Luanda - O surgimento da Internet gerou um impacto na cadeia de produção jornalística e sem dúvida veio ampliar o volume e democratizar o acesso à informação. Estamos a viver um fenómeno que os sociólogos da comunicação chamam de inflação informativa, num paralelismo com a economia.

Fonte: JA

Mas a situação tornou-se ainda mais incisiva com as redes sociais, que não retiraram o papel de intermediário dos jornalistas, mas se constituíram como fontes de informação e veículo para a disseminação, como players relevantes, de uma produção noticiosa menos condicionada pela credibilidade e por critérios de veracidade. Passou a ser credível quem divulga primeiro mesmo que só confirme depois. Os factos e a verdade deixaram de importar pois a mentira ganhou o espaço da verdade.


A velocidade com que se propagam os factos, aquilo que são rumores passam a vingar como verdade, não exactamente aquilo a que os filósofos chamam de pós-verdade, mesmo que os factos objectivos sejam sacrificados ao apelo emocional e às convicções. Os new media, com pressa de divulgar e ausência de rigor, não podem ser espaço apenas para rumores, boatos e mentiras, tentando impor uma visão míope do mundo e dos factos (alguns construídos). A ética, neste contexto, torna-se, ela própria, um critério de credibilização. O imediatismo é por isso uma das evidências e o preço da incultura enraizada na sociedade contemporânea.
É claro que a classe jornalística continua muito marcada pelo corporativismo e pelo sentido de elite do jornalismo - que era visto, entre os intelectuais, como uma profissão nobre pelo seu elevado sentido de justiça e pela sua força social, política e económica, e daí que os anglo-saxónicos tenham criado o conceito de “quarto poder”.


A falência do nosso sistema de ensino, que produz licenciados que não sabem sequer falar - para não nos referirmos à produção de um texto que expresse uma ideia coerente e um pensamento lógico, livre de crassos erros gramaticais - não permitiu o desenvolvimento de valores cívicos e de cidadania, e é a essa incapacidade que devemos muito do que agora vivemos.


Essa ausência de valores faz-se sentir no quotidiano, em pequenos gestos ou gestos incompreensíveis, como os que foram perpetrados por cidadãos que furaram a cerca sanitária, os que ousaram enfrentar as forças policiais ou ainda os que terão apedrejado os brigadistas que na cerca sanitária do Hoji ya Henda tentavam manter o controle e organização dos cidadãos.


Como dizia há dias um prelado católico de origem portuguesa, “a miséria custa caro”. É o preço que pagamos pela fraqueza das nossas instituições do Estado. Assistimos todos os dias à vandalização dos bens públicos, como sucede, por exemplo, na centralidade do Kilamba e um pouco por todo o lado, onde bandos de malfeitores, claramente organizados em redes mafiosas e pela calada da noite, vandalizam o sistema de distribuição de energia, derrubam postes e cabines para roubar cabos de cobre, sob o olhar silencioso ou a inércia das forças policiais.


O sistema distorceu tanto os valores que a ganância passou a presidir a boa gestão. De outro modo, como podemos entender que as nossas escolas construídas com custos hiper-inflacionados ainda hoje não tenham água potável e nem sequer sistemas alternativos, condicionando o regresso às aulas? Ou as estradas construídas a preços milionárias que deviam durar anos e só duram meses? Como entender a delapidação que sofrem as nossas florestas, para não falarmos da matança indiscriminada de animais de toda a sorte, dos elefantes às tartarugas? O que se passa connosco afinal? Em que nos tornamos? E qual é o papel dos media, quando prefere construir fake news no lugar de edificar uma sociedade com valores.


Sobre as escolas, não tenho dúvidas, a solução passa por organizarmos um sistema comparticipado para a gestão do parque escolar porque, no imediato, não se vislumbram soluções estruturais. E se há uma falência do sistema de ensino, parece-me evidente que os nossos media, por causa ou em consequência, seguem o mesmo caminho.


Acredito numa media que valorize o serviço público e com sérias responsabilidades, não apenas sob o ponto de vista da informação. No nosso contexto, a media tem responsabilidades acrescidas na formação das pessoas. É óbvio que ela não vem substituir o papel da escola - que o jornalista não é o professor – no entanto, e da mesma forma que não pedimos ao jornalismo que faça pedagogia, também não aceitamos que o jornalista produza ou amplie conteúdos anti-pedagógicos, provocando a adesão das pessoas a fenómenos negativos. A zunga, precariedade, fome, analfabetismo estrutural, facilitismo, feiticismos, horror às artes dando lugar a um vazio estarrecedor, são tudo temas que não podem ser alimentados por jornais, rádios e televisão de forma leviana.


Recentemente, assistimos a um desses casos valorativos feitos à pressa. Numa altura em que a maioria da população tende, ainda, a concentrar-se nas cidades, vivendo do desenrascanço, que muitas vezes mais não é do que lavar ou arrumar carros nas ruas ou procurar comida nos caixotes do lixo - sim, falamos sobretu-do de Luanda -, foi com muita dificuldade ou enorme relutância que as pessoas entenderam a relativa bondade do programa Kwenda (e bondade não é caridade), que é também uma forma de mitigar algumas insuficiências junto das comunidades rurais e, ao mesmo tempo, uma maneira de fixar pessoas aos lugares onde vivem (ou pelo menos uma tentativa), evitando que se lancem à demanda das cidades onde as infraestruturas estão muito aquém.


Obviamente que não se pode olhar apenas ao valor que cada família recebe. Temos de olhar para o impacto social dessa renda, que gera circulação de capital. E depois há muito mais trabalho para ser feito, tanto ao nível local como central, para que as pessoas se fixem à terra, não porque as queremos lá, mas porque queremos dar-lhes o possível para que elas se sintam bem por lá - até porque, a alternativa pode ser menos boa do que parece. É por isso que o desenvolvimento do meio rural com programas como o da electrificação são igualmente ingentes no sentido de criar condições para fixar as pessoas e se possível promover o seu retorno.


Para terminar, a minha homenagem, neste espaço, ao António Ferreira “Aleluia”, uma das referências maiores do nosso jornalismo desportivo, que foi a enterrar na passada semana. A sua competência, rigor e graciosidade singular na forma de encarar a vida, mesmo que nos últimos anos apoquentado pela doença, são uma lição para todos nós. Até um dia, camarada Aleluia.