Luanda - O bispo Felner Amarildo Vitomba Batalha é o assessor para os Assuntos Eclesiásticos e Institucionais do bispo Valente Luís Bezerra, actual líder da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola, por força da Assembleia Geral Extraordinária realizada no dia 24 de Junho de 2020, que o elegeu coordenador da Comissão de Reforma da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola.É com ele que o Jornal de Angola aborda, nas linhas que se seguem, o actual momento conturbado que a igreja atravessa.

*André Sibi
Fonte: JA
Senhor bispo, a divisão na Igreja Universal do Reino de Deus em Angola é uma realidade irreversível?
Sim, senhor jornalista! A reforma da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola já é uma realidade irreversível. No entanto, quero em primeiro lugar esclarecer dois aspectos fundamentais, para uma melhor compreensão da realidade sobre a posição tomada pelos bispos e pastores angolanos. A Igreja Universal do Reino de Deus em Angola é de direito angolano. É regida por estatutos próprios e se submete à Constituição da República de Angola, bem como às demais leis em vigor na República de Angola. O que quer dizer que o vínculo que existe entre a Igreja Universal do Reino de Deus em Angola e as outras espalhadas um pouco por todo o mundo é apenas um vínculo espiritual. Desde o seu reconhecimento, a 17 de Julho de 1992, a Igreja Universal do Reino de Deus em Angola não é filial, sucursal, tão-pouco extensão da Igreja Universal do Reino de Deus do Brasil.

Quer dizer que estamos diante de uma Igreja Universal do Reino de Deus em Angola com uma personalidade jurídica própria?
Exactamente! A personalidade jurídica da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola foi reconhecida em 1992 pelo Ministério da Justiça em Angola, razão pela qual é uma propriedade dos membros da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola e pertence aos bispos, pastores, obreiros e fiéis angolanos.

Qual é o segundo aspecto que o senhor bispo pretende que fique esclarecido, ainda nesta fase introdutória da nossa conversa?
É importante dizer aos nossos amigos leitores, que não há xenofobia aqui em Angola contra cidadãos brasileiros, tão-pouco contra qualquer outro cidadão expatriado. Graças a Deus, nós, os angolanos, somos hospitaleiros e sabemos receber e trabalhar com aqueles que não são natos de Angola e tudo fazemos para que estes se sintam em casa. Veiculou-se nas redes sociais e canais televisivos actos de xenofobia atribuídos a pastores angolanos, o que não corresponde à verdade. O único incidente que tivemos foi com um pastor, de nacionalidade brasileira, e em meio ao tumulto, resultou no ferimento na pálpebra e gerou um ligeiro sangramento, pelo que pedimos desde já as nossas sinceras desculpas pelo sucedido. Por outro, lamentamos o excessivo aproveitamento da imagem resultante deste pequeno incidente, para manipular a opinião pública nacional e internacional. É uma atitude baixa como cristão, pois a marca de um cristão é a verdade e não o aproveitamento de uma situação para fins inconfessos.

Senhor bispo, o que está na base desta situação tão complexa que a Igreja Universal do Reino de Deus está a viver nesta altura, marcada por desentendimento entre irmãos que vinham comungando os mesmos ideais nos últimos 27 anos da história da Igreja em Angola?
Ao longo da sua história a Igreja Universal em Angola e no mundo vinha passando por várias situações, que conheceram o seu ponto mais alto no dia 28 de Novembro de 2019, com a apresentação do manifesto pastoral ao bispo residente, afectando o clero e a congregação no geral.

Que situações, senhor bispo Felner Batalha? Pode explicar, por favor?
Ao longo destes anos todos a liderança da Igreja Universal nunca se dignou organizar sequer um encontro para se discutir os problemas internos e externos. E nos últimos anos, os pastores angolanos vinham testemunhando um conjunto de situações que se enquadram no âmbito da violação dos direitos humanos, nomeadamente a discriminação racial, maus tratos, afastamentos compulsivos sem causa formal, pressão psicológica para a realização da vasectomia, proibição de ter filhos, evasão de divisas e outros.

