Whindoek - Quando, há 3 anos, João Manuel Gonçalves Lourenço tomava posse como terceiro Presidente de Angola, sucedendo ao longo mandato de José Eduardo dos Santos (JES), prometeu trabalhar para que “os sagrados laços do contrato social estabelecido entre governantes e cidadãos fossem permanentemente renovados, através da criação de espaços públicos de debate e troca de opiniões, bem como através da criação de meios eficazes e céleres para se exigir o respeito pelos direitos e para garantir a participação plena dos cidadãos na resolução dos problemas das comunidades em que estão inseridos”.

Fonte: Club-k.net/OVILONGUA

O novo Presidente prometeu que, no seu mandato, iria “assegurar um maior investimento público no sector da comunicação social, de modo que os angolanos tenham acesso a uma informação fidedigna em todo o território nacional”, assim como também apelou aos servidores públicos para uma maior abertura encorajando-os “a conviver com a crítica e com a diferença de opinião, favorecendo o debate de ideias, com o fim último da salvaguarda dos interesses da Nação e dos cidadãos” (fim de citação).

 

É exactamente sobre este tema que fomos desafiados a analisar no webnário, promovido pela OVILONGUA, quanto aos três anos de acesso aos espaços de debates e as diferenças de opinião, que se resumem no tema das liberdades de expressão ou a liberdade de imprensa.

 

A associação Repórteres Sem Fronteira (RSF) apresenta, anualmente, a classificação mundial da liberdade de imprensa em cerca de 180 países do mundo, incluindo Angola. Esta associação usa três critérios de classificação para avaliar a liberdade de imprensa num certo país, que são: (1) o número de jornalistas mortos por ano, (2) jornalistas presos, (3) legislatura vigente no país e (4) debates nacionais sobre os medias.

 

JORNALISTAS PRESOS/INCIDENTES

1.No ano passado (2019), ocorreram dois incidentes, sendo um relativamente a um jornalista da TV Palanca e outro, relativo a um jornalista da Rádio Eclésia, que foram detidos ao fazerem uma reportagem no município de Cacuaco. Foram detidos por algumas horas na esquadra da polícia.

 

2.No dia 23 de Janeiro de 2020, dois jornalistas da Lusa foram conduzidos até uma esquadra quando tentavam falar com manifestantes que iam se concentrar à frente da Assembleia Nacional, em Luanda, para protestar a favor das autarquias e, entretanto, foram libertados sem explicações sobre o motivo da detenção.

 

3.Na segunda semana de Abril de 2022, a jornalista da TPA, Carlas Miguel, acusou o escolta do governador da província do Namibe, Archer Mangueira, de agressão durante uma reportagem naquela localidade. Ela apresentou queixa à Procuradoria-Geral da República, mas, logo a seguir, retirou a queixa depois de um pedido de desculpas público do Governo Provincial.

 

4.No mês seguinte, o secretário provincial do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) no Namibe, Armando Chicoca, foi constituído arguido por indícios de violação dos limites ao exercício da liberdade de imprensa. Chicoca foi indiciado no crime de injúria contra agentes da autoridade por ter reportado o incidente envolvendo o escolta do governador da província.

 

LEGISLAÇÃO

 

Angola tem uma Constituição que garante as liberdade de expressão e, também, subscreve a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, no seu artigo 19, ressalta que “Todos os seres humanos têm direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

 

Este ano, já na vigência do Presidente João Lourenço, foi aprovada a “Lei sobre a Actividade da Entidade Reguladora da Comunicação Social de Angola (ERCA)”. A ERCA, conforme definição própria, “tem a natureza de entidade Administrativa independente, exercendo actividades de regulação e de supervisão da comunicação social e conformidade com o disposto na Constituição e na Lei.” Um dos seus conselheiros, Carlos Alberto, tem denunciado os poderes limitados, apenas acompanha e recomenda.

 

O Sindicado dos Jornalistas Angolanos tem se debatido para a revisão da lei de imprensa que terão sido prejudicadas pelas constantes mudanças de ministros da Comunicação Social.

 

DEBATE SOBRE OS MEDIAS NACIONAIS

 Um dos principais elementos do Estado de Direito e Democrático ou mesmo da democracia é a liberdade de expressão e o livre funcionamento da media.

 

No seu discurso de tomada de posse, o Presidente João Lourenço mencionou que “Nos últimos quinze anos, Angola conheceu um assinalável progresso no que respeita à qualidade da informação”. O Presidente adiantou, ainda, que “Há mais jornais, mais estações de rádio e mais estações de televisão” e que “O debate é mais plural e melhorou também a liberdade de imprensa”, tendo reconhecido “que ainda há muito por fazer e que estamos longe de atingir o ideal nessa matéria.”

 

Apesar de as autoridades entenderem que o número de jornais ou de órgãos de comunicação seja sinónimo de liberdade de expressão, assistimos, há cerca de três semanas, o governo a chamar para si dois grupos de comunicação social que congregam a TV Zimbo, Rádio, Mais e TV Palanca, que foram confiscados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por terem sido erguidos com fundos públicos.

 

Se, por um lado, o Presidente no início do seu mandato foi aplaudido por fim dos monopólios do sector económico, o que acabamos de assistir com os confiscos dos órgãos privados que passaram ao governo, foi o Estado/Governo a promover monopólio na Comunicação Social: o Estado, a controlar a Comunicação Social, o que representa um atentado ao discurso do próprio Presidente da República que, na tomada de posse, defendeu uma imprensa livre.

 

O Secretário-Geral do Sindicado dos Jornalistas Angolanos, Teixeira Cândido, alertou recentemente que este controlo atenta contra a própria lei de imprensa que proíbe os monopólios. Num artigo publicado no Jornal O PAÍS, Teixeira Cândido nota que o que ocorreu “não apenas viola à Lei de Imprensa, quanto à proibição do monopólio, artigo 25° e seguintes, como mutila a pluralidade de informação, com todas as consequências que se possam imagina”.

CONCLUSÃO/BALANÇO

Em 2017, quando João Lourenço assumiu a Presidente da República, Angola estava no raking de avaliação dos repórtes sem fronteira com 125 de pontuação. Em 2019, passou para 109 e, em 2020, está na posição 106.

 

É notório que se está a repetir as práticas do passado, como as práticas de há 10 anos em que o anterior governo comprou ou silenciou todos os jornais privados, criando um “monopólio” mesmo que não assumido. Os media públicos retomaram a conduta do passado. Houve o caso “Luanda Leaks” em que se expôs os negócios de Isabel dos Santos, tendo sido repassado pela TPA, Jornal de Angola, etc. Por outro lado, porém, tivemos recentemente graves acusações de problemas de probidade envolvendo um ministro junto à Presidência, mas os media públicos não prestaram atenção, o que revela que a imprensa estatal voltou ao formato do passado quanto a assuntos ligados a figuras próximas ao Presidente da República.

 

Recomenda-se ao Governo a abertura dos espaços, a passagem ou entrega dos órgãos de imprensa confiscados pela PGR a privados. Apela-se, também, à redução dos exorbitantes custos para abertura de licença de rádio e televisão em Angola, porque os altos custos impedem a entrada de novos actores e mais pluralismo no contexto dos meios de comunicação social.


José Gama