Lisboa - "Tenho confiança pessoal e política nele". Há cerca de uma dezena de anos um presidente de câmara justificou assim a decisão de ter contratado o filho como chefe de gabinete. O argumento, sendo inequívoco, convoca o espanto, na medida em que entra fatalmente no terreno do favorecimento de familiares.

Fonte: Negócios

É nesta perspetiva que pode ser analisada a nomeação de Cristina Giovanna Dias Lourenço, filha do Presidente de Angola, João Lourenço, como administradora executiva do Bolsa de Dívida e Valores de Angola – Sociedade Gestora de Mercados Regulamentados, inteiramente detida por capitais públicos.

 

João Lourenço tem promovido uma intensa luta contra a corrupção em Angola. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do ex-presidente José Eduardo dos Santos, são dois casos que ilustram de forma veemente essa batalha. Isabel dos Santos, logo que João Lourenço tomou posse, foi exonerada da presidência da Sonangol, tem os seus bens arrestados e está a braços com a justiça. José Filomeno dos Santos, ex-líder do Fundo Soberano, foi condenado na semana passada a cinco anos de prisão pelos crimes de burla por defraudação e tráfico de influência no âmbito do caso 500 milhões.

 

É certo que os cargos públicos atribuídos a Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, durante a presidência de José Eduardo dos Santos, eram bem mais relevantes do que aquele que agora foi ocupado por Cristina Dias Lourenço, mas ainda assim vale o princípio de que os laços familiares são meio caminho andado para a especulação e até para o enfraquecimento de João Lourenço, na medida em que os seus críticos podem sempre alegar que ele está a retomar práticas do seu antecessor.

 

Antes de chegar à Bodiva, Cristina Giovanna Dias Lourenço era diretora-geral adjunta da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos de Financiamento Externo do Ministério das Finanças. Aliás, já tinha estado na Bodiva em 2014, exercendo à data funções de analista de mercados.

 

O currículo académico da administradora da bolsa angolana, onde é responsável pelos Departamentos de Finanças e Património e de Comunicação e Intercâmbio, é à prova de bala. A filha de João Lourenço é Licenciada em Gestão, pela London School of Economics and Political Sciences, Londres, em 2012, tendo concluído o Mestrado em Gestão de Investimentos, pela Pace University, Lubin School of Business, Nova Iorque.

 

A Bodiva irá ter um acréscimo de atividade na medida em que está prevista a colocação de um conjunto de empresas públicas angolanas em bolsa, no âmbito dos processos de privatização, situação que poderá também propiciar a elaboração de teorias da conspiração. Como ajuíza o famoso ditado popular, “à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Moral da história: João Lourenço vulnerabiliza-se perante os seus detratores.