É possível atribuir este tipo de actos a uma instituição religiosa, voltada para a pregação da palavra de Deus?
Quando os factos são visíveis devem ser atribuídos sem reserva, pois, na Igreja Universal, liderada pelo bispo Edir Macedo, o primeiro critério para se lhe atribuir uma posição estratégica na igreja é a nacionalidade brasileira. Toda a área administrativa e financeira da igreja é controlada por bispos, pastores e as respectivas esposas de nacionalidade brasileira. As funções de menor relevância e subalternas é que são atribuídas aos bispos, pastores e às respectivas esposas de nacionalidade angolana. A questão da vasectomia é assunto que tem sido discutido e que leva alguns pastores a ceder, embora tenhamos muitos pastores solteiros que não aderiram e, como consequência, têm os casamentos confiscados há alguns anos.

A igreja tem indicadores sobre o número de pastores angolanos submetidos à vasectomia ao longo dos últimos anos?
Não temos os indicadores fiáveis porque temos muitos pastores angolanos que preferem o silêncio. No entanto, as estatísticas apontam para mais de 30 pastores angolanos, uns por temerem represálias, outros aderiram ao procedimento para ter o casamento liberado. Na sequência do descontentamento, apresentaram queixa junto ao Serviço de Investigação Criminal e o processo corre os seus trâmites junto das autoridades. O outro factor que se junta às reclamações dos bispos e pastores angolanos está relacionado com as esposas, pois, quando engravidam dos respectivos esposos são submetidas à violência psicológica severa. É quase que doutrinal, que a esposa do pastor não pode ficar grávida, daí a vasectomia e a tal proibição. Para desencorajar os demais, se o pastor, por exemplo, era responsável de várias igrejas, é despromovido para pastor auxiliar por engravidar a sua própria esposa, o que é absurdo.

Estas situações que relata são recorrentes no seio da Igreja Universal do Reino De Deus?
São situações recorrentes no seio da igreja, infelizmente. Se a igreja é contra todas estas situações, porque razão temos de admitir tais actos no seio da igreja? Quando acontece fora da igreja nós condenamos, razão pela qual se precisa de reforma. A igreja constitui a reserva moral de uma sociedade e já tivemos situações de abortos involuntários por causa desta pressão psicológica. A igreja é um lugar onde deve reinar a paz, a irmandade. Os mais atentos aperceberam-se destes fenómenos internos e a grande maioria nem sempre dá conta, porque a disciplina doutrinal desencoraja a fuga de informações. Certamente que os nossos fiéis estão a perguntar o que se passa com os nossos pastores. É muita coisa guardada e chegou a hora de abrir o coração e a boca.

Senhor bispo, normalmente as igrejas realizam seminários, conferências, congressos para analisar a vida interna da organização. Na Igreja Universal do Reino de Deus isto não acontece?
Posso afirmar que no início da nossa missão a igreja não vivia algumas situações que estamos a testemunhar actualmente. A vasectomia imposta, represálias às esposas dos pastores, são fenómenos recentes, introduzidos a partir do ano de 2000 para cá. Alguns bispos foram mais severos outros nem tanto. Quem serve a Deus não pode viver esta angústia, porque tem a missão de transmitir paz e bem-estar. Esta acumulação de maus tratos atingiu o seu ponto mais alto, a saturação, daí o grito de liberdade.

