Luanda - A entrevista que me abriu às portas da amizade a Valdemar Bastos aconteceu há 17 anos quando entrevistei um dos músicos mais sonantes do panorama música que acabara de chegar ao país dias antes vindo do «Exílio» na tuga.

Fonte: SA

O conceito jornalista Severino Carlos, à época, editor chefe do SA, teve hoje a gentileza de publicar na sua página do Facebook a citada entrevista, que entretanto dou à estampa no meu mural.


Obrigado, chefe «Severas», por refrescar a memória colectiva com esta «histórica» entrevista, apesar do ambiente de dor e luto que nos ensombra.
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Depois de 16 anos no “exílio”

“A PAZ E O CHEIRO DA TERRA” ALIMENTAM O REGRESSO DE VALDEMAR BASTOS
Por Ilídio Manuel

O homem com quem falo tem o olhar de fulgores intensos e uma extraordinária vibração. Imagino-o, em palco, a espalhar toda aquela pujança. Pela segunda vez, no espaço de um mês, está de volta ao país natal para responder ao irresistível apelo do “cheiro da terra” e “saborear a paz”, como ele próprio confessa, num tom nostálgico. Tem 49 anos, mais de metade dos quais dedicados à música. Chama-se Valdemar dos Santos Alonson de Almeida Bastos ou, simplesmente, Valdemar Bastos.


Abandonou um dia a terra que o viu nascer. Havia 16 anos, quando abalou, aparentemente desencantado, e partiu “à conquista do mundo; do seu “mundo da música”, perseguindo um sonho que lhe habitava na alma “desde criança”.


Angola, mais precisamente a cidade nortenha de Mbanza Congo, deu-o ao mundo, no longínquo ano de 1954. Cedo despertou para a música, uma paixão que sempre lhe correu nas veias, agora com mais intensidade, depois de ver os seus sonhos convertidos em realidade.


Se Angola lhe serviu de berço e de fonte de inspiração para dar a conhecer o pouco do muito que lhe ia na alma, o mundo, esse, escancarou-lhe timidamente as portas para a fama e a consagração, onde colocou à prova os dotes dessa veia artística e talento musical. O mundo da música está hoje rendido a seus pés, ao talento da sua voz e à sua capacidade criativa. Andarilho, errou por esse mundo fora em busca do reconhecimento, do mérito que o seu país natal se negou atribuir-lhe. Ou, antes, negligenciou quando dele necessitou, por força da “conjuntura que então vigorava”.


Corria o ano de 1984 quando, no Brasil, lançou “Estamos Juntos”, o álbum que marcaria a sua rampa de lançamento para outras caminhadas coroadas de sucesso, de forma a atingir os píncaros da fama. Bem acolhidas pela crítica, as letras de Valdemar Bastos haviam cativado, na altura, a atenção de músicos locais de renome, com os quais participou na gravação de algumas das suas faixas musicais, com particular destaque para “Velha Chica” e “Lalipó Lubango”.


Três anos mais tarde, em finais de 87, o compositor e músico abalava do país para assentar arraiais em Lisboa. Em Angola, o clima político adensava, à época, sob o manto de um poder monolítico e autocrático. A sua saída, como era previsível, agitara algumas águas turvas, cujo caudal desembocara em leituras pouco abonatórias em relação ao alegado “dissidente”; vozes discordantes se apressariam em apodá-lo com epítetos de “anti-patriotismo e mercantilismo”.

CAUSAS DA “FUGA” PARA A FAMA

“Naquela altura em que fui, as condições não estavam reunidas porque, em Angola, a música não constituía uma prioridade, não merecia uma atenção especial. Por conseguinte, achei por bem ir ao mundo dar vazão ao meu talento”, justifica-se, para depois concluir que os resultados estão à vista de todos, “estão comprovados”, acentua.


De facto, se dúvidas houve, elas estão totalmente dissipadas por força da fama. Do respeito e do prestígio granjeados por este homem, que já se tornou num dos principais “embaixadores” da música angolense além-fronteiras; uma referência obrigatória e incontornável reconheça-se.


Para trás, o músico deixara por concluir um curso de engenharia no ramo de Antena de Satélite, na Marconi, para arriscar o “exílio” e apostar apenas na música como forma de sustentar-se a si e à sua prole, embora nunca tivesse procurado fazer da música um “acoito comercial”, mas sim “a arte para poder sobreviver”, um objetivo que não conseguiu, porém, alcançar no seu país.


“Não fui atrás de riquezas, mas à procura de condições materiais e técnicas para a minha realização profissional e para viver com o mínimo de dignidade e poder sustentar a minha família”, justifica-se, para depois pontualizar: “Nos longos anos da minha carreira, apenas gravei quatro álbuns, o que prova por si só que estou mais preocupado com a qualidade dos trabalhos que faço do que com os proventos financeiros...”


