Luanda - Certamente não serei o único que, com frequência ouve dizer que por cá os falantes da língua portuguesa se exprimem deficientemente e o fazem por não ser essa a sua língua materna.É certo que é da sociedade que nos vêm as formas correctas ou incorrectas de falar.Porém sendo a sua norma padrão uma convenção social, quem usar a fonologia, a sintaxe e a morfologia erradas, não pode com base em conhecimento cientifico participar, com algum crédito, na resolução dos problemas dessa sociedade. Seja ele Ministro de Educação em Angola ou no Brasil.

Fonte: Club-k.net

Não sendo também eu um linguista, nem coisa que o valha, não quero perder a ocasião de opinar a respeito das críticas feitas ao pronunciamento do Sr Presidente da República, por ocasião do seu discurso na posse do Secretário de Estado para o Ensino Secundário.


O exercício do direito à opinião, em democracia, encerra em si a máxima liberdade de escolhas, pelo que não faltou quem achasse que o Presidente esteve mal. E mal por ter escolhido pronunciar-se não usando a música do costume. A de sempre ! Não porque tenha sido injusto, impreciso ou inoportuno, dizem, mas porque num assomo de desabrida coragem, cuidou de apontar algumas das evidências mais em foco, dentre as debilidades do processo educativo e ainda assim, omisso na falta de qualidade da generalidade dos profissionais, que essa mesma educação produz, anos a fio. É só ter paciência de ler jornais, ver televisão e ouvir rádio. Alí onde se encontram os ignorantes do conhecimento dos registos adequados ao contexto comunicativo da profissão que exercem.


É pois preciso uma elevada dose de coragem e noção de cumprimento de dever, para se afirmar como o Sr. Presidente da República afirmou, que até aqui se tem brincado com a educação, ora porque não exigente, ora porque ausente de méritos essenciais a ser qualificada o suficiente, para ter reconhecimento internacional. Uma educação cheia de estudantes, nos níveis mais elevados da formação, que não sabem nem falar, quanto mais escrever! Uma educação que precisa de agentes com coragem suficiente para combater os populismos e não recear os apodos de elitistas.


Não sei que outras lentes mais serão precisas para tirar o debate da bolha de populismo activista em que tem estado confinado! Para colocar o seu pronunciamento no âmbito dos diálogos nacionais e não como até aqui, mante-lo dentro das palhinas de bambú, com críticas unicamente dirigidas às suas ideias mas sem o sentido das emergências nacionais. Enfim um “discurso tsunami” que deverá sim servir para nos provar o quanto a falta de qualificações, mais do que a de recursos financeiros, vai ser determinante para irmos recuperando dos destroços.


Não tem como, neste tão curto espaço de comentário, relatar o rol de incompetentes profissionais, verdadeiros “analfabetos funcionais”, de que está cheio o mercado de trabalho. Incompetentes de todas as matérias em todos os domínios. Mas há excepções, claro que as há, a começar pelo que já se nota em algumas repartições da AGT- Alfândegas e no INSS , por exemplo. Mas ainda assim, convenhamos que, para quarenta anos de independência e astronómicas somas de recursos gastos, sabe a muito poucochinho.


Levantaram-se os orgulhos patrióticos de todos os momentos, com direito a TV, dispostos a justificações, tomando-se a si próprios como exemplos, mas sem que os seus argumentos desmintam a crua realidade que passa por ser a de que, para se ter o País a funcionar e a “funcionar arrasca” com as garantias mínimas da sua sobrevivência, temos de o sujeitar à cooperação da mão de obra qualificada, porque dela depende o funcionamento razoável dos serviços e das engenharias , dos petróleos como das finanças, da construção civil como das telecomunicações. E isso não tem como razão, senão a deficiente qualificação dos recursos nacionais que as nossas escolas, universidades incluídas, produzem; escolas onde a matriz mais evidente é, não apenas a dos alunos muito mal preparados, mas também a de professores com as mesmíssimas deficientes qualificações. Por muito bem intencionados que sejam os conteúdos dos decretos trezes, dezanoves e muita, a indignação das Associações


 Fui testemunha, entre outros, de numa conferência ter ouvido um pronunciamento porventura destemido mas igualmente realista, do representante das Nações Unidas para a Educação que garantiu serem desperdício, cinco dos oito anos de escolaridade que os alunos das escolas de Angola frequentavam. Apenas três se traduziam em aproveitamento. Sim três , ouviu quem quiz e percebeu quem fosse capaz!.

