Luanda - O Presidente DonaldTrump quer banir a grande rede social chinesa Tik-Tok do território americano (e do resto do mundo?), com receio de que ela esteja a espionar os dados pessoais dos seus usuários.

Fonte: JA

Como se o mesmo risco não existisse com as plataformas tecnológicas norte-americanas e ocidentais em geral. “Risco”, disse eu? Melhor dizer logo: realidade factual.


Essa decisão junta-se à guerra comercial desencadeada por Washington contra Pequim mal o actual Presidente chegou à Casa Branca, bem como aos esforços da actual administração norte-americana para banir a Huwai da telefonia móvel G-5. Não nos esqueçamos, também, da insistência de Trump em responsabilizar a China pela pandemia da Covid-19.


Ou seja, a nova guerra fria está aí, com tudo a que tem direito: ideologia, comércio, propaganda, farsa. Quando faltam três meses para as eleições norte-americanas, parece o último recurso de Trump para desviar as atenções da sua incompetência em lidar com o novo coronavírus e do impacto da brutal depressão económica que o mesmo causou e, assim, evitar a sua possível derrota em Novembro. O mais certo, porém, é que ela sobreviva e seja mantida, com ou sem nuances, pela administração norte-americana, qualquer que ela venha a ser.


Como intelectual africano, escaldado pela anterior guerra fria, a minha grande preocupação é: qual o “destino” de África na nova guerra fria?


Desde logo, o Ocidente (Estados Unidos e Europa) deverá continuar a fornecer a sua habitual (e cada vez mais discutível) “ajuda ao desenvolvimento” aos países africanos, assim como acesso, mitigado e de preferência bilateral, aos seus mercados, para assegurar o alinhamento dos países do continente, ideologicamente justificado pela “partilha de valores” entre as nossas regiões e culturas. A China, por seu turno, continuará a olhar para os 54 países africanos como um bloco de suporte e legitimização das suas acções. A seu favor, tem o facto de nunca ter havido um programa de construção de infraestruturas (estradas, portos, redes de água e electricidade) à escala continental em África, antes da chegada dos chineses.


Algumas vozes, pelo menos em Angola (desconheço a realidade nos outros países do nosso continente), reclamam da alegada má qualidade das obras chinesas. A reclamação, em muitos casos, é justa, mas o alvo da crítica que lhe está associada parece-me errado. Na verdade, a principal responsabilidade é do “dono da obra”, como o atestam as variadas e “engenhosas” práticas de corrupção existentes, da ausência de fiscalização à minimização dos requisitos técnicos exigidos em cada empreitada, substituição dos materiais projectados por outros de menor qualidade, sobrefacturação e outras. Não é, em absoluto, plausível, que uma potência com capacidade para construir cidades altamente modernas não seja capaz de edificar infraestruturas com qualidade em qualquer parte do mundo.


Recentemente, o político liberiano Gyude Moore, depois de lembrar a persistência da escravatura, colonialismo e neocolonialismo promovido durante séculos no continente africano, sublinhou que “o trabalho explorado e os recursos minerais dos africanos tiveram um papel fundamental na formação do capital no Ocidente”. Como que respondendo às vozes que criticam a corrupção das elites africanas dominantes, acrescentou: - “O Ocidente encorajou, apoiou e acobertou a venalidade das lideranças africanas e protegeu os recursos dos milionários africanos”.


Quanto à “partilha de valores” entre África e o Ocidente, como ignorar, pergunto eu, que a própria Libéria e a República Democrática do Congo sempre foram dos principais aliados dos EUA no continente e hoje estão entre os países mais pobres do mundo? Ou como explicar a simpatia ocidental, nos dias que correm, por países governados por uma espécie de “déspotas esclarecidos” (Rwanda e outros), por serem, aparentemente, “bem geridos”?


Antes que os leitores concluam que estou a defender um alinhamento de África com a China, no quadro da nova guerra fria, apresso-me a responder: obviamente, não. Os países africanos devem negociar com os EUA, a União Europeia e a China em pé de igualdade, sabendo colocar na mesa as suas próprias condições. Como escrevi em textos anteriores, é recomendável que o façam em bloco, ao invés de bilateralmente, por mais vantajoso a curto prazo que a última opção pareça a alguns países.


Quanto ao “pesadelo chinês” que tanto parece perturbar as potências ocidentais, estas precisam de recordar que a China construiu mais infraestruturas em África em duas décadas do que elas fizeram em séculos. O investimento chinês nesse domínio atingirá um trilião de dólares em 2027. Por que razão não faz o Ocidente uma aposta similar?


Recentemente, a União Europeia e os EUA decidiram investir vários triliões de dólares para salvar as suas economias afectadas pela Covid-19. Por outro lado, só os EUA gastaram mais de 6 triliões de dólares em guerras nas últimas duas décadas. Recursos não faltam, portanto, às economias mais ricas.


A conclusão só pode ser uma: o Ocidente não investe mais no continente africano porque não quer.

 

*Jornalista e escritor