Em Portugal, onde supunha poder singrar, uma série de escolhos imprevistos atravessaram-se-lhe pelo caminho. “Se em França ou no Reino Unido, os músicos francófonos e anglófonos encontram alguma receptividade, em Portugal a vida artística, mesmo para os Palop’s, não tem sido fácil, e pior ainda naquela época”, queixa-se, como que a procurar as razões para a injustificada falta de solidariedade para com os “irmãos” lusófonos de África.


Decidido, não virou, contudo, costas à luta e tentou a sorte em outras paragens europeias, de Paris a Amesterdão, passando por Londres... Sem sucesso, não desarmou e prosseguindo o combate para a afirmação retorna a Portugal onde, em 1990, lançou no mercado discográfico o seu segundo álbum, “Angola Minha Namorada”. Desta vez, venceu sem, contudo, convencer a crítica portuguesa e lusófona, mas viu aumentadas as audiências das suas músicas nas rádios locais. Multiplicaram-se os convites para actuações. Valdemar Bastos estava em meio da sua consagração, mas não se conformou. Dois anos mais tarde, o irreverente músico surpreendeu tudo e todos, em particular a sua cada vez mais crescente fauna de fãs, com “Pitanga Madura”. As portas estavam abertas, agora mais do que nunca, para catapultá-lo para outros voos. Mais altos e ambiciosos, claro!


Em 1999, partiu para os Estados Unidos da América, a convite de uma produtora musical, onde viria a gravar, com sucesso, “Preta Luz”, o álbum que o colocaria no auge da sua longa carreira. Mas nesse mesmo ano, todo ele coroado de êxitos, veria a sua estrela da sorte a brilhar-lhe, ao ganhar o prémio de artista revelação do ano, numa distinção da “American World Awards, sendo o primeiro prémio atribuído a um músico de um país africano de expressão portuguesa. Ainda o ano de 2003 assinalaria um importante marco na sua vida artística, quando fora convidado especialmente pela princesa de Mónaco para actuar no festival internacional de Mónaco que decorreu naquele principado europeu, onde cantou ao lado de outros músicos de projecção internacional, como Mirian Makeba e Angélique Kidjó. Com a sua popularidade sempre em ascensão, esta viria a atingir um dos seus pontos mais altos com uma actuação no Japão.


Queixa-se que, durante a sua prolongada ausência, a sua música tenha sido “penalizada”, porque “era pouco passada nas rádios, apesar de ser muito amada”. Mas Valdemar Bastos diz não guardar rancores do passado, até porque considera que “a guerra e o rumo que o país teve eram pouco favoráveis à cultura da diferença”.


PROJECTOS E SONHOS


“Quando parti, há 16 anos, tive sempre no horizonte que um dia regressaria a casa”, prognosticara na altura. Há cerca de um mês esteve no país para, a convite da promotora cultural “Casa Blanca”, participar no “Festipaz”, e sentiu que “a paz era um facto consumado”.


Embora esteja a viver no auge da sua carreira, Valdemar Bastos sente-se, no entanto, atraído pelo “cheiro da terra”, cuja voz o chamou “para o regresso”.


Encontra-se em Luanda, há alguns dias, para criar as condições para esse retorno. Tem em carteira alguns projectos para implementá-los, dentre os quais ajudar a despontar novos valores musicais, encaminhar jovens talentos, bem como criar, se possível, uma promotora cultural para melhor divulgar e projectar a música produzida em Angola.


Instado a pronunciar-se sobre como avalia a música produzida no país, afirmou que “a juventude está a produzir música nova e moderna”. “O Bangão está a produzir o semba, um género de música que muito aprecio. O Carlos Burity e a jovem Patrícia Faria estão a fazer música de qualidade”.


Na opinião do músico, a paz tem estado a contribuir para o aparecimento de novos valores e aumentar a qualidade da nossa música, porque no passado “a guerra condicionou muito a capacidade criativa, até daqueles que se encontravam lá fora”.


Sem precisar a data do seu regresso definitivo, Valdemar Bastos adiantou que, mesmo depois de se fixar em Angola, continuará a ser um músico itinerante. “Continuarei a cantar no mundo, hoje na África do Sul, amanhã em Portugal e por aí a fora...” Anunciou que dentro de dias actuará em Coimbra e depois vai realizar uma digressão por outros países da Europa.

Revelou ainda que está a preparar um álbum que abrangerá todas as faixas etárias cujo lançamento prevê que venha a acontecer no final deste ano. Sem entrar em mais pormenores, porque o disco vai “constituir uma surpresa”, acrescentou que não tem por hábito fazer discos às pressas, o que poderá estar, eventualmente, por detrás dos seus sucessos.


Presentemente está a compor músicas para o Ballet Internacional de Mónaco – tido como um dos melhores do mundo. “Faço também música para telenovelas em Portugal. Acredito que mais dias, menos dias, farei para telenovelas angolanas”, conclui, optimista, sem contudo deixar de “agradecer a Deus” pelo êxito da sua brilhante carreira.