Alguns levantamentos feitos antes desta conversa indicam que o bispo Felner Batalha foi o número dois na hierarquia da igreja durante alguns anos. Porque razão deixou tudo isso acontecer diante dos seus olhos?
Fui auxiliar imediato do bispo João Leite por quase um ano. Fiz uma carta a dar nota ao líder mundial dos problemas a nível global e, de modo particular, os problemas que Angola estava a passar. Tomei a coragem e escrevi para o líder máximo da igreja, bispo Edir Macedo, para protestar um conjunto de irregularidades e alertar para uma eventual correcção da situação prevalecente, com conhecimento do bispo local, na altura o bispo Carlos Oliveira. De seguida fiz cópias aos restantes 13 bispos, dos quais sete angolanos.
Entre as preocupações apresentadas na minha missiva dirigida ao líder máximo da igreja, eu tinha alertado ao bispo Edir Macedo que os pastores e as respectivas esposas em Angola e um pouco por todo o mundo precisavam expressar livremente as suas opiniões. Tinha alertado igualmente que em Angola os pastores nativos eram discriminados. E o bispo Macedo não pode dizer que não sabe o que se passa em Angola, porque eu informei e fi-lo em canais oficiais da igreja.

Que canais em concreto usou para fazer chegar as preocupações ao bispo Edir Macedo?
Para que a minha missiva não fosse vista como boato, solicitei ao bispo local, na altura o bispo Carlos Oliveira, o contacto do bispo Edir Macedo e este me remeteu ao bispo Renato Cardo que pediu para que eu enviasse a carta. Então, fiz a missiva a alertar que as decisões eram tomadas única e exclusivamente no Brasil. Os nativos, nomeadamente bispos, pastores, obreiros e membros nunca eram consultados. Alertava igualmente para o facto de que os bispos locais não tinham acesso a nenhum tipo de relatório de saída. Nenhum bispo, tão-pouco pastor, obreiro e membro angolano tinham acesso ao relatório de contas da igreja em Angola. Alertava para a inexistência de relatório oficial sobre o que se faz com os fundos da igreja obtidos no país.

Como se pode compreender um clero com 13 bispos, entre angolanos e brasileiros, sem espaço para discussões internas sobre a vida da igreja?
Senhor jornalista, apesar do número de bispos a trabalhar no país, não havia balanços, tão-pouco apresentação de um relatório formal sobre as várias actividades realizadas e por se realizar. Na missiva lembro-me de ter perguntado ao bispo Edir Macedo porque razão os bispos locais não tinham acesso a este tipo de informações.

De que forma as receitas obtidas dos dízimos, ofertas, propósitos e “Fogueiras Santas” são canalizadas para as obras da igreja, bem como enviadas para o Brasil?
Os dízimos, ofertas, propósitos e “fogueiras santas”, uma vez recolhidos, são canalizados para a tesouraria, controlada única e exclusivamente por bispos e pastores de nacionalidade brasileira. Depois das receitas serem canalizadas para a tesouraria, o que acontece daí para frente ninguém sabe.

Isso é verdade senhor bispo?
Os bispos recebem informações verbais de que vai ser construída a catedral a, b, c e que vai se fazer isto e aquilo. Todavia, um documento formal sobre a actuação da igreja, sobretudo do ponto de vista financeiro, nunca recebemos.
Mesmo o custo total das obras, contratos com as construtoras, transacções e outros processos inerentes à gestão interna do património da igreja, são assuntos sobre os quais nunca tivemos acesso. Razão por que, reitero uma vez mais, na missiva enviada na altura, ao bispo Edir Macedo, questionava porque motivo se estava a solicitar um empréstimo bancário ao BFA, para comprar a FTU, quando o dinheiro arrecadado a nível local estava a ser enviado ao exterior? Questionava por que razão o dinheiro arrecadado a nível local não era usado para as obras locais?

Em quanto ficou avaliado o negócio para a aquisição da antiga fábrica de tabaco FTU, hoje transformada em Catedral da FTU?
Ouvi que ficou em 28 milhões de dólares. Apercebi-me que o valor do imóvel inicial era de 13 milhões de dólares, mas surpreendentemente, subiu para o valor já mencionado.

Que resposta obteve do bispo Edir Macedo depois deste acto de coragem, em que, por um lado, alerta a igreja para que corrigisse os erros prevalecentes e, por outro, a coragem de se dirigir ao líder máximo da igreja?
Não obtive resposta. Silêncio absoluto, chegou aos meus ouvidos que fui chamado de subversivo. Mais tarde fui convidado a ir ao Brasil.