É momento adequado a perguntar que referencial de competências é a escola Angolana, para as famílias que cada vez mais privilegiam a educação como etapa obrigatória do acesso aos portões do futuro dos seus filhos?


As escolas, tal como as conhecemos hoje, permitem-lhes ter as garantias reais sobre os percursos de sucesso dos seus descendentes?


A escola tem estado a altura das exigências do momento e das dificuldades de circunstância, ou pelo contrário continua a viver, cada ano cada etapa, na mesma ansiedade associada à insegurança e sem esperança no destino?


A escola funciona como um dos niveladores sociais e fornece a todos por igual, um acervo de conhecimentos, competências e atitudes, que lhes confiram qualificações e acesso à cidadania?


Têm as escolas os professores com a qualidade necessária a que os alunos aprendam? Ou apenas vão à escola?


Qual a pirâmide etária do corpo docente disponível em Angola?


Que natureza de mecanismos, tais como empréstimos, financiamentos, bolsas de estudo, ajuda a propinas, apoio social complementar, convenções com o ensino particular, de que o Governo dispõe para evitar maior exclusão, o aumento da mobilidade social e garantia do direito constitucional à educação?


Será que é com o Sudão do Sul que queremos continuar a ser comparados ( 6.9 % contra 14.1% de investimento ) ?


Pois sou dos que entendem que a assertividade das palavras do Sr Presidente da República, o colocam a salvo do ambiente de erosão, protegido que foi por adopção do figurino de novas atitudes, e mesmo de novas identidades, que em Setembro de 2017, ele próprio anunciou e ousou inaugurar.


Espero sinceramente que não ocorra a utilização manipuladora das suas palavras, enquanto elemento importante da estratégia do poder, explorada pelos costumeiros populismos da entorage de sucessivos governos, seus antecessores.


Provocou ressentimentos? Claro que sim e com eles mobilizou antagonismos. Mas no lugar de criar mais fracturas também serviu para que se possa perceber o direito a mais pluralismo; pluralismo daquele que não se fecha em redutos de intolerância e por conta, nos torna menos escusos a aprender, a conhecer e a reconhecer.


O território das palavras é como a floresta, não como o deserto. Por isso o temos de defender das acções de apropriação exclusiva, da diminuição do seu sentido. E foi esse o sentido que se deve entender tenha sido o que quiz dar, por ter consciência do longo caminho que nos falta percorrer, rumo ao desenvolvimento de boas políticas públicas por melhor educação, já que até aqui agarrados à auto propaganda dos seus feitos, com estatísticas que não passam de pura tagarelice, por tal vexatórias. A não ser assim continuaremos impedidos de construir uma história, mas uma história de que o País se orgulhe, certos de que a educação em Angola não é um assunto arrumado, onde tudo está resolvido.


Se a liderança fosse um concurso de popularidade, seria mais fácil ao Presidente República optar por fazer o jogo das emoções, sem dúvida mais útil a angariar votos, que as ideias. Mas pelo contrário, optou por expôr da forma mais crua, apenas algumas das debilidades crónicas de que a educação padece, passando ao de leve uma revisão pelas sombras da sua triste história, mesmo que ainda não sacudindo os sarilhos que o “stataus quo” foi mantendo, mas já anunciando o interesse numa mudança real, demarcada das versões deprimentes de todos os antecessores que, no seio do seu próprio e narcisista partido ajeitam, eles sim, os passos à musica do colibri juvenil da fantasia.


Bem haja pois Presidente, pela sua coragem em anunciar o fim de um dos nossos ciclos de sofrimento.

Menezes de Araújo
Gestor