Luanda - Nunca passámos por uma crise desta desde que o país se conhece como tal. Nem mesmo durante o pior do conflito armado. Ali pelo menos, havia a esperançazinha que a ansiada Paz chegaria, e havia o consolo do amparo humanitário da comunidade internacional. Ou seja, havia bases para sustentar a fé que mais cedo ou tarde, “tudo se iria resolver”. Era só um sopro divino ou algo semelhante tocar os corações dos que mandavam nos dois lados. Como efectivamente veio a acontecer.

Fonte: NJ

Agora até aquela esperançazinha do fundo do peito parece não tem mais aonde morar. Graças à escala planetária da pandemia, todos os países, grandes e pequenos, ricos e pobres estão preocupados eles também com a própria sobrevivência. Aliás, desta vez, foram eles que passaram a doença para os países pobres. Sobra-lhes por isso pouco tempo, recursos e solidariedade para “dar de esquebra” a quem nada tem como nós, porque a nossa riqueza, o petróleo de repente para pouco serve. E onde os grandes não ajudam os pequenos, para países como os nossos que pouco ou nada produzem, acabam “sobrando as sobras”. Os restos que lhes sobram da resposta à parte que lhes cabe da pandemia universal. Nem o dinheiro, que também temos pouco, é mais suficiente para adquirir os materiais e medicamentos necessários para combater a doença. Todos os países que não os produzem têm que esperar na bicha e comprar apenas as quantidades disponíveis, não as necessárias. Assim, as famílias nas comunidades debatem-se com carências mil, as empresas correm o risco de fechar e atirar milhares ao desemprego, o próprio Estado vê as reservas indo a desaparecer e tudo parece se encaminhar para uma espécie de abismo. Até porque as perspectivas para o controlo da epidemia permanecem até agora ténues e remotas. É nesse contexto de crise quase existencial para os indivíduos, famílias, empresas e o próprio pais e em que como que se adivinha a morte anunciada da esperança – a tal que é a última a morrer – que emerge o hercúleo e incontornável desafio de repensar do cima a baixo “o país que nasceu os nossos antepassados”.


Por tudo o que aconteceu nos últimos três meses e se adivinha que venha a acontecer ao longo deste ano, torna-se preciso deixar de lado todos os planos e perspectivas construídos até agora e refazer tudo de novo. A começar pelo Plano de Desenvolvimento Nacional (PND) que, pensado em 2016 e sufragado nas urnas no ano seguinte, agora com esta situação de crise pandémica está completamente desajustado. Em Angola e em todos os outros países do Mundo. Na necessidade pungente de avançar com a vida e proteger-se do novo coronavírus, tudo tem que ser repensado, adaptado, refeito, reavaliado e reposicionado. Há que encontrar formas diferentes e criativas de produzir os nossos alimentos, mandar as nossas crianças à escola, prestar os serviços essenciais à vida e ao desenvolvimento, fazer a protecção social aos mais vulneráveis da nossa sociedade… em suma, reprogramar o País. Essa reprogramação tem que ser inclusiva, participativa, abrangente e realisticamente factível para que a Nação se reconheça nela, a transforme num símbolo do renascer da esperança e motivação para lutar pela própria sobrevivência.


Para isso, e tal como acontece nas situações de crise nas famílias e instituições, o factor chave para o país nesse processo deve ser a unidade. Todas as energias e forças vivas devem estar mobilizadas em volta deste programa que deve ser, de facto uma espécie de pacto de Nação. Ninguém deve sentir-se excluído e todas as instituições nacionais devem fazer dele a sua bandeira de combate. Partidos Políticos, igrejas, empresas, instituições, comunidades, famílias, etc., todos devem fazer o seu papel e complementar os esforços do Outro em nome da sobrevivência da Nação. Porque é isso que começa a ficar em causa.

 

À classe política e em especial aos governantes, cabe o papel curial de constituir-se na locomotiva desse esforço nacional. A começar pelo Pacto de Nação atrás referido. O esforço que adivinhamos que o país terá brevemente que fazer deveria comandar a unanimidade, ou pelo menos o consenso de todos os partidos políticos, a começar pelos que detém assento no Parlamento. À classe política caberia também facilitar os consensos necessários entre os vários sectores da sociedade. Por outras palavras, nenhum partido político, ou igreja, ou empresa, ou grupo social procuraria tirar dividendos isolados do programa; mas sim todos estariam congregados no objectivo maior que seria a protecção da Nação dos efeitos da pandemia e o relançamento do seu desenvolvimento. Num desiderato destes, há que comunicar mais; dialogar mais; criar um espírito de busca incessante de pontes onde só se vislumbrem muros.


O Presidente João Lourenço deu sinais bastante positivos no que à participação diz respeito: procurou e conseguiu, mais que o consenso a unanimidade, tanto junto do Conselho da República quanto do Parlamento em relação à declaração do Estado de Emergência e da situação de calamidade. Mas isso já se começa a revelar insuficiente.


Várias vozes, e algumas de líderes de opinião importantes, vão cada vez mais manifestando preocupações pertinentes em relação à gestão da pandemia e, principalmente como as acções actuais estão a ser projectadas para o futuro próximo. As associações empresariais ainda não se sentem mobilizadas e/ou beneficiadas pelas medidas postas em efeito para o seu relançamento em contexto de epidemia. A Oposição, que ainda parece não ter entendido que estamos numa situação de “ou nos salvamos ou nos afundamos todos” vai fazendo “business as usual” e concentra-se na “denúncia” do empobrecimento das famílias, na esperança de capitalizar eleitoralmente com isso, no discurso totalmente irrealista que esse empobrecimento é fruto das más políticas do executivo. E não é; resulta “da epidemia que estamos com ela”.


Por isso, o Presidente e o executivo têm que comunicar mais com todos os sectores da sociedade, sem excepção. Mais do que comunicar, têm que dialogar, negociar, construir pontes e, se preciso contemporizar para alcançar a mobilização necessária para a Nação estar unida contra a pandemia. Para que os cidadãos sem excepção sintam que são parte de um Plano de Salvação Nacional; saibam o que se espera de cada um individualmente para que esse plano tenha os resultados preconizados; e esteja preparado para consentir os sacrifícios necessários para atingir esse desiderato. A liderança política, com destaque para o Presidente da República, cabe agora fazer uma comunicação emocional, olhos nos olhos e dirigida ao coração do Cidadão, do tipo “não temas; tu podes, nós podemos, Angola pode” capaz de protagonizar a mobilização extraordinária que a resposta à crise começa a exigir.


Participação e Unidade parecem ser cada vez mais a chave para o repensamento do país que se impõe para o reacender da esperança no nosso jeito mwangolé de esquindivar todas as dificuldades. Desta vez, impõe-se o slogan dos militares: Aos seus filhos, a Pátria não implora: Ordena. Ou se preferirem, nessa hora “cada cidadão deve sentir-se necessariamente um soldado”.

* Sociólogo da Comunicação