Luanda - O ministro da Indústria e Comércio, Víctor Fernandes, deu uma excelente entrevista à TPA, esta semana. Víctor Fernandes é alguém que domina bem a sua área e exala aquela autoconfiança de quem conhece a realidade do nosso país.

Fonte: JA

Víctor Fernandes é, também, um homem de ideias: é uma figura com quem se pode discutir as ideias de Adam Smith, Michael Porter, Joseph Stigler. O nosso ministro é obviamente alguém que lê e leu.


Antes que seja acusado de aquele defeito, muito à moda angolana, de bajular, devo afirmar que houve momentos que discordei do ministro — ou pelo menos achei a sua fé no papel do Governo, como sendo de um árbitro desapaixonado nem sempre tem andado de acordo com a realidade. Para as economias como a nossa, onde as infra-estruturas e as instituições ainda estão num estádio primário, o Estado tem que ser mais do que um árbitro. O Estado tem que ser uma espécie de pai digno e imparcial, que potencializa todos os seus filhos. Em todo o caso, a intervenção do ministro é louvável porque resultou num debate que poderá resultar numa profunda introspecção nacional.


Aqui no Planalto Central, eu tenho viajado bastante pelas aldeias onde tenho encontrado o tipo de pobreza que arrepia. A única saída desta população é a agricultura — isto é um dado. Mas para a agricultura triunfar é preciso tomar em conta os factores endógenos e exógenos. Há uma falta séria de tempestade de ideias para se resolver os problemas com base na realidade no terreno.


Os camponeses, por cá, estão a trabalhar arduamente. Infelizmente, muitos não avançam porque falta uma estratégia séria para os guiar. Sim, temos o problema do escoamento, já vi toneladas de produtos expostas aqui no Planalto por falta de sistema para levar estas mesmas toneladas para o mercado. Mas o que é ainda mais perturbador é que muita gente produz sem uma visão estratégica. Alguns meses atrás, encontrei montes de batata-rena a apodrecerem na Tchicala-Choloanga. O problema é que ninguém tinha pensado no mercado: o solo produz muita batata e as pessoas foram cultivando sem pensar seriamente em quem iria consumir a mesma. Duas semanas atrás, o tomate era caríssimo e quase sem oferta. Agora há tomate por todo o lado e algum, infelizmente, poderá até apodrecer.


Falta, aqui, os camponeses terem alguém que lhes ajude na cultura de pensar seriamente nos seus mercados alvos. Naquele outro meu país, Zâmbia, tenho um antigo colega de escola, que hoje é fazendeiro, que está a fazer uma imensa fortuna, produzindo limões para a República Democrática do Congo (RDC). Este fazendeiro notou uma gritante falta de limões em Lubumbashi, na região de Katanga, e têm tido clientes que vêm com camiões à procura deste produto. Tenho visto aqui limões a apodrecer e ninguém terá ouvido falar do mercado na RDC.


Tenho comprado mel de uma aldeia chamada Mombolo. Soube deste senhor através de um amigo. Este tio nunca pensou em aumentar os seus clientes para o Huambo e quando eu lhe falei de poder exportar o seu produto ele ficou receoso. Quando ele visualiza o seu negócio fora de pessoas que ele confia vem-lhe logo a imagem do fim do seu sustento.


Tenho visto por cá várias equipas de instrutores de agricultura que têm ido para várias aldeias. Em várias aldeias foi dito que estes não ensinavam nada de novo , em certos casos, os aldeões, sobretudo os mais velhos, sabiam muito mais que os instrutores das escolas do campo.


Os mais velhos, nas aldeias, sabiam muito sobre a agricultura porque os missionários (sobretudo os da Igreja Evangélica Congregacional de Angola, IECA) tinham como sua missão ajudar os locais a aumentar a sua produtividade agrícola. Recentemente, estive na aldeia de Manico onde o ancião Bartolomeu Kakupa, de oitenta anos, me disse que no passado, as pessoas sabiam lidar com o solo e evitavam os adubos químicos. Ele ainda lembrava-se das lições de agricultura do Dr. John Tucker e do meu avô paterno Mateus Kanjila. Estes velhos sabem tudo sobre a rotação de colheitas e irrigação usando valas de irrigação tradicionais. Na aldeia de Sacapata, no Chiumbo, vi recentemente uma gigantesca estrutura que iria ajudar na irrigação usando um sistema solar. O sistema nunca funcionou porque não há técnicos para assegurar a sua manutenção etc. Nesta aldeia, muitos usam uma vala antiga para irrigar as suas hortas.


Aqui no Planalto Central, há vários projectos agrícolas iniciados por figuras com algum poderio económico e dinheiro. Estive recentemente numa fazenda no Chinguar com tractores e outros equipamentos que estão a apanhar ferrugem, porque os técnicos regressaram para Portugal já que o dono não tinha divisas para garantir os seus salários. A solução é ajudar as famílias a aumentar a sua produtividade. Os bancos vão ter que estar nas comunidades para conceder empréstimos às pessoas que produzem e não só a gente com conexões. Depois vai-se necessitar de um programa sério de Marketing onde a agricultura rural pode ser ligada ao turismo rural. Em Víctor Fernandes, temos um ministro com uma mente muito aberta e que certamente irá valorizar também as sugestões vindas dos seus compatriotas angolanos!