O que aconteceu depois de chegar ao Brasil?
Não fui ao Brasil em jeito de protesto contra todas estas situações. E o bispo Edir Ma-cedo disse-me que, caso não fosse ao Brasil, seria desligado da igreja. Eu respondi que não estava a recusar a viagem, pois não era a primeira missão no exterior, no entanto estava a questionar alguns procedimentos que a qualquer momento trariam consequências para a igreja, como estamos a testemunhar agora. O bispo Macedo não pode dizer que não sabe nada sobre a evasão de divisas. Eu dei nota disso. Porque só se recorre à banca quando não há dinheiro. A missiva alertava igualmente sobre os pastores que tinham filhos, que estavam a ser forçados a abandonar o condomínio pastoral em Talatona para irem para lugares com menos comodidade de modo a desencorajar os outros de fazer filhos. E muitos dos referidos pastores, depois dos cultos iam ajudar na construção das obras do mesmo condomínio, faziam a descarga dos materiais de construção, disse ao bispo Macedo que não era correcto o que estava a se fazer.
Na missiva alertei igualmente para a necessidade de melhorar a fonte de informação do bispo e que não se ficasse apenas pelo líder local, mas sim ouvir os outros bispos também e orientar a produção de relatórios a nível local, o que nunca aconteceu.

O bispo Edir Macedo não recebe relatórios assinados pelos bispos residentes em Angola?
Basta ver que numa altura como esta, que a Igreja está mergulhada numa crise, o bispo Edir Macedo não consegue reunir as partes para aferir o que se passa de concreto e continua a acreditar única e exclusivamente nas informações passadas pela liderança local, entenda-se, bispo Honorilton Gonçalves. O que não é correcto. Para o bispo Macedo esta multidão toda de pastores nativos estão errados. Só é verdade aquilo que o seu representante diz. Questionei também na altura por que razão 27 anos depois não se encontrava um bispo nativo para dirigir a igreja? Os nativos são chamados apenas quando existe um problema. Nesta altura, por exemplo, na linha da frente estão o pastor Ferraz e o bispo Mário. E os brasileiros nunca são envolvidos para resolver os problemas que causam.

A Igreja Universal em Angola nunca teve um líder nativo?
Tivemos o bispo Augusto Dias, no período 2010-2013 e transferido para Moçambique e depois para o Brasil, após o incidente da Cidadela Desportiva. Questionamos por que razão em todo o mundo os bispos nunca são os autóctones quase 30 anos depois da história da Igreja. Então, pode-se concluir que se em 30 anos os nativos não são capazes de dirigir as estruturas a nível local, então, os mestres não foram capazes de gerar bons discípulos.

A carta feita na altura era o mecanismo que tinha encontrado para que se resolvesse os problemas da igreja internamente?
Realmente! Mas ninguém me deu ouvidos. E em jeito de protesto não segui viagem para o Brasil. E foi-me feito um ultimato: ou segue viagem ao Brasil ou, de contrário, será desligado da obra. O bispo Edir Macedo voltou a insistir que eu seguisse viagem ao Brasil, ao que recusei de novo. Respondi que não estava a denunciar, mas sim a protestar contra algumas irregularidades que prevaleciam na altura, por isso solicitava que continuasse em Angola. Então fiquei fora da obra no período entre Março de 2018 e Junho de 2020. Fiquei fora do clero e do conselho de direcção da igreja. Era igualmente vice-líder do conselho de direcção da igreja. Ao longo desse período tornei-me um simples membro, passei a assistir os cultos como um cidadão normal.

Não sofreu corte dos subsídios como bispo?
O corte foi imediato. E a direcção não se dignou informar aos membros, tão-pouco o corpo pastoral, sobre o que tinha acontecido ao bispo Felner Batalha, dando lugar a muita especulação sobre o que se teria passado. E muito se especulou sobre o meu afastamento.

E como passou a viver?
Consultoria, pois sou gestor de formação, tenho uma graduação em Administração de Empresas, além da formação teológica.

A Igreja Universal não permite que os pastores façam formação, em que circunstância fez a sua formação superior?
Ao logo dos 29 anos da história da Igreja Universal em Angola estou entre os poucos angolanos com o ensino superior concluído em Administração pela AIEC, na modalidade à distância. Já a formação teológica foi uma decisão minha, não informei à direcção da igreja, pois, havia esta necessidade de ter conhecimento teológico, uma vez que sou pregador. Além de mim temos mais cinco pastores com formação superior, sendo um médico, dois juristas e mais dois em comunicação social num universo de quase 400 pastores angolanos.

Se o bispo Felner Batalha estava desligado da obra, em que condição retoma ao clero, bem como às funções que desempenha actualmente?
Na condição de vice-líder espiritual e vice-presidente da IURD em Angola, o bispo Valente Bezerra recebe uma denúncia, que dava conta que a liderança brasileira estava a vender o património da igreja. Considerei a denúncia como uma situação muito grave. O que demonstra, o que acabei de relatar agora, que não se fez balanço tão-pouco relatório de nada. O meu sucessor estava a viver a mesma situação por que eu tinha passado. Fui contactado porque tinha 27 anos de experiência e conhecia os meandros da igreja. Fiz os contactos e, para minha surpresa, encontrei provas que demonstram claramente que a liderança brasileira estava a vender o património da igreja.

Que património da Igreja estava a ser vendido?
Estava a ser vendido grande parte do património da igreja, desde edifícios, terrenos, viaturas e outras propriedades, incluindo terrenos para se construir a Universidade da igreja. Depois de confirmar a informação procurei pelo presidente da igreja - e repare, o presidente da Igreja não é o líder espiritual, mas sim o representante legal da igreja, na altura o bispo António Pedro Correia da Silva. Ao informar-lhe sobre o que estava a acontecer, o bispo disse que não sabia de nada. Não é possível que estivessem a vender o património da igreja e o presidente não soubesse de nada. Ao aprofundar a investigação concluímos que a decisão de vender o património da igreja era única e exclusiva dos bispos Macedo e Honorilton Gonçalves.
Houve uma reunião secreta onde ficou decidido que o bispo Honorilton Gonçalves sairia de Moçambique para fazer esta desordem aqui em Angola, muito antes de ser transferido para cá. Oculta a informação ao vice-presidente do conselho de direcção e todos outros, passou a trabalhar com um grupo muito restrito de bispos e pastores brasileiros que sabiam disso.

A minha pergunta é: se é um acto de gestão normal, porque razão se estava a esconder dos demais membros da igreja incluindo o vice-líder Valente Bezerra, de nacionalidade angolana?
Alguns dias depois o presidente informou-me que não estavam a vender todo o património, mas sim uma residência no condomínio dos pastores, o campo de futebol e alguns terrenos, e eu disse ao bispo que não era apenas isso, porque nós já tínhamos toda a informação. E para que não fosse tido como mentiroso, enviámos ao presidente da Igreja os comprovativos de anúncios feitos nas redes sociais e imobiliárias, para se comercializar o património da igreja. Os anúncios incluíam a venda do terreno onde está a igreja de madeira no Talatona, que seria para construção da faculdade. Há cinco anos atrás, apareceu-nos alguém que queria pagar 30 milhões de dólares por aquele espaço e nós tínhamos recusado. E o bispo Honorilton Gonçalves, orientado pelo bispo Edir Macedo, queria “saldar” o terreno a sete milhões de dólares e temos provas.

Quando é que o bispo Honorilton Gonçalves passou a liderar a Igreja em Angola?
O bispo Honorilton Gonçalves consegue o visto de permanência em Angola entre Maio e Junho do ano passado e fixa residência em Angola para melhor materializar os seus objectivos e dar sequência à comercialização de imóveis da igreja.
Antes dessa confusão toda, o bispo Gonçalves chamou o bispo Valente Bezerra, para lhe indagar porque razão ele estava a questionar sobre a venda dos imóveis da igreja. E para acautelar a situação um dos membros da igreja foi orientado a mover uma providência cautelar, para tentar impedir a venda do património da igreja.

Naquela altura havia uma lista com mais de 250 imóveis da igreja a serem vendidos. Num universo de cem imóveis, vender um ou dois pode ser considerado um acto de gestão corrente. No entanto, quando se quer vender a maior parte, estamos diante de um acto que precisa de uma assembleia geral para deliberar. Para aonde iriam estes fundos?
Depois de tudo isso, em Outubro do ano passado um grupo de membros solicitou audiência ao bispo Honorilton e este recusou-se a recebê-los e disse, na altura, a quem não estivesse satisfeito com a gestão, que se retirasse da igreja.

Qual é a principal causa que originou o manifesto de 28 de Novembro de 2019 assinado por 300 pastores angolanos?
Com a intensificação da vasectomia, expulsões arbitrárias dos pastores da obra, discriminação racial, evasão de divisas e informações sobre a venda do património da igreja, tudo isso provocou a saturação dos bispos e pastores angolanos, que prepararam um manifesto lido por um pastor antes do início do culto com o bispo local a 28 de Novembro de 2019.

Pode explicar melhor este episódio?
Todas as quintas, o bispo local realiza uma assembleia espiritual com os pastores locais, no intervalo das 12 às 14 horas. E a partir das 13 horas, entram em videoconferência com o líder máximo da igreja, o bispo Edir Macedo. Neste dia em particular, 28 de Novembro de 2019, depois da conferência local, o pastor incumbido de ler o manifesto, solicitou ao bispo Honorilton Gonçalves um intervalo de tempo para ler o manifesto pastoral antes de entrar em cadeia com o bispo Edir Macedo. Depois de começar a ser lido o manifesto, o bispo Honorilton Gonçalves abandonou a sala e instalou-se o caos, que mudou o curso da igreja em Angola.
A recusa do bispo Honorilton Gonçalves em ouvir o manifesto pastoral foi a principal causa que retirou o problema do fórum interno e o colocou em hasta pública. Os pastores angolanos passam a contestar a liderança do bispo Edir Macedo e de Honorilton Gonçalves.

O que originou a ocupação dos templos da Igreja Universal inicialmente no Morro Bento, em Luanda, seguindo-se na periferia da capital e mais tarde no interior do país?
Depois do manifesto de 28 de Novembro de 2019, seguiram-se várias retaliações in-ternas aos pastores e bispos angolanos. O corte dos subsídios, de acordo com o escalão de cada um, a tentativa de expulsão das residências arrendadas, confisco das viaturas e residências no condomínio, num processo que durou aproximadamente sete meses, seguidos de várias campanhas de difamação na Fé TV e TV Zimbo, onde a igreja tinha espaço de antena de uma hora. Dos 320 pastores subscritores do Manifesto Pastoral, muitos recuaram, no entanto, 12 resistiram à tentação. Os vários pronunciamentos da ala brasileira, assim como da ala angolana, deram lugar a uma denúncia pública que suscitou um processo judiciál na Procuradoria Geral da República, e que corre os seus trâmites legais.

Nesta altura estamos diante de uma Igreja Universal do Reino de Deus dividida?
A Igreja Universal do Reino de Deus nesta altura está dividida, porque a parte angolana controla 98% das províncias e 85% em Luanda, o que nos leva a afirmar que mais de 80% dos membros a nível do clero aderiram à reforma.

Nesta altura temos uma ala angolana que introduziu a reforma e, por outra, uma ala brasileira, que não reconhece, tão pouco aceita as reformas anunciadas?
O bispo Honorilton Gonçalves nunca vai reconhecer as inquietações dos angolanos e graças a Deus o seu reconhecimento é irrelevante. À luz dos estatutos da Igreja, no dia 24 de Junho deste ano foi feita uma Assembleia Geral Extraordinária, que deliberou a destituição dos representantes dos órgãos sociais da igreja. O referido acto destituiu toda a direcção da igreja. Esta assembleia, além de destituir os representantes dos ór-gãos sociais, elegeu um coordenador da Comissão de Reforma nas vestes de comissão de gestão. E este coordenador foi eleito por unanimidade, os pastores do interior participaram por via de videoconferência. Em Luanda os pastores do município de Viana participaram por videoconferência na catedral de Viana e na catedral do Morro Bento foi presencial. E por unanimidade elegeram o bispo Valente Bezerra como coordenador da comissão da reforma no período de 90 dias. Nesta altura está em funções por 90 dias, findo os quais seguir-se-ão outros passos. Os estatutos da Igreja em Angola prevêem que, quando existe este quórum, o poder deliberativo instala-se automaticamente, razão pela qual pode-se afirmar que a aceitação ou não dos bispos Ma-cedo e Honorilton Gonçalves é irrelevante. E no início desta entrevista apontámos que a Igreja Universal do Reino de Deus em Angola é dos angolanos e não depende de qualquer outra igreja pelo resto do mundo.

E esta nova igreja vai continuar a usar o mesmo nome, símbolos, siglas e instrumentos litúrgicos?
Vamos usar os mesmos templos, pois pertencem à Igreja Universal do Reino de Deus em Angola. Os templos não são do Brasil, quem construiu os templos são os angolanos. Não tem nenhum templo, aqui, tão pouco as catedrais foram erguidas com fundos do Brasil. Foram os angolanos que construíram.

Quanto às insígnias, vão continuar a ser as mesmas? Estamos diante de uma propriedade intelectual registada e reconhecida como sendo de Edir Macedo?
São assuntos que vão ser analisados nas próximas assembleias para depois se decidir. O único vínculo entre a Igreja Universal do Reino de Deus em Angola e do Brasil era um vínculo espiritual. Angola não é uma extensão, tão-pouco sucursal da Igreja Universal do Brasil. Depois de ser registada aqui, em Angola, adquiriu os direitos da marca, assim como as insígnias, no âmbito da propriedade intelectual. Não estamos a criar uma outra Universal e esta Universal pertence aos angolanos. É uma questão de tempo, pois a força da Lei e dos estatutos vão definir quem realmente é o “dono” da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola. O que muitas pessoas não sabem é que o bispo Macedo não é o líder fundador da Igreja Universal do Reino de Deus.

Com a efectivação desta ruptura, de que forma a Igreja Universal em Angola vai interagir com o Brasil e o resto do mundo?
Vamos interagir como comunidades cristãs irmãs. Os missionários brasileiros e outras nacionalidades que quiserem integrar a reforma são bem-vindos e podem ficar. Aquelas igrejas universais do Reino de Deus existentes nos outros países que quiserem ter uma relação de irmandade em Cristo Jesus são bem-vindas, no entanto, daqui para frente são os angolanos, sob a direcção de Deus, que vão definir o rumo da igreja.

Esta continuidade na utilização da marca não vai causar embaraços com o resto do mundo?
Só o vínculo espiritual foi cortado, pois o vínculo jurídico não existe. Nós temos boas relações com os nossos irmãos metodistas, tocoistas, adventistas, pentecostais, por que razão não va-mos ter boas relações com os da Universal? Somos irmãos em Cristo Jesus. Nós estamos abertos. Deus também usa os pastores africanos.

Que Igreja Universal se pode esperar nos próximos dias. Uma igreja sem vasectomia, com infra-estruturas como hospitais e escolas e com relatórios de contas e assembleias nos vários níveis?
Vamos ter uma igreja livre de todas as práticas que o manifesto pastoral partilhou com toda a sociedade, sem discriminação, vasectomia, pressão psicológica sobre os pastores e esposas, bem como a introdução de novos paradigmas na linha doutrinária. Nos últimos anos a igreja deixou de ser espiritual e se tornou materialista.
Já ouvimos membros, obreiros e até mesmo pastores a questionar: “será que tudo que eu faço na igreja tem que envolver dinheiro? Tudo por nada é dinheiro? Todos os dias tenho de receber um envelope para pôr ofertas, propósitos e sacrifícios?” Os membros têm vindo a gritar por muito tempo.
A IURD perdeu muitos membros. Então, o nosso conceito de Igreja vai consistir em “buscai primeiro o Reino de Deus, e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas”. (Mt.6:33).
A relação entre o crente e Deus não pode ser consubstanciada no material. Então, vamos fazer uma reforma na linha doutrinária. “Deus é espírito e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade”, foi o Senhor Jesus que ensinou isso. A nossa relação com Ele não pode ser de “permuta”, do género, “Senhor vou te dar isto, para que me dês aquilo”. Vou te dar esta oferta para que me dês aquela casa, ou este dízimo, para me dares aquele computador. Mas dar a Deus o que é de Deus e, pela sua infinita misericórdia Ele pode me dar se quiser a sua bênção. Esta é também a reforma que precisa ser feita.

O que vai acontecer no clero?
Vamos introduzir a componente formativa desde a formação secular e teológica. O nosso plano de reforma e reestruturação da Igreja Universal no quinquénio 2020-2025 prevê, entre outras coisas, a formação do clero, que será extensiva aos obreiros e membros com cursos de Teologia e cursos bíblicos. Diz a Bíblia que o meu povo sofre por falta de conhecimento. Há muitas práticas que tiveram lugar na Igreja por falta de conhecimento. Temos bispos, pastores e membros com pouco conhecimento teológico e não só. Na primeira fase a formação vai tocar o clero e seguir-se-ão os fiéis na segunda fase. Já está legalizado o Instituto Bíblico e Teológico da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola para dar suporte aos programas traçados e irá funcionar numa das nossas instalações existentes. A Igreja não vai se limitar a fazer doações de sangue e de cestas básicas. Queremos fazer mais e melhor através de programas junto às comunidades. Além da Palavra de Deus, vamos impactar as comunidades de modo a reduzir o índice de crianças fora do sistema de ensino. A Igreja vai aproveitar o seu potencial para construir escolas e hospitais e fazer parcerias com o Estado e assegurar a formação das famílias na comunidade. Para breve pretendemos lançar o programa comunitário "Eu e a minha comunidade" que consiste no resgate dos valores morais, cívicos e culturais para reduzir a tensão entre os vizinhos da comunidade, pois é bíblico, “... Mais vale um vizinho que está perto do que um irmão que está longe”. (Pv.27:10); O empoderamento da mulher consta igualmente entre os desafios da nova liderança.

Não teme conflitos de sucessão no futuro?
Não. A questão da sucessão está garantida pelo Espírito Santo. A igreja não pode temer a sucessão pois, Jesus não temeu a sua sucessão. Preparou os discípulos e estes levaram o evangelho até aos confins da Terra. Jesus quando subiu, o fez tranquilo, deixou 11 discípulos, excepto o Judas, que deram continuidade à Obra do Mestre. Portanto, o discipulado é prioritário, a Igreja vai formar as novas gerações de líderes e pastores que vão dar sequência à Missão da Igreja.

Os acontecimentos do dia 22 de Junho

O clima de insatisfação na Igreja Universal do Reino de Deus leva um grupo composto por 80 pastores liderados pelo pastor Paulo, e que tinha como porta-voz o pastor Silva, a dirigir-se ao templo do Morro Bento, onde lêem uma declaração de adesão à reforma. No mesmo dia, 15 províncias do país declaram igualmente a ruptura total com o bispo Edir Macedo. No dia 23 de Junho, o pastor da Catedral de Viana faz adesão à reforma. Dos 106 pastores angolanos no interior do país, 100 aderiram à reforma e apenas 6 ainda não o fizeram. Em Luanda 85% aderiram à reforma. Vários templos e locais de culto arrendados estão sob jurisdição da “Reforma”.