mais vasta.


Para o quadro negro ficar exposto cruamente basta evocar episódios recentes, com desenvolvimentos ainda mais actuais, e sobre os quais os principais dirigentes europeus gostariam que se guardasse silêncio, como se a transparência democrática fosse uma exigência apenas para os outros.


Uma comissão do Parlamento da Lituânia apurou agora que as instituições do seu país colaboraram com os Estados Unidos na transferência e detenção ilegais de suspeitos de “terrorismo” de modo a que os serviços secretos norte-americanos ficassem livres para não aplicar as leis do seu país. No caso, isto significa prisões arbitrárias, sem condições, por tempo indeterminado e o recurso à tortura. A “velha Europa”, sempre tão ciosa da sua alegada superioridade em direitos humanos e Estado de Direito, sujeita-se à subserviência humilhante perante os Estados Unidos quando estes querem fazer trabalho sujo e, ao mesmo tempo, manter a casa formalmente limpa.


A Lituânia não é toda a Europa, dir-se-á, o que é verdade. Mas sabe-se que existiram prisões ilegais norte-americanas pelo menos na Polónia e na Roménia e que os voos clandestinos transportando os suspeitos raptados algures sobrevoaram numerosos países da união Europeia, entre os quais Portugal, onde os dirigentes continuam a negar sem pudor o que é evidente para todos. Mesmo que estas situações não fossem ainda suficientes para envolver toda a União Europeia, como reagiram então as estruturas dirigentes europeias a estes acontecimentos? Silenciando-os, não actuando, não punindo os infractores, abafando-os, escondendo-os dos cidadãos. Este é o comportamento dos coniventes, é a exposição da União Europeia como uma das partes de tão sinistro tráfico humano, nos antípodas dos direitos humanos que proclama.


A União Europeia não passa de um projecto falhado enquanto não conseguir respeitar-se.